Acórdão nº 651/21.0T8AVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ FLORES
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: 1. RELATÓRIO Mediante decisão proferida a fls. 33 e ss. destes autos, julgou-se procedente a providência cautelar requerida por F. A. e mulher A. G.

e determinou-se a restituição da posse aos requerentes do caminho que dá acesso ao prédio identificado na petição inicial, tendo-se ordenado ainda que os requeridos retirassem/demolissem os blocos de cimento referidos no ponto 12 do elenco de factos sumariamente apurados – colocados na entrada referida no ponto 6 do citado elenco –, tendo os mesmos sido também condenados a absterem-se de praticar quaisquer outros actos que impossibilitem os requerentes de circular no referido caminho de servidão e a pagarem, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 100,00 € (cem euros) por cada dia que aqueles estejam impedidos de utilizar aquele caminho.

Notificados da decisão sobredita, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 366.º, n.º 6, e 372.º, ambos do CPC, vieram os requeridos P. S.

e D. O.

deduzir oposição, pedindo, a final, que seja revogada a providência decretada.

Após produção de prova, foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição deduzida pelos requeridos e, em consequência, decidiu manter a providência decretada nestes autos, condenando os requeridos nas custas devidas.

Inconformados com esta decisão, os Requeridos apelaram, formulando as seguintes Conclusões

  1. Os Recorridos não demarcam o suposto prédio rústico dominante, como impõe o princípio da especialidade. Os Recorridos não determinam as confrontações do prédio, nem a respectiva área. É consabido, que caminho é a faixa de terreno que permite o trânsito entre dois lugares. E que, uma das características da servidão é, por isso, a ligação necessária a um prédio. Nos termos do artigo 1543.º do Código Civil, “servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente (…)”. Porquanto, para que seja reconhecida uma servidão de passagem, sempre se terá de identificar com segurança o prédio dominante e o prédio serviente, coisa que os Recorridos não conseguem identificar ou demarcar; b) Resulta evidente que os Recorridos não têm usado, nem fruído do prédio; c) Por seu turno, os Recorridos não determinam sequer a extensão da servidão; d) Acresce que, inexistiam e inexistem quaisquer sinais visíveis e permanentes de qualquer servidão. Destarte, conforme dispõe o 1548.º do Código Civil, as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião; e) Assim, entendem os Recorrentes, que não se pode considerar sumariamente provado, o constante em 1., 2., 3., 4., 6., 7., 8., 9., 10., 11. e 14. da decisão tomada a 10 de Dezembro de 2021 e constante em 5. da sentença emanada a 15 de Março de 2022; f) Assim, não estão preenchidos os requisitos cumulativos previstos no artigo 377.º do Código de Processo Civil; g) Idem, tendo sido a providência decretada sem audição dos Recorrentes e sem que existissem quaisquer sinais visíveis e permanentes de servidão, o Tribunal a quo não garantiu o contraditório aos Recorrentes, de acordo com o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil e efectivo acesso ao Direito e aos Tribunais, em conformidade com o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa; h) Além do exposto, a providência cautelar decretada não respeita o princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. A providência cautelar é desadequada, porque não tem qualquer efeito útil. E, por conta das razões supra elencadas, é desnecessária e desproporcional. Impunha-se, por isso, pelo menos, a alteração da providência cautelar decretada; i) Desta forma, tendo o Tribunal a quo considerado sumariamente provado, que o suposto prédio rústico confronta com caminho público, sempre a alegada servidão é desnecessária. Consequentemente, deveria o Tribunal a quo ter judicialmente decretado a respectiva extinção (vide n.º 2 do artigo 1569.º do Código Civil); j) Desta forma, deverá a sentença ser anulada; k) Ou, caso assim não se entenda, deverá a sentença ser alterada em conformidade com o acima alegado, designadamente: • Não se deverá considerar provada a matéria já identificada em e); • Os Recorrentes deverão ser absolvidos do pagamento da sanção pecuniária compulsória; • Não deverá ser ordenada a demolição do muro, uma vez que a unidade predial dos Recorrentes tem outras entradas, que permitem aos Recorridos aceder ao prédio rústico do qual se arrogam legítimos proprietários e possuidores.

    l) Ainda que se entenda ser devido o pagamento de qualquer sanção pecuniária compulsória, o que não se está em crer, apela-se para que seja o mesmo determinado, única e exclusivamente, desde a data da notificação da providência até à apresentação da oposição por parte dos Recorrentes.

    Em resposta, os Recorridos alegam, em suma, que o recurso deve ser julgado improcedente.

    2. QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. (2) Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (3) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (4) As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma: - Alteração da decisão de facto; - Modificação da decisão em conformidade; - Falta de contraditório; - Desproporcionalidade e desnecessidade da providência; - A sanção compulsória.

    Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

  2. Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” No que toca à especificação dos meios probatórios - «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

    Como refere Abrantes Geraldes (5), sendo certo que actualmente a possibilidade de alteração da matéria de facto é agora assumida como função normal da Relação, verificados que sejam os requisitos que a lei consagra, certo é que nessa operação “foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislado optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.

    De acordo com este mesmo autor e Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, em síntese, o sistema actual de apelação que envolva a impugnação sobre a matéria de facto exige ao impugnante, o seguinte: “

  3. Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenha sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos (6); c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos (7), exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos e pendor genérico e inconsequente;(…).

    Sublinha ainda o mesmo autor que não existe, quanto ao recurso da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento.

    Tendo em mente esta exigência do dispositivo do citado art. 640º, entende ainda Abrantes Geraldes que, mediante uma apreciação rigorosa, decorrente do princípio da auto-responsabilidade das partes (8), sempre com respeito do princípio da proporcionalidade, da letra e espírito da lei, “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: A falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (cf. arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b)); Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a)); Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g., documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc); Falta...

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