Acórdão nº 5837/19.4T8GMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução27 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1.1. F. F.

intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. G., formulando os seguintes pedidos: «a-) Ser declarado e reconhecido que foi o A. que, com dinheiro exclusivamente seu, proveniente e debitado da conta de colaborador DO .......

-5, da CAIXA ...

, pagou todas as prestações do capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo supra descrito no artigo 4.º, que financiou a aquisição das fracções autónomas supra descritas no artigo 1.º, de que o A. e a Ré são comproprietários; b-) Ser a Ré condenada a pagar ao A. a quantia de € 45.602,46, correspondente a metade de todas as prestações do capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo supra descrito no artigo 4.º, que o A. pagou à CAIXA ... com dinheiro exclusivamente seu até Agosto de 2019; c-) Ser a Ré condenada a pagar ao A. a quantia, a apurar em liquidação de sentença, corresponde a metade de todas as prestações do capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo supra descrito no artigo 4.º, que o A. vier a pagar à CAIXA ..., desde Setembro de 2019 até ao cumprimento e liquidação integral do dito contrato de mútuo; d-) Todas aquelas quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento».

Alegou, em síntese, que Autor e Ré são comproprietários das frações autónomas BR e H do prédio urbano identificado na petição inicial, adquiridas pelo Autor em 21.09.2001 por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, direito esse declarado na sentença proferida no processo n° 8241/15.0T8GMR, no qual foi ainda declarada dissolvida a união de facto entre Autor e Ré, com efeitos a partir de 31.12.2014; através da dita escritura pública, o Autor e a Caixa ... celebraram ainda um contrato de mútuo que financiou a aquisição das duas frações e todas as prestações da amortização do empréstimo foram debitadas da conta do Autor, de que é o único titular, sendo as prestações pagas com dinheiro exclusivamente seu; o Autor pagou: até 31.12.2014, € 69.309,61; até agosto de 2019, € 91.204,92; após a dissolução da união de facto e até agosto de 2019, € 21.895,52; após agosto de 2019 e até 21.09.2021, o Autor continuará a pagar montante que oportunamente liquidará em execução de sentença; apesar de só ser titular de metade das frações autónomas, o Autor sempre pagou e continuará a pagar sozinho todas as prestações inerentes ao contrato de mútuo, o que gera um enriquecimento injustificado da Ré à custa do património daquele.

*A Ré apresentou contestação, onde impugna os factos alegados pelo Autor, sustentando que as frações em referência não foram compradas com o dinheiro obtido por via do contrato de mútuo, dinheiro esse que foi utilizado no exclusivo interesse do Autor; invocou a exceção de caso julgado, face ao decidido nos processos nº 8241/15.0T8GMR, 1961/14.8T8GMR e 4939/16.3T8GMR, e a exceção de prescrição, por à data da citação terem decorrido quase 5 anos desde a data da dissolução da união de facto, bem como a falta de alegação de um pressuposto do instituto do enriquecimento sem causa.

Em reconvenção, pediu a condenação do Autor a pagar-lhe a quantia de € 116.650,00, acrescida de juros, alegando a existência de um crédito seu perante o Autor, por força de negócios praticados aquando da união de facto e por o Autor ter pago dívidas suas com dinheiro da Ré.

Replicou o Autor, respondendo à matéria de exceção e impugnando os factos articulados pela Ré.

*1.2.

Após audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que julgou verificada a exceção de autoridade de caso julgado e o seu efeito preclusivo decorrente da sentença proferida no processo n° 8241/15.0T8GMR, absolvendo a Ré da instância, e que não admitiu a reconvenção por não se verificarem os respetivos pressupostos de admissibilidade.

O Autor apelou do saneador-sentença, na parte em que julgou verificada a exceção de autoridade de caso julgado, tendo este Tribunal da Relação, por outro coletivo, julgado improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Interposta revista excecional, o Supremo Tribunal de Justiça revogou o acórdão recorrido e determinou o prosseguimento dos autos.

*1.3.

Remetidos os autos à 1ª instância, proferiu-se despacho a definir o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

O Autor deduziu incidente de liquidação, informando que já liquidou integralmente o contrato de mútuo, no período de 01.09.2019 a 21.09.2021, no montante de € 9.918,64, sustentando que metade, 4.909,32 €, é da responsabilidade da Ré, tendo esta respondido no decurso da audiência de julgamento.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, onde se decidiu «julga[r] a ação parcialmente procedente e, consequentemente: - declara que foi o A. que com dinheiro proveniente do seu vencimento, debitado da sua conta, pagou ao Banco ... todas as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo que financiou a aquisição das fracções autónomas de que A. e R. são comproprietários; - absolve a R. do demais peticionado.

»*1.4.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1. Na fixação da matéria de facto provada e não provada, o juiz tem de atender a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas aos factos que suportam a solução da questão de direito que considera aplicável; 2. No caso dos autos, para apreciação do pedido formulado na petição inicial até 31/12/2014 e após esta data, é fundamental que conste do elenco dos factos assentes os pontos 12), 24) e 25) da douta sentença proferida no processo n.º 8241/15.0T8GMR do Juízo Central Cível de Guimarães, J3, que devem ser aditados à alínea L) da fundamentação de facto; 3. Impugnando-se a decisão da matéria de facto nesses precisos termos, atendendo a todas as soluções de direito plausíveis nos presentes autos, deve aditar-se à alínea L) dos factos provados, os seguintes pontos: 12) O Autor é empregado bancário do Banco ...; 24) Desde data não concretamente apurada do ano de 2014, o Autor deixou de partilhar o leito e a mesa com a Ré, e de manter qualquer relação sexual ou de qualquer outro tipo com esta; 25) Desde essa altura, o Autor jamais voltou a residir na casa de morada de família, deixando de partilhar a habitação.

4. A douta sentença recorrida mantém, no essencial, o decidido na douta sentença de 02/09/2020 (também proferida nos presentes autos), com uma única diferença: enquanto nesta se lançou mão dos efeitos negativos do caso julgado, a presente sentença recorrida serve-se dos seus pretensos efeitos positivos; 5. A douta sentença recorrida viola frontalmente o decidido no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2021, proferido nos presentes autos, e que transitou em julgado, onde expressamente se decidiu que a eficácia do caso julgado da sentença proferida no processo n.º 8241/15.0T8GMR do Juízo Central Cível de Guimarães, J3, não se estende aos factos aí dados como provados quando autonomizados da decisão de que são pressuposto; 6. Os factos constantes da alínea L) dos factos provados, quando autonomizados da douta sentença proferida na acção de reivindicação n.º 8241/15.0T8GMR, em que a causa de pedir assentou na aquisição do direito de propriedade sobre as mencionadas fracções, com fundamento na posse, não constituem caso julgado material na presente acção, em que a causa de pedir invocada radica no enriquecimento sem causa previsto no art.º 473.º, do Código Civil.

7. Na douta sentença recorrida, continua a confundir-se “pagamento das fracções” com “pagamento do crédito bancário”; 8. Ao contrário do vertido na douta sentença recorrida, a Ré é que tinha de alegar e provar neste processo que, apesar de ter sido o A. quem pagou as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo, através de desconto directo no seu vencimento, recebia dela uma quantia não apurada para pagamento de tal crédito; 9. A Ré não o alegou nos presentes autos e nem tal facto se mostra provado, como de resto emana dos pontos 1 a 5 dos factos julgados não provados; 10. A titularidade do dinheiro existente na conta associada ao crédito bancário, que é e sempre foi titulada exclusivamente pelo A. não foi colocada em causa pela Ré; 11. Outrossim, o pagamento de todas as prestações do capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do referido contrato de mútuo foram sempre descontadas directamente da retribuição/vencimento do A., que era funcionário bancário do Banco mutuante; 12. Daqui decorre com linearidade que foi o A. quem, com dinheiro exclusivamente seu, debitado directamente do seu vencimento de gerente bancário da CAIXA ..., pagou todas as prestações do contrato de mútuo que financiou a aquisição das fracções autónomas; 13. Do conjunto da factualidade apurada decorre, em termos gerais, terem A. e a Ré vivido em união de facto, no decurso da qual adquiriram a propriedade das fracções identificadas em 1) dos factos provados, na proporção de metade cada um, na qual residiram até data não concretamente apurada de 2014.

14. Resulta ainda da factualidade provada a circunstância de as fracções adquiriras pelo A. e pela Ré se destinarem à sua habitação, no contexto da união de facto que mantinham; 15. E que a aquisição em causa foi feita com recurso a um empréstimo bancário do qual apenas o A. se constituiu mutuário e devedor, sendo certo que, as prestações do capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do referido contrato de mútuo, desde o seu início e até ao seu terminus, foram sempre debitadas directamente do vencimento do A., funcionário bancário do Banco mutuante, sendo depois depositado o remanescente do seu vencimento na conta que sempre foi e continua a ser exclusivamente titulada por este; 16. Considerando que as aludidas...

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