Acórdão nº 4408/21.0T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Outubro de 2022
Magistrado Responsável | AFONSO CABRAL DE ANDRADE |
Data da Resolução | 13 de Outubro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório M. B.
intentou a presente acção declarativa comum contra V. E.
, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 61.284,58, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que no processo de inventário para partilha dos bens que integravam o património comum do casal constituído pelas partes, cujo matrimónio havia sido dissolvido por divórcio, a ora autora reclamou as seguintes dívidas, que o réu não reconheceu: -€ 22.000,00 (verba 3 do passivo), correspondente à quantia proveniente da venda de um bem próprio da autora e que esta aplicou na construção da casa que o casal adquiriu na constância do matrimónio e que, por isso, era um bem comum (e não na aquisição de uma parcela de terreno para construção, como por lapso referiu naquele inventário); -€ 7.056,00 (verba 2 do passivo), correspondente a metade da quantia que, depois de cessada a coabitação com o réu, a autora despendeu com o pagamento das prestações relativas a um empréstimo que o casal havia contraído e que, por isso, eram da responsabilidade de ambos; -€ 32.288,58 (verba 1 do passivo), correspondente à quantia que a Companhia de Seguros X pagou, já depois da separação do casal, para amortizar o empréstimo que a autora e o réu haviam contraído para adquirir a casa de morada de família, ao abrigo do seguro de vida associado a esse crédito à habitação, na sequência da incapacidade de que a autora ficou a padecer em virtude de doença, quantia que é dinheiro próprio da autora, por ter sido ela quem pagou os prémios de seguro após a separação do casal, conforme referido anteriormente, e por ser ela a pessoa segura.
O réu apresentou contestação, na qual, para além de impugnar parcialmente a factualidade alegada na petição inicial, invocou: -a excepção do caso julgado ou de autoridade de caso julgado relativamente à verba n.º 2 do passivo, alegando que a reclamação desta dívida foi apreciada e julgada não provada no processo de inventário acima referido, por despacho que, não tendo merecido qualquer reclamação ou recurso, transitou em julgado em 05.11.2020; -a natureza comum da indemnização/amortização paga pela Companhia de Seguros Y, alegando que, nos termos do disposto no artigo 1733º,1,e CC, só são bens próprios os seguros que se vençam a favor de cada um dos cônjuges, ou seja, os seguros de que estes sejam beneficiários, mais alegando que, no caso, o beneficiário do seguro, a favor de quem este se venceu, era a Caixa ...
.
Para além de contestar, o réu deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de €22.000,00, acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que para a aquisição do imóvel comum do casal – designadamente para a compra da parcela de terreno onde foi edificada essa casa e para a aquisição do seu recheio –, investiu com dinheiro próprio cerca de €22.000,00.
A autora apresentou réplica, na qual, para além de impugnar parcialmente os factos alegados na contestação/reconvenção, pugnou pela improcedência da excepção do caso julgado, alegando que inexiste identidade de pedido e de causa de pedir e que na decisão proferida no processo de inventário está implícita a remessa dos interessados para os meios comuns.
Por considerar possível conhecer imediatamente, em parte, do mérito da causa, o Tribunal agendou audiência prévia, com as finalidades previstas no artigo 591º,1,a) a f) CPC, finda a qual proferiu sentença que: 1.
Julgou procedente a excepção do caso julgado no que respeita ao pedido de condenação do réu a pagar à autora as prestações associadas ao contrato de mútuo que ambos celebraram com a Caixa ..., vencidas até 24 de Abril de 2017, correspondente à verba 2 do passivo, e os respectivos juros de mora, e, consequentemente, absolveu o réu da instância nessa parte.
2.
Julgou improcedente o pedido de condenação do réu a pagar à autora a quantia de € 32.288,58, correspondente à verba 1 do passivo, e respectivos juros de mora.
A autora M. B.
, não se conformando com tal decisão, na parte em que julgou verificados os pressupostos da excepção de caso julgado no que concerne às prestações vencidas até 24/04/2017 e absolveu o Réu da instância, e em que julgou improcedente o pedido de condenação do réu a pagar à autora a quantia de € 32.288,58, veio interpor recurso, que foi admitido como apelação (artigo 644º,1,b CPC), a subir em separado (artigo 645º,2 CPC), com efeito devolutivo (artigo 647º,1 CPC).
Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1.
Ao abrigo do art.º 644.º, n.º 1, al. b) do CPC, vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador de 05/03/2022, que sem pôr termo ao processo: a-) Julgou verificados os pressupostos da excepção de caso julgado no que concerne às prestações vencidas até 24/04/2017 e absolveu o Réu da instância; b-) Julgou improcedente o pedido de condenação do réu a pagar à autora a quantia de €32.288,58.
2.
A excepção de caso julgado material comporta um efeito negativo, consistente na inadmissibilidade das questões abrangidas por caso julgado anterior voltarem a ser suscitadas, entre as mesmas partes, em acção futura, tendo como requisitos a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, nos termos do art.º 581.º do Código de Processo Civil; 3.
Diferentemente, a autoridade de caso julgado tem, antes, o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito e, sem prescindir da identidade das partes, dispensa a identidade do pedido e da causa de pedir nos casos em que existe uma relação de prejudicialidade entre o objecto da acção já definitivamente decidida e a acção posterior, ou seja, quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objecto de uma acção posterior, por ser tida como situação localizada dentro do objecto da primeira acção, sendo seu pressuposto lógico e necessário; 4.
Não podem configurar-se como pedidos idênticos (identidade de pedido e de causa de pedir) a pretensão da cabeça-de-casal, em processo de inventário notarial subsequente a divórcio, de relacionar no passivo uma dívida do património comum à cabeça-de-casal do montante de dez mil e quinhentos euros por esta liquidada à Caixa ..., referente a prestações vencidas do crédito hipotecário relacionado na verba 1, e o pedido de condenação do Réu a pagar à A. a quantia de €7.056,00, a título de prestações do crédito hipotecário e prestações do seguro de vida associado, fundada no enriquecimento sem causa; 5.
Não existe identidade de causas de pedir entre o primeiro processo (inventário notarial destinado a pôr termo à comunhão conjugal) e a segunda acção (baseada no enriquecimento sem causa); 6.
O âmbito do princípio da preclusão, ligado ao efeito do caso julgado formado pela decisão proferida num processo anterior, é substancialmente distinto para o autor e para o réu, pois contrariamente ao que sucede com o réu, que, por força do disposto no art.º 573.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tem a obrigação de concentrar toda a defesa na contestação, sobre o autor não recai o ónus de concentração de todas as possíveis causas de pedir na acção proposta, nem de formular, com base nelas, todos os pedidos, ainda que a título subsidiário, podendo propor uma nova acção na qual venha a invocar uma diferente causa de pedir; 7.
Subsidiariamente, prevenindo a hipótese de assim não se entender (o que não se concebe e nem concede, senão para efeito do presente raciocínio), o certo é que a invocada excepção de caso julgado não se verifica em relação às prestações do seguro associadas ao crédito; 8.
Atendendo aos factos alegados na petição inicial sob os artigos 21.º, 22.º, 27.º, 28.º e 34.º a 42.º, atentas todas as soluções de direito plausíveis, foi claramente precoce a opção do Tribunal a quo de, em sede de despacho saneador, decidir o mérito do pedido formulado pela Autora a respeito da quantia de €32.288,58; 9.
A interpretação do art.º 607.º, n.º 4 do CPC no sentido de que a sentença só é obrigada a conter os factos essenciais e fundamentais à decisão a proferir, não carecendo de conter, sequer nos factos não provados, os demais factos alegados pelas partes, ainda que relevante de acordo com todas as soluções de direito plausíveis, é claramente violadora do artigo 20.º, n.º 4 da Constituição, da tutela dos direitos humanos, decorrente dos artigos 10.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; 10.
O douto despacho saneador viola os arts. 607.º, n.º 4 e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, na medida em que não dá resposta (nem de provado, nem de não provado) a inúmera matéria de facto relevante alegada na petição inicial, mormente os artigos 21.º, 22.º, 27.º, 28.º e 34.º a 42., e verdadeiramente não tinha condições para o fazer, na justa medida em que carece da realização da audiência de julgamento e produção da prova indicada pela Autora; 11.
Como resulta do ponto 6 dos factos provados, o Senhor Notário remeteu as partes para os meios comuns, ao abrigo do art.º 16.º do RJPI, quanto à quantia de €32.288,58 (relacionada na verba 1 do passivo); 12.
Na petição inicial, a A. expressou bem a sua pretensão, em primeira linha alegando que a quantia de €32.288,58 é um bem próprio da A., e subsidiariamente alegando o enriquecimento sem causa do Réu; 13.
Na economia da petição inicial, para fundamentar o enriquecimento do Réu à custa do empobrecimento da Autora, é abundantemente veiculado o trabalho, a dedicação, o sacrifício e a diligência exclusiva da A., ao longo de cerca de 7 anos, ao mesmo tempo que acometida de doença grave que a privou da saúde e quase lhe custou a vida, em prol do património comum, isto é, exclusivo e fundamental contributo da A. para que o património comum (e o Réu) enriquecesse e beneficiasse da libertação do passivo no montante de €32.288,58; 14.
Assim, ao...
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