Acórdão nº 7105/19.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO.

M. O.

e marido, A. V.

, residentes na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., Guimarães, instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra M. D.

, residente na Rua ..., n.º ..., ..., … Guimarães, M. C.

, M. J.

e M. R.

, residentes na Rua d… Braga, pedindo que: a- se declare nulo, por simulação relativa e por força dos arts. 240º e 241º do Código Civil, o negócio traduzido na escritura pública de 24 de janeiro de 1985, aqui junta como Doc.3; b- considerando-se válido o negócio que as partes realmente quiseram realizar (art. 241º, n.º 1 do CC) e no qual foi realmente comprador o Réu-marido; Subsidiariamente, c- se declare que os Autores estão na posse do referido prédio, por si e ante possuidores, há mais de 30 anos, ininterruptamente, suportando o pagamento das respetivas contribuições e impostos e usufruindo as respetivas utilidades, com o conhecimento de toda a gente, incluindo do falecido pai da Autora, da Ré M. D. e dos restantes co-Réus, sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente, sem soluções de continuidade, isto é, dia a dia, ano a ano, posse exercida na convicção de não lesarem direitos de outrem e sem violência alguma, usando-o e transformando-o, sempre com o ânimo de quem exerce um direito seu de propriedade, pelo que se não fosse de outro modo sempre os Autores seriam donos do prédio descrito supra sob o artigo 1º, em virtude de o terem adquirido por usucapião; d- se condene os Réus a reconhecerem que os Autores são donos, legítimos possuidores e proprietários do referido prédio e e- a absterem-se de quaisquer atos que contendam com o direito de propriedade dos Autores sobre o aludido prédio.

Mais pedem o cancelamento do registo do prédio em nome da Ré M. D. e do seu falecido cônjuge.

Para tanto alegam, em síntese, que no Cartório Notarial de L. C., Cabeceiras de Basto, corre termos o processo de inventário n.º 2293/14, por óbito de M. G., no qual os aqui Réus são interessados, e em cuja relação de bens, sob a verba n.º 5, foi relacionado o prédio constituído por parcela de terreno destinada à construção, destacada do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., e inscrito na matriz rústica sob os arts. ... e ... de ...; Esse prédio foi adquirido por escritura pública de compra e venda de 24/01/1985, na qual figura como comprador o falecido M. G., casado com a Ré M. D., pais da aqui Autora-mulher; Acontece que na dita escritura o falecido M. G. apenas figura como comprador daquele terreno por os Autores pretenderam, através dele, beneficiar do regime legal para a compra de imóveis por cidadãos emigrantes, denominado sistema “Poupança Crédito”, ao abrigo do DL n.º 540/76, e que foi tido em conta no empréstimo solicitado ao Banco ...

; O referido regime era mais vantajoso, designadamente no que respeitava às taxas de juro; Nunca o falecido M. G. quis comprar aquele terreno, mas este foi comprado efetivamente pelos Autores, agindo estes e o falecido M. G. com o intuito de beneficiar a sua filha do regime mais favorável de que o último gozava enquanto emigrante; Foram os Autores que pagaram as despesas com o negócio e as prestações referentes ao empréstimo bancário celebrado pelo falecido M. G. para construção do edifício que nesse terreno foi edificado, o que sempre foi do total conhecimento dos Réus, designadamente, da Ré M. D.; Seja como for, os Autores, desde há mais de 30 anos que usam o prédio em questão como se o mesmo fosse seu, tendo acompanhado a construção da casa de habitação que nele foi edificada, dando instruções à empresa construtora, suportando o preço das obras, pagando o empréstimo bancário, a taxa de ligação aos serviços municipalizados de água e saneamento, o custo com o ramal de saneamento, a colocação do telefone, adquirindo e colocando os bens móveis, usufruindo de todas as utilidades que o prédio proporcionava e continua a proporcionar, habitando-o, nele fazendo as suas refeições, dormindo, recebendo visitas e amigos, bem como nele fazendo toda a sua vida doméstica, pagando as taxas de eletricidade, saneamento, rádio, televisão, telefone e outras, com o conhecimento de toda a gente, incluindo do falecido pai da Autora, da Ré M. D. e dos restantes co-Réus, sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente, de modo ininterrupto, pelo que há muito que adquiriram a propriedade sobre o identificado prédio por via originária, mediante o funcionamento do instituto da usucapião.

Os Réus M. C., M. J. e M. R. contestaram, impugnando a generalidade da facticidade alegada pelos Autores, incluindo a referente à invocada simulação relativa da compra e venda do identificado prédio, afirmando que este pertencia ao falecido M. G., no estado de casado com a Ré M. D., tendo o aqui Autor-marido, A. V., atuado sempre e apenas como procurador do falecido M. G., cujos herdeiros sempre aceitaram e reconheceram, de forma pacífica, que o prédio pertencia à Ré M. D. e ao seu falecido marido, sendo que, apenas em 03/07/2018, mais de quatro anos sobre a instauração do processo de inventário por óbito de M. G., os aqui Autores apresentaram uma reclamação em que se arrogam proprietários desse prédio.

Concluem pedindo que a ação seja julgada improcedente e que sejam absolvidos de todos os pedidos.

Proferiu-se despacho em que se fixou o valor da presente ação em 81.656,75 euros, dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram objeto de reclamação, e conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes, agendando-se data para a realização de audiência final.

Realizada a audiência final, proferiu-se sentença, julgando a ação parcialmente procedente, a qual consta da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, vai a presente ação julgada parcialmente procedente, nos seguintes termos: I. Improcedem os pedidos formulados nas alíneas a) e b) do petitório, com a consequente absolvição dos réus dos pedidos de declaração de nulidade do negócio simulado e de validade do negócio dissimulado; II. Procedem os pedidos formulados nas alíneas c) a e) do petitório, com o consequente reconhecimento e declaração que os ora Autores M. O. e A. V. são proprietários do prédio urbano sito na Rua ..., em ..., correspondente ao lote 15 mencionado no negócio referido em 1) e à construção nele erigida, onde os Autores residem.

  1. Oportunamente, comunique à Conservatória do Registo Predial o cancelamento do registo existente, em conformidade com a titularidade do direito ora declarado.

*Custas na proporção do decaimento, que se fixa em metade para cada uma das partes – art. 527º do CPC.

*Vão os Réus M. C., M. J. e M. R. notificados para, querendo e em 10 dias, se pronunciarem quanto à condenação como litigantes de má fé – art. 3º, n.º 3 do CPC”.

A 1ª Instância proferiu posteriormente decisão em que condenou os Réus como litigantes de má fé, da qual foi interposto recurso, o qual subiu em separado, não fazendo, por isso, essa decisão parte do objeto da presente apelação.

Inconformados com a sentença proferida, os Réus M. C., M. J. e M. R. interpuseram o presente recurso de apelação em que apresentam as seguintes conclusões: 1. Não obstante tenha sido interposto recurso do despacho que conheceu da litigância de má-fé, por violação do disposto no artº 613 do CPC, o presente recurso tem apenas por objeto a sentença final proferida e a respetiva matéria de facto dada como provada, aresto que ainda está em prazo para ser sindicado, o que se faz através do presente articulado.

  1. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artº 662º do CPC se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

  2. Entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo deveria ter dado outra resposta à matéria de facto dada como provada nos pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 da sentença em crise, que deveriam ter sido considerados não provados.

  3. Em face dos documentos constantes dos autos, bem como, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, impunha-se uma decisão diferente quanto àquela matéria de facto.

  4. A filha dos Recorridos, A. R., cujo depoimento se encontra gravado e registado no ficheiro áudio 202...07103648- 5759764-2870528, apesar de revelar um depoimento sempre comprometido com o interesse dos seus progenitores e indiretamente o seu próprio interesse como herdeira, referiu que o seu conhecimento acerca dos factos dos autos lhe advém do que os seus pais lhe transmitiram ao longo dos anos e como tal, não podia este depoimento ser considerado de todo relevante para dar como provado que a propriedade do imóvel em causa, pertença aos Recorridos, seus pais.

  5. Das declarações de parte da Recorrida M. O., cujo registo se encontra gravado no ficheiro áudio 202...07142623-5759764-2870528 resulta que a mesma acompanhou a sua mãe, M. D. ao advogado aquando da relação dos bens em causa no ano de 2014, tendo sido relacionada no inventário a casa em causa nos autos, no entanto, nada disse, sendo que apenas em 2018, veio lançar mão da presente ação dizendo, afinal que a casa em mérito era sua e sempre foi.

  6. Das declarações de parte prestadas por A. V., cujo registo se encontra gravado no ficheiro áudio 202...07145645 57597642870528 resultaram contradições com o depoimento da Recorrida M. O., designadamente, no que concerne às alterações que foram efetuadas na casa em mérito. A Recorrida mulher referiu terem sido efetuadas alterações às escadas que dão acesso aos quartos interiores, tendo o recorrido negado tal facto, o que, desse logo, deveria suscitar dúvidas no espírito do julgador.

  7. Do depoimento da testemunha D. S., gravado digitalmente no ficheiro áudio 202...07112640-57597642870528 resultou que a questão da casa objeto de discussão nos autos, já desde a morte de...

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