Acórdão nº 32/22.8T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: RELATÓRIO M. E.

, residente na Travessa …, n.º …, União de Freguesias de ... e ... (...), concelho de Braga, instaurou a presente ação especial de inventário para partilha de bens comuns, subsequente a divórcio, contra J. D., residente na mesma morada, indicando este para o cargo de cabeça de casal em virtude de ser o ex-cônjuge mais velho.

Nomeou-se o requerido J. D. para o cargo de cabeça-de casal e ordenou-se a sua citação nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 1100º, n.º 2, al. a) e 1102º do CPC.

Em 03/02022, o cabeça de casal apresentou compromisso de honra escrito e apresentou a relação de bens em que relaciona ativo e passivo e onde, em sede de ativo, relaciona, entre outros, o seguinte prédio urbano sob a verba n.º 1: “1 – Prédio urbano destinado a habitação composto de cave, rés-do-chão e logradouro, situado na Travessa ...

n.º ..

, união de freguesias de ... e ... (...

), concelho de Braga, inscrito na atual matriz da referida união de freguesias sob o artigo …, correspondente ao anterior artigo … da freguesia de ...

(...

) e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ..., com o valor patrimonial tributável (VPT) de € 117.409,38 (cento e dezassete mil, quatrocentos e nove euros e trinta e oito cêntimos), conforme cópia de caderneta predial urbana e descrição predial, que se juntam como Doc.

1 e Doc.

2, respetivamente, e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais”.

Notificada da relação de bens, a requerente, M. E., veio dela reclamar, alegando que o prédio relacionado sob a verba n.º 1 é um bem próprio dela, conforme teor da certidão do registo predial que junta como documento n.º 1.

Requer que esse prédio seja excluído da relação de bens apresentada, por se tratar de uma doação que lhe foi feita exclusivamente a si, tendo o cabeça de casal apenas direito a metade do valor das benfeitorias nele realizadas.

O cabeça de casal respondeu sustentando que, por escritura pública de doação realizada pelo pai da requerente, J. S., este doou à última uma parcela de terreno destinada à construção; o cabeça de casal e a requerente contraíram empréstimo bancário junto da Caixa … para construção, nesse terreno, de uma moradia; não pode aceitar que o prédio relacionado sob a verba n.º 1 seja classificado como bem próprio da requerente pelo facto “de que a moradia que consta da descrição da certidão do registo predial é uma benfeitoria comum dele e da sua ex-esposa”.

Conclui propondo que a verba n.º 1 do ativo da relação de bens que apresentou seja subdivida em duas descrições para efeitos de avaliação, nos termos do art. 1114º do CPC, nos seguintes termos: “- Parcela de terreno destinada a construção (lote) doado a M. E.; - Construção de moradia tipologia T3, benfeitoria comum do cabeça de casal e de M. E., sobre o terreno a esta doado”.

Alterou a verba n.º 1 do ativo da relação de bens que antes tinha apresentado, a qual passou a constar do seguinte teor: “1 – Prédio urbano destinado a habitação composto de cave, rés-do-chão e logradouro, situado na Travessa ...

n.º ..

, união de freguesias de ... e ... (...

), concelho de Braga, inscrito na atual matriz da referida união de freguesias sob o artigo …, correspondente ao anterior artigo … da freguesia de ...

(...

) e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ..., com o valor patrimonial tributável (VPT) de € 117.409,38 (cento e dezassete mil, quatrocentos e nove euros e trinta e oito cêntimos), que deverá ser subdividido em duas descrições: 1.1- Parcela/lote de terreno destinada a construção doada a M. E. cujo valor real se fixa em 45.000,99 euros (quarenta e cinco mil euros); 1.2- Construção de moradia tipologia T3, casa de cave e rés-do-chão, benfeitoria do cabeça de casa J. D. e M. E., no valor de 229.000,00 euros (duzentos e vinte e nove mil euros)”.

A requerente M. E. opôs-se à divisão operada pelo cabeça de casal relativamente à verba n.º 1 do ativo, reafirmando que esse ativo “é um bem próprio da requerente, pelo que deve ser retirado da relação de bens. A construção pelos cônjuges em comunhão de adquiridos em um prédio de um só deles, deve ser considerado uma benfeitoria que deve ser relacionada como bem comum, por forma a que se opere a compensação devida ao património comum”.

Conclui pedindo que na verba n.º 1 sejam relacionadas as benfeitorias construídas no terreno da requerente.

Impugna o valor das benfeitorias indicado pelo cabeça de casal, no valor de 229.000,00 euros, sustentando que estas não têm um valor superior a 100.000,00 euros.

Requer que se proceda à avaliação de tais benfeitorias, por perito a designar pelo tribunal.

Impugna o valor dos bens móveis que compõem o recheio do prédio, relacionado sob a verba n.º 2, requerendo a respetiva avaliação por perito a designar pelo tribunal.

O cabeça de casal respondeu mantendo a sua posição anterior e citando vária doutrina e jurisprudência, sustentando que, “seria artificial e forçada a qualificação da construção de uma casa como benfeitoria”; que “com a construção da moradia o terreno deixou de ter existência jurídica autónoma, tendo ficado integrado no prédio urbano, entretanto constituído e registado como tal, passando o terreno e a edificação a formar uma unidade jurídica indivisível”.

Por decisão proferida em 06/04/2022, a 1ª Instância julgou parcialmente procedente a reclamação à relação da bens apresentada pela requerente M. E. e, em consequência, determinou a eliminação da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal da verba n.º 1 e determinou que, nessa relação de bens, fosse relacionada como benfeitoria a construção edificada por requerente e cabeça de casal, durante a constância do respetivo casamento, e indeferiu o pedido de avaliação das benfeitorias realizadas pelo ex-casal nesse prédio relacionado sob a verba n.º 1 (edificação da casa que nele foi erigida por requerente e cabeça de casal durante a constância do matrimónio no lote de terreno doado à requerente M. E. pelo pai desta) e, bem assim, do recheio dessa casa relacionado sob a verba nº 2 da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, relegando “para a conferência de interessados as questões suscitadas quanto ao valor da benfeitoria e dos bens móveis que compõem o recheio da mencionada construção”, constando essa decisão do seguinte teor: “Nos presentes autos de inventário para separação de meações nos bens comuns do casal constituído por J. D.

e M. E., em que aquele desempenha as funções de cabeça-de-casal, apresentou a relação de bens.

A requerente, nos termos do disposto no art. 1104º, nº 1, al. d) do CPCivil, reclamou da relação de bens alegando que: a) o imóvel descrito na verba nº 1 é um bem próprio da interessada; b) o recheio da casa de morada de família deve ser discriminado.

O cabeça de casal, notificado nos termos do art. 1105º, nº 1 do CPCivil, confirmou terem procedido à construção de um imóvel numa parcela de terreno pertencente à interessada e discriminou os bens móveis que constituem o recheio da casa de morada de família.

A requerente impugnou o valor das benfeitorias e dos bens móveis.

Cumpre decidir.

No que respeita à parcela de terreno, uma vez que se trata de bem próprio da interessada deve a mesma ser eliminada da relação de bens.

Por outro lado, resulta demonstrado que existem construções e edificações pertença comum do casal dissolvido mas efetuadas no terreno de que é único proprietário a ex-cônjuge mulher.

Na esteira do entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência, consideramos que tais construções constituem meras benfeitorias, nos termos do art. 216º do CCivil.

Ora, tratando-se de benfeitorias, o art. 1273º, nº 2 do CCivil apenas atribui ao seu autor um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada, na impossibilidade de separar a construção do terreno onde está implantada, e não um direito de propriedade sobre a coisa.

Assim sendo, o prédio urbano deverá ser relacionado como benfeitoria.

No que respeita ao alegado pela requerente quanto ao valor da benfeitoria e dos bens relacionados cumpre referir que qualquer discordância quanto ao respetivo valor deverá ser objeto de acordo ou deliberação em sede de conferência de interessados, nos termos do disposto no artº. 1111º, nº 1, al. b) do CPCivil, sendo certo que, mantendo-se o desacordo, eventuais licitações poderão contribuir para a correção do apontado valor.

Pelo que nada há a determinar a tal respeito, remetendo-se tal questão para a conferência de interessados tal como a questão relativa ao compressor e à máquina de lavar à pressão uma vez que a requerente não põe em causa a sua existência, apenas contesta o valor atribuído a tais bens.

Por tudo o exposto, julgo parcialmente procedente a reclamação apresentada e, em consequência, decido: a) eliminar da relação de bens a parcela de terreno; b) relacionar, como benfeitoria a construção existente no bem próprio da requerente; c) relegar para a conferência de interessados as questões suscitadas quanto ao valor da benfeitoria e dos bens móveis que compõem o recheio da mencionada construção”.

Inconformado com o assim decidido o cabeça de casal, J. D., interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: I. A decisão proferida pela Mma. Juiz a quo padece, salvo o devido respeito, de um erro quanto aos pressupostos de direito pelo que, em razão de tudo quanto exposto, o Requerente tem legitimidade para interpor recurso de apelação com efeitos suspensivos nos termos do artigo 639.º, n.º 1 e n.

º 2 do Código de Processo Civil ex vi n.º 1 e da alínea b) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 1123.º do Código do Processo Civil e requerer a alteração da decisão.

  1. A decisão recorrida fez uma errada interpretação dos pressupostos de direito ao aplicar o artigo 1273.º, n.º 2 do Código Civil e qualificar como benfeitoria a construção da moradia na parcela de...

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