Acórdão nº 1071/16.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães*Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães dados do processo Recorrente e Autora: - F. P., Réu e Recorridos: - A. M.

- -CASA AGRÍCOLA DA POÇA … S.A.

Apelação (em ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum) I- Relatório A Autora pediu que seja declarado nulo o contrato de compra celebrado entre o 1º Réu e a 2ª Ré, pelo qual aquele declarou vender a esta uma fração autónoma que identifica.

Alegou, para tanto e em síntese, que nesse contrato, celebrado em 29 de maio de 2012, o 1º Réu não quis transmitir os bens e a 2º Ré não quis receber os referidos bens, não tendo existido qualquer pagamento de um preço; esta compra e venda serviu única e exclusivamente para que o prédio em causa deixasse de figurar na Competente Conservatória do Registo Predial em nome do aqui 1º Réu, impossibilitando o ingresso do ingressasse no património da Autora e do seu ex-marido.

Explanou, ainda, que em 18 de junho de 2002 a Autora e o aqui 1º Réu celebraram um contrato promessa de compra e venda, pelo qual o 1º Réu prometeu vender e a Autora prometeu comprar o prédio, declarando-se que o preço estava pago, conferindo-se integral quitação e apondo-se a cláusula da possibilidade da execução específica. O 1º Réu não quer agora celebrar, no entanto, o contrato prometido, pelo que a Autora intentou ação de execução específica dessa promessa, a qual corre seus termos, tendo sido no âmbito dessa ação que a Autora teve conhecimento do contrato de compra e venda cuja nulidade pretende que aqui seja declarada.

Iniciou a petição inicial, no seu relato cronológico dos acontecimentos, afirmando que em 2000, o então casal formado pela Autora e o ex-marido, porque este se encontrava contumaz, e não podia adquirir bens imóveis, havia solicitado ao aqui 1º Réu, amigo de longa data, que figurasse (apenas formalmente) como comprador numa escritura de compra e venda da referida fração, a qual foi celebrada em 29/02/2000. Em 2002, a Autora, o ex-marido e o 1.º R. decidiram celebrar o suprarreferido contrato-promessa de compra e venda sobre o referido prédio, por forma a repor a verdade jurídica da situação da fração autónoma e conferir alguma segurança à posição da Autora.

O 1º Réu apresentou contestação. Em súmula, invocou a ilegitimidade da Autora e impugnou a simulação do contrato de compra e venda celebrado com a 2ª Ré, negando, por remissão para o artigo 64º da petição inicial que “O que o 1º Réu e a 2º Ré pretenderam foi obstar a que o prédio referido em 1. ingressasse no património da Autora” e requereu a condenação da A. como litigante de má fé em multa e indemnização a seu favor não inferior a €2.000,00.

Na sentença que veio a ser proferida decidiu-se julgar a ação improcedente e condenar a Autora como litigante de má-fé na multa de cem euros e o 1º Réu como litigante de má-fé na multa de cinquenta euros.

Não se conformando com esta decisão, a Autora interpôs a presente apelação, reproduzindo-se, pela sua extensão, as partes mais relevantes das suas conclusões: …”E. Apesar de todos com extrema relevância para a presente causa e, claro está, para comprovar todo o que se peticionou, salienta-se as alíneas i), j), k) e l) dos factos dados como não provados.

  1. Ora, em bom rigor, verifica-se que a sentença recorrida acaba por ter, no entendimento da Recorrente, uma análise redutora de toda a prova documental, testemunhal e também das declarações de parte da Autora ao longo do desenrolar de todo o julgamento, acabam por ser manifestamente parcos os factos que foram dados como provados em confronto com toda a prova apresentada e produzida não só nos articulados como também em sede de audiência de discussão e julgamento.

  2. Pelo que, julgou improcedente a ação e condenou a Autora/recorrente e o 1º Réu/Recorrido como litigantes de má-fé – permitindo assim que continue a vigorar de forma plena na ordem jurídica o contrato simulado e celebrado por ambos os recorridos, K. Ainda assim, a Recorrente, na sua Pi, alegou que o seu ex-marido, na data de outorga do contrato inicial celebrado pelo 1º Recorrido tinha sido declarado contumaz estando, assim, “fugido” ao dever de comparecer em juízo nos termos melhor explanados pela Autora citada.

    L. Juntamente com a Recorrente, todos os intervenientes processuais, nomeadamente testemunhas, que conheciam o ex-marido desta à data, também se referiram ao mesmo como contumaz à data, nomeadamente, o próprio 1º Réu.

    – o que, desde logo, deveria assumir valor confessório.

  3. Ainda assim, a Mm. ª Juiz a quo decidiu entender como não provado tal facto pois não foi apresentado perante o tribunal de 1ª instância nenhuma declaração que comprovasse tal situação de contumácia (bem sabendo que a junção de documentação posteriormente já não era admissível) - a junção de tal declaração em nada era relevante para os presentes autos pois, como se infere facilmente, a situação de contumácia apenas tem relevo para obtenção de contexto e explicação dos factos que antecedem a celebração do contrato simulado objeto dos presentes autos.

  4. Ainda assim, crê a recorrente, seria complicado pessoas que não são juristas e não dotadas do grau de licenciatura em Direito utilizarem esse termo por espontânea vontade se tal situação não se tivesse efetivamente verificado, e foram a maioria dos depoimentos que corroboraram tal situação, até o próprio contumaz.

  5. Assim é totalmente impercetível porque motivo é que a Mm. Juiz a quo, indo contra todas as testemunhas e partes, quer do lado da Recorrente, quer do lado dos recorridos e ainda a verificação do cartão de cidadão do Sr. J. M. que esteve contumaz, considerou tais factos como não provados.

  6. Além do mais, resulta inequivocamente da prova testemunhal do Sr. J. M., das partes e da Autora, que a Autora e o então, ex-marido, não figuraram naquele contrato como outorgantes em virtude da declaração de contumácia do mesmo e, em consequência disso, de todos os documentos que a Recorrente assinou, muitos dos quais sem ter conhecimento do seu teor, e que poderiam fazer com que a mesma perdesse todo o seu património – pelo que importa a alteração das alíneas a) e b) dos factos não provados, passando as mesmas a figurar nos factos provados.

  7. No que respeita à alínea c) dada como não provado, não se concebe, de maneira alguma, o entendimento por parte do Tribunal a quo que não admitiu a junção dos documentos ora juntos aos autos a 04/06/2018 e, em consequência, deu como não provado que tenha sido a Autora e o seu ex-marido a pagar o referido preço nos termos explanados.

  8. Ficou, aliás, provado pelo depoimento testemunhal de J. M. que, apesar de constar da escritura que o referido imóvel foi vendido pelo preço de 11.000.000 de escudos, o preço real do mesmo foi de 16.750.000 escudos – e é o próprio que explica como tudo foi pago - valor e o facto de os cheques, comprovativos do pagamento, apenas contabilizarem cerca de 13.000.000 de escudos, tendo sido o remanescente pago em numerário. Pelo que deverá a alínea c) ter-se como facto provado.

  9. No que diz respeito às alíneas d) e e), estão em total contradição com o facto dado como provado, constante da alínea d) “O (então) marido da A. Sugeriu à vendedora identificada em a) alterações à fração autónoma igualmente identificada em a), definindo com ela pormenores de interiores” e, contradizendo também, tudo o referido por todas as testemunhas que prestaram depoimentos nos autos, bem como das declarações de parte da Autora.

  10. Da parte que concernem as alíneas f) e g), foi também o próprio recorrido que confessou que a partir do momento em que aquela fração autónoma ficou habitável e até, pelo menos, a data do julgamento, o Sr. Martinho sempre viveu naquela casa sendo a mesma utilizada nas suas saídas precárias durante o tempo em que esteve detido – sendo falso todo o depoimento prestado pelo 1º Réu/recorrido, também estas alíneas totalmente contraditórias com os factos dados como provados nos itens b), c), d), f) g) e h).

  11. Por maioria de razão, e também, em virtude de, à data, a Recorrente e o seu ex-marido terem uma vida familiar totalmente normal a factualidade dada como provada em relação ao ex-marido terá de ser também extensível à Recorrente – sendo todas estas alíneas insertas nos factos dados como provados.

    V. Relativamente à alínea h), sobre as filhas do casal habitarem e pernoitarem habitualmente naquela casa, convém esclarecer, com rigor e nos termos daquele ambiente familiar, o que é considerado “habitual” – atenta à explicação das testemunhas e dos próprios pais das crianças, verifica-se que este facto terá sempre também de ser dado como factualidade provadas assente.

  12. COM MAIOR IMPORTÂNCIA, no que diz respeito aos factos dados como não provados, importa analisar as alíneas i), j), k) e l).

    X. Como se afere na presente apelação, todos os factos dados como provados são bastantes para a verificação de todos os requisitos dos negócios simulados, apesar de errada assunção destas alíneas como não provadas, a análise destas alíneas irá reforçar o valor e o intuito fraudulento da simulação.

  13. Um dos requisitos previstos no artigo 240º do CC, é o intuito de enganar terceiros – claramente dado como provado na sentença recorrida – com uma melhor interpretação das alíneas que se viram “não provadas” pela primeira instância, ficará dogmaticamente provado, o intuito de PREJUDICAR terceiros, mormente a Recorrente que é o terceiro prejudicado, tornando aquele negócio não só simulado, mas simulado e fraudulento.

  14. Como já se inferiu de tudo isto e, apesar de ser de alguma forma acessório ao contrato celebrado entre os recorridos e que é objeto dos presentes autos, o contrato de compra e venda primitivo tratou-se de um bem em que figura como comprador o 1º recorrido mas que, em bom rigor, quem pagou o preço foi a Recorrente e o seu ex-marido, tendo, para salvaguardar a sua posição celebrado posteriormente um...

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