Acórdão nº 1186/21.6T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO |
Data da Resolução | 30 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Questão prévia: admissão de documento (certidão do processo de contraordenação em que a requerida é arguida) 1- Relatório da questão: A requerente refere que depois da prolação da sentença nos presentes autos chegou ao seu conhecimento que o processo de contraordenação instaurado contra a Requerida foi objeto de decisão final condenatória por parte da ACT, pela prática de assédio laboral contra a Requerente, o que releva para os presentes autos na parte referente à aplicação de sanção abusiva. Na verdade, a instauração de processo inspectivo foi devido à participação feita pela requerente em 5-07-2021 (por alegada ordem ilegítima de mudança de funções e de local de trabalho), que motivou a ida nesse mesmo dia às instalações da requerida de 3 inspetores, matéria referenciada em vários pontos da matéria de facto, designadamente 23 e 24.
A requerida opôs, referindo que a decisão não transitou em julgado.
2- Fundamentação da questão Na parte que ora releva, do artigo 651º, CPC, consta” As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º….” Segundo este último normativo “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recursos, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento” - 425º CPC.
Em 19-01-2022 foi encerrada a audiência de julgamento.
No processo de contraordenação nº ........9, em que a Caixa ..., C.R.L. é arguida, foi proferida decisão datada de 7-02-2022, condenando a requerida pela prática da contraordenação de assédio moral, p. e p. no art. 29º, 5, CT, na coima de 9.180,00€, por factos relacionados com: (i) mudança do local de trabalho e de funções comunicadas pela requerida à requerente em 1-07-2021 para se efectivarem a partir de 5-07-2021, (ii) por violação do dever de informação (sobre extinção de cargo), (iii) por violação do dever e ocupação efectiva, com esvaziamento de funções durante o mês de Julho/2021. A decisão foi alvo de impugnação judicial, não tendo transitado em julgado.
Do exposto decorre que o documento junto tem objectivamente carácter superveniente, o que basta para poder ser junto, nos termos do citado artigo 651º, CPC. Tem manifesto interesse para a causa por se relacionar com a factualidade essencial discutida, relativa à sanção abusiva. O facto de a decisão não ter transitado em julgado não é impeditivo da sua admissão, valendo apenas como documento probatório enquanto tal e não com a força de caso julgado.
3- Decisão da questão: Admite-se o documento em causa.
***I – RELATÓRIO A. L. intentou procedimento cautelar especificado de suspensão de despedimento individual contra CAIXA ..., CRL.
Alega que: Por comunicação expedida em 25-10-2021 e recebida em 29-10-2021, a Requerente foi notificada da Decisão Final proferida pela Requerida em 25-10-2021, em que lhe comunicou o “despedimento com justa causa, sem indemnização ou compensação, previsto na alínea f), do nº 1, do artigo 328º do Código do Trabalho, e na alínea f), da cláusula 92ª do Acordo Coletivo de Trabalho das Instituições de Crédito … Mutuo”, por factos que considera violadores do dever de obediência, designadamente a recusa reiterada de entrega de um veículo que havia sido entregue pela requerida à requerente. Tal despedimento é totalmente irregular, abusivo, ilegal e ilícito.
A Nota de Culpa, com data de 11-08-2021, foi notificada à Requerente em 12-08-2021, mas nessa data havia já prescrito o direito de exercer o poder disciplinar, bem como se encontrava também já caducado o procedimento disciplinar, uma vez que a requerida tomou conhecimento de todos os factos relevantes que imputa à requerente, pelo menos em 20-07-2020.
Quando a requerente regressou ao trabalho, em 1/7/2021, após um período de baixa médica prolongada, foi confrontada pela requerida com uma transferência de local de trabalho e uma baixa de categoria profissional, que não aceitou, tendo efectuado participação à ACT e, além disso, foi alvo de assédio laboral, de que deu conhecimento à Comissão de Ética da requerida. O que faz crer à Requerente que o verdeiro motivo da instauração do Processo Disciplinar, em 13/7/2021, foi, efetivamente, a sua recusa na transferência do local de trabalho e no exercício das funções de Assistente de Clientes, bem como a participação de tal situação junto da ACT, pelo que o despedimento se presume abusivo.
O despedimento da Requerente pela requerida traduz atuação da Requerida em plena má-fé e um claro e notório exercício ilegítimo do seu pretenso direito, configurando abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que, em 13/7/2021 inexistia qualquer comportamento culposo da Requerente que, pela sua gravidade e consequências, tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Os factos imputados não constituem infracção disciplinar, designadamente desobediência a ordens legítimas, pois a requerente considera que a sua actuação foi e é legítima, não tendo a requerida sofrido qualquer prejuízo.
A requerida apresentou o processo disciplinar. Deduziu oposição. Sustenta a tempestividade, regularidade e licitude do despedimento.
Realizou-se audiência final.
Foi proferida decisão final nos seguintes termos: “Perante o exposto, julgo procedente, por provado o presente procedimento cautelar e, consequentemente, decreto a suspensão do despedimento da requerente A. L. promovido pela requerida Caixa ..., CRL.
Custas pela requerida.” A REQUERIDA EMPREGADORA RECORREU – CONCLUSÕES: 1- Na delimitação do objeto do recurso, a discordância da recorrente manifesta-se: - No incorreto julgamento da matéria de facto; e - Na decisão de mérito, no que concerne ao decidido “carácter abusivo da sanção de despedimento” e ao decretamento da suspensão do despedimento da requerente.
2- Com efeito, com base na reapreciação da prova gravada, produzida em sede de julgamento, máxime, do que resulta do depoimento da testemunha P. G., Inspector da ACT, prestado em 12/01/2022, gravado através do sistema de gravação digital, constante do ficheiro 20220112102719_1998930_2870628, entre a hora 01:13:17 e 1:15:25, e das declarações de parte do Dr. C. M., membro do Conselho de Administração da requerida, prestadas em 19/01/2022, gravadas através do sistema de gravação digital, constante do ficheiro 20220119150219_1998930_2870628, entre a hora 01:13:33 e 01:16:36, cujo conteúdo ficou registado em sede de alegações, em conjugação com o que resulta da parte final da comunicação a que se reporta o ponto 54 da fundamentação de facto e, também, como consequência do que resulta provado nos pontos 80 e 81 da factualidade assente, de acordo com as regras da experiência, da razoabilidade e do normal acontecer, deveria dar-se como provada a matéria constante dos artigos 89.º, 90.º e 91.º da oposição, com a seguinte redação: - O processo disciplinar que foi instaurado à requerente, em 13/07/2021, nada teve a ver com a recusa da transferência do seu local de trabalho, o que foi compreendido pela requerida; - O processo disciplinar teve origem nos factos dados por assentos nesse procedimento, e cuja deliberação de o instaurar, pelo respectivo Conselho de Administração, ocorreu logo no dia seguinte à entrega da sobredita viatura que abusiva e ilicitamente detinha, utilizava e permitia que terceiros a conduzissem; e que, -Tal procedimento disciplinar não deveria constituir estranheza para a requerente, porquanto, como se extrai da comunicação de 21/08/2020 a que se reporta o ponto 54, a requerida já lhe havia comunicado que, com a sua conduta, incorria em responsabilidade disciplinar.
3- Por outro lado, no ponto 1.2.1 da douta decisão recorrida, a propósito da violação dos deveres da trabalhadora, conclui-se que a sua actuação “é susceptível de integrar a prática de uma infracção disciplinar, traduzida na violação do dever de obediência a uma ordem legítima da empregadora e do dever de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador, estabelecidos no artigo 128º nº 1 als. e) e g) do Código do Trabalho”.
4- E assim tendo concluído, a douta sentença recorrida não apurou se a violação desses deveres pela trabalhadora justificavam a sanção de despedimento que lhe foi aplicada, ao invés, apreciou e concluiu, de seguida, pelo alegado caracter abusivo da sanção de despedimento.
5- Neste particular, socorrendo-nos do douto Acórdão do S.T.J. de 15/04/2015, proferido no âmbito do Processo 44/13.2TTEVR.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt, e que se menciona na douta decisão recorrida, extrai-se o seguinte: “No entanto (…), não se pode considerar abusiva a sanção aplicada pela entidade empregadora na sequência da prática de factos integrativos de ilícito disciplinar, pois a ilicitude da conduta do trabalhador, demonstrando haver fundamento para a sua punição, afasta a ideia de que subjacente ao exercício do poder disciplinar se encontrava uma medida de retaliação do empregador por aquele ter reclamado contra as condições de trabalho”.
6- E, com interesse para o caso sub judice, pela sua similitude, o mesmo Acórdão prossegue, afirmando que: “Por isso, o que temos de fazer é apreciar se a materialidade apurada constitui uma violação dos deveres de respeito a que o recorrente está obrigado e se justifica a sanção aplicada. E só se tal não acontecer, é que por força da presunção do nº 2 do artigo 331º, se terá de concluir pelo carácter abusivo da sanção.
No entanto, tendo-se concluído pela legalidade da sanção que foi aplicada, não se pode, por isso, considerar a mesma abusiva, conforme se decidiu”.
7- Aderindo a este raciocínio, e tendo presente a matéria de facto indiciariamente provada, de onde resulta, em síntese, que tendo sido atribuído á requerente a viatura de marca Mercedes, modelo A-180D, com a matrícula ZD, para o exercício das funções de administradora da requerida, manteve-se na posse da mesma e do respectivo Documento Único Automóvel ou...
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