Acórdão nº 3254/21.5T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Outubro de 2022
Magistrado Responsável | SANDRA MELO |
Data da Resolução | 06 de Outubro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório Recorrente, exequente e embargada: Caixa ..., S.A, Recorridos, executados e embargantes - A. C., R. C. e S. N.
Apelação (em oposição à execução por meio de embargos de executado) Na execução para pagamento de quantia certa de que esta oposição á execução por meio de embargos é apenso, a exequente apresentou, em súmula, como causa de pedir, os seguintes factos: -- no exercício da sua atividade creditícia concedeu à executada S. N. e a solicitação desta, em 15/11/2002, um crédito sob a forma de contrato de mútuo (crédito individual Caixa ...) na razão monetária de € 36.959,39, pelo prazo de 120 (cento e vinte) meses. Os demais executados confessaram-se e constituíram-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas, tendo renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia. Aquela deixou de proceder ao pontual pagamento das prestações a que estava obrigada, mormente a partir daquela que se vencera em 11/12/2014. Apesar da interpelação dos Requeridos, na corrente data encontra-se me dívida a quantia global de quantia global de €35.742,14, que discriminou da seguinte forma: Capital em Dívida: € 27.170,00; juros desde 2018/08/09 a 2021/05/21: € 5.362,45; Cláusula Penal de 3.0000000% desde 2018/08/15: € 2.326,70 Mutuários Conta Despesas: € 553,33 Imposto sobre Despesas: € 22,10 Imposto de Selo: € 307,56 Os embargantes pediram a extinção da execução e para tanto alegaram, em súmula, que: --- No requerimento executivo a Exequente menciona que a Executada deixou de proceder ao pontual pagamento das prestações a que estava obrigada desde 11/12/2014, mas os Executados foram interpelados para regularizar os valores em dívida em 17-01-2021 e a Exequente procedeu à resolução do contrato em 21-05-2021. Quer da data de resolução, quer na data da citação, encontravam-se vencidas e prescritas todas as prestações, nos termos do disposto no art.º 310 e) do C. Civil. O plano prestacional a que o contrato de crédito faz referência convolou- se noutra obrigação: o pagamento da totalidade do capital mutuado e ainda em dívida. Quer na data de resolução, quer na data da citação, encontravam-se vencidas todas as prestações e estas mostravam-se prescritas, nos termos do disposto no art.º 310 e) do C. Civil.
Mais invocou que a Exequente não integrou a Executada no Processo Especial de Regularização de Situações de Incumprimento (doravante PERSI) antes de lhe mover execução, o que constitui condição da mesma.
A embargada contestou, afirmando que foi em 15/07/2016 que a embargante S. N. deixou de efetuar os pagamentos e que 16/08/2016, interpelou os embargantes, por carta simples, nos termos previstos no contrato. Sem resposta, remeteu à embargada S. N., em 09/07/2020, carta de integração em PERSI, a qual veio devolvida e à qual a destinatária não respondeu. Por falta de colaboração da mutuária, considerou a embargada extinto o PERSI, em 16/09/2020. Interpelou novamente os embargantes por cartas datadas de 27/01/2021 de forma a evitar a resolução do contrato e a competente ação judicial e posteriormente resolveu o contrato e a embargante S. N. veio confessar-se devedora e propôs o pagamento em prestações. Conclui que o prazo de prescrição é de 20 anos e a invocação desse instituto é abusiva.
Foi proferido saneador sentença que: Julgou verificada a prescrição do crédito exequendo e, em consequência, julgou procedentes os embargos de executado e determinou a extinção da instância executiva.
É desta decisão que a embargante apela, com as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal “a quo”, que julgando procedente a execpção peremptória da prescrição alegada pelos Recorridos, julgou prescrito o crédito da Recorrente.
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Salvo o devido respeito pelo decidido, que é muito, a aqui Apelante permite-se discordar em absoluto desta decisão do Tribunal “a quo”, que não foi proferida conforme aos ditames da lei e do direito, pois entende que não terá sido apreciada nos termos que eram exigidos, no que tange à aplicação do mesmo.
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O Tribunal “a quo” considerou que o facto da exequente ter exigido a totalidade das prestações em falta, considerando vencida a totalidade da dívida, não altera o regime legal aplicável, ou seja, significa isto que tendo ocorrido o vencimento da dívida em 11-12-2014 e tendo a execução sido proposta em 18/6/2021, se completou efectivamente o prazo prescricional quinquenal relativamente a todas as prestações que constituem a obrigação exequenda.
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Não sendo esta uma questão que esteja totalmente sanada e uniformizada na jurisprudência, com o devido respeito, o Tribunal “a quo”, sem fundamentação, e ao arrepio da documentação junta aos autos nos articulados, decidiu da forma mais gravosa para a recorrente.
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O contrato de mútuo executado, Crédito Individual Caixa ..., na razão mutuária de € 36.959,39 (trinta e seis mil, novecentos e cinquenta e nove euros e trinta e nove cêntimos), foi realizado em 15-11-2012 e previa o reembolso pela embargante em 120 meses, com início na mesma data.
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Tendo os Recorridos deixado de proceder ao pagamento pontual das prestações em 11-12-2014, facto que foi dado como assente através da prova documental junta aos autos.
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Porém, tal data não poderá ser tida em consideração para o início do prazo de prescrição, porque esse é o prazo de vencimento da primeira prestação incumprida, não se podendo aceitar que nessa data ocorreu o imediato vencimento das demais, não tendo ocorrido o vencimento automático implicado pela falta de pagamento de uma delas.
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Aliás, foram os embargantes devidamente interpelados para o pagamento, na data de 27-01-2021, tendo sido informados que, à data, o valor em dívida ascendia ao montante de € 12.617,62, data esta que deverá ser considerada para efeitos do início da contagem da prescrição, assim resultando que tendo a acção sido instaurada a 18-06-2021, o direito de crédito da Recorrente sobre os Recorridos não está prescrito de forma alguma.
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Não obstante, a data de início da contagem não ter sido ajuizada da forma correcta e dentro dos ditames legais, a Recorrente também não pode deixar de discordar com o prazo de prescrição quinquenal decidido como aplicável ao caso em apreço, pois estamos perante uma situação que exige a aplicação do prazo ordinário de prescrição de 20 anos, aplicável nos termos do disposto no artigo 309º do CPC.
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A situação em apreço não pode ser subsumível à previsão contida na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, uma vez que estamos na presença uma única obrigação (um contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo, sendo que, os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam assumir, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos.
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Ao invés, o artigo 310º, alínea e) do Código Civil abrange as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a suas frações distintas : uma de capital e, outra de juros em proporção variável, a pagar conjuntamente, o que não sucede com o crédito exequendo, que não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como uma dívida global proveniente da denominada “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida, à data da interpelação para o pagamento do valor integral em dívida.
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Pelo que, resolvido o contrato extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo de um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no artigo 310º, alínea e) do Código Civil.
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Não resultando do teor do disposto no artigo 310º do Código Civil qualquer elemento que permita a interpretação que aquele prazo de prescrição tem aplicabilidade nos mútuos bancários à totalidade do capital em dívida à data do incumprimento.
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O vencimento imediato das prestações restantes significa somente a perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, ficando sem efeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado e os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros, caso em que, atento o fim da união anteriormente contida em cada uma das prestações nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e dívida de juros ao mesmo prazo prescricional.
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É a partir da data do vencimento antecipado/exigibilidade integral da quantia que deixam de existir quotas de amortização de capital, existindo tão somente uma única parcela em dívida que vence juros e esta natureza unitária faz com que deva ser aplicado o prazo de prescrição ordinário previsto no artigo 309º do Código Civil, pois que, a Recorrente interpelou os Recorridos para o pagamento do valor total em dívida decorrente de todas as prestações vencidas, 16. Entendimento que tem sido ensinado, sufragado e partilhado na doutrina e na jurisprudência.
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A Recorrente pugna assim pela exigibilidade integral do seu crédito por considerar que é aplicável ao contrato de mútuo bancário executado o prazo ordinário de 20 anos, nos termos do disposto no artigo 309º do Código Civil, sendo que a data de referência para se iniciar essa contagem teria de ser a partir da interpelação aos Recorridos ocorrida em 27-01-2021 18. Reiterando que não se poderá considerar que em 11-12-2014 ocorreu o vencimento antecipado da obrigação.
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Caso não concordem os Venerandos Desembargadores com tal corrente jurisprudencial, deverá ser aplicável ao contrato executado o disposto no artigo 310º, alínea e) do Código Civil, mas na vertente menos gravosa de se aplicar o prazo quinquenal cada uma das prestações que se venceram nas datas programadas, decidindo-se assim pela...
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