Acórdão nº 1730/21.9T8BCL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório M. L.

, viúva, residente na Rua …, n.º …, freguesia de ...

, concelho de Barcelos, intentou, por apenso à ação de Processo Comum sob o n.º 1730/21.9T8BCL, o presente procedimento cautelar de alimentos provisórios contra M. C.

, residente em …, França, requerendo a fixação de alimentos provisórios, de forma urgente, em quantia que possibilite ter pessoa a acompanhar de forma permanente a requerente para lhe prestar toda a assistência, auxilio (alimentos em sentido amplo).

Alega para o efeito, em síntese, que é mãe da requerida e fez doação a esta para que essa lhe prestasse cuidados e assistência; a requerente, após morte do marido, ficou só e inválida, encontra-se enferma, praticamente acamada ou pelo menos com muita autonomia reduzida, carecendo de alimentos.

Foi feito convite ao aperfeiçoamento, para que a requerente concretizasse o valor peticionado a título de alimentos provisórios, tendo a mesma vindo indicar que tal quantia fosse fixada provisoriamente em 750 € mês, sem prejuízo do acerto final em função da decisão definitiva.

Proferiu-se despacho a designar o dia 30-11-2021, pelas 09h30m, para realização da audiência de julgamento, a que alude o n.º 1, do artigo 385.º, do Código de Processo Civil (CPC).

No dia 29-11-2021, foram apresentados dois requerimentos nos autos (ref.ªs citius 12290401 e 12291587), sendo que no primeiro o Ilustre mandatário da requerida procede à junção ao processo de procuração forense com poderes especiais, outorgada pela requerida, e no segundo, o mesmo mandatário junta um documento e requer seja dada sem efeito a audiência agendada para o dia 30-11-2021, reagendando-se a mesma logo que esteja definido o período de isolamento profilático do requerente (mandatário da requerida), com o seguinte teor resumido: «(…) o aqui signatário confrontado hoje ao final da tarde com o facto de o seu filho (…), ter testado positivo ao CORONAVIRUS ARN SARS-CoV2 (Covid19), conforme se verifica do documento junto sob o n.º 1.

- No seguimento das instruções recebidas entrou em contacto com a linha de SNS24, que pelas 21h comunicou que todo o agregado familiar se encontra confinado na habitação, em isolamento profilático, a aguardar o agendamento de testes PCR e novas medidas.

- Foi também informado que seriam remetidos emails comprovativos da situação de isolamento profilático que serão remetidos ao Tribunal logo que sejam recebidos.

Como deriva da situação supra descrita não é possível ao mandatário da Requerida estar presente na audiência agendada para o dia 30 de Novembro.

- O fundamento para a ausência supra indicado constitui justo impedimento.

- Atendendo à hora tardia a que a situação se desenrolou só agora foi possível comunicar ao douto Tribunal o impedimento.

- O signatário entrou em contacto com o mandatário da Requerente no final do dia, de forma a alertar para esta situação e tentar de alguma forma diminuir os constrangimentos que derivam da mesma.

- No presente momento ainda não é possível confirmar qual o prazo de isolamento profilático, dado que tal informação ainda não foi transmitida ao aqui signatário.

- No entanto, logo que seja determinado tal prazo será o mesmo comunicado ao douto Tribunal. (…)».

Na data inicialmente aprazada para a audiência de julgamento, não estando presente o Ilustre mandatário da requerida, e na presença do Ilustre mandatário da requerente, foi proferido despacho, em ata, com o seguinte teor: «Atento o requerimento que antecede e atento os motivos invocados, que constituem causa de adiamento, entende-se ser de transferir o início da presente audiência para o próximo dia 14 de Dezembro de 2021, pelas 09:30 horas. Notifique.

Atento o despacho que antecede, fica prejudicada a realização da diligência para hoje agendada.

Desconvoque de imediato».

Na nova data aprazada para a audiência de julgamento - 14-11-2021, pelas 09h30m -, estando presentes o Ilustre mandatário da requerente e o Ilustre mandatário da requerida, a Meritíssima Juíza a quo indagou da possibilidade de as partes se conciliarem, e, atenta as posições inconciliáveis por elas manifestadas, pelo Ilustre mandatário da requerida foi entregue em mão contestação, nos termos do artigo 385.º, n.º 2, do CPC, da qual consta ainda o rol de testemunhas a junção de documentos, tendo de imediato sido entregue cópia da mesma ao ilustre mandatário da requerente, após o que consta da ata que foi concedida a palavra ao ilustre mandatário da requerente, pelo mesmo foi dito nada ter a opor/requerer, tendo sido proferido o seguinte despacho, logo notificado a todos os presentes: «Admite-se a oposição ora apresentada, por ser legal e tempestiva.

Notifique».

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, na qual se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela requerente e pela requerida.

Por fim, veio a ser proferida decisão, de 16-12-2021, que julgou improcedente por não provada a presente providência cautelar e, em consequência, absolveu a requerida do pedido contra si formulado pela requerente, com custas a cargo desta última.

Inconformada com o assim decidido veio a requerente interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Não é de admitir contestação ou prova em audiência final se esta for adiada uma primeira vez, já que o impedimento dessa não impede a junção aos autos até ao dia em que se encontrava designada e que só não foi realizada por o mandatário da requerida a ter invocado nesse dia ou na véspera a necessidade de quarentena.

  1. De facto, ao requerer o adiamento de providência cautelar devia ter juntado contestação e rol de provas.

  2. Ora, não o fazendo há irregularidade que aporta nulidade, porque influi no exame e decisão da causa (artigo 195 nº 1 do CPC).

  3. De todo o modo, por mera cautela, sempre se alega e conclui que os factos constantes de ação principal não têm que ser totalmente alegados na providência cautelar. Melhor eles estão dados por reproduzidos nesta por dependência daquela, por notoriedade e porque o tribunal tem conhecimento em virtude das suas funções (artigo 412 nº 2 do CPC).

  4. Nesta providência o Tribunal deve socorrer-se de todos os factos, pelo menos os documentados como documentos médicos, relatórios e atestados ou certificados de incapacidade que permitam concluir que a pessoa não é autónoma.

  5. De facto, esses, por si só ou conjugados entre si de acordo com as regras da experiência de vida, são de forma a dever concluir-se que pessoa, como a requerente, dada por incapaz, relativamente à qual se encontra documentado de que padece de incapacidade de 87%, sofre de forma acentuada de perda de autonomia.

  6. E que perda de autonomia, em avançada idade, agravada com estado crónico de doença, é por si suficiente para fazer acionar dever de clausula acordada em escritura de doação de cumprir pontualmente aquilo a que donatário se obrigou: “a tratar os doadores na saúde e na doença, assegurando-lhes assistência medicamentosa e hospitalar. Bem como a acompanhá-los nas deslocações médicas e hospitalares, quando disso eles necessitarem…” (facto 1, ponto 1) 8. Obrigou-se ainda a prestar aos doadores todos os serviços pessoais e domésticos de que eles carecessem, fornecendo-lhes toda a alimentação, prestar-lhes todos os cuidados de higiene Limpeza e vestuário, providenciar por condições habitacionais dignas, até à sua morte…(facto 2ª dos factos provados, constantes da escritura).

  7. Esse conceito alargado de alimentos é tudo o que se pede.

  8. Pelo que há contradição entre os fundamentos e a decisão se em procedimento cautelar em que se refere alimentos se conclui que não há prova da necessidade financeira para que cuidados sejam prestados por terceiros, concluindo-se como não provado que também se não demonstrou que a Ré não se encontra acamada e com a sua autonomia muito reduzida.

  9. A expressão estar acamada não significa apenas o seu sentido literal mas a necessidade de que, em função daquela perda, não existem condições suficientes e necessárias, para, em atenção à idade e doença, incluindo perda de visão, ser autónomo.

  10. Pese embora tenha alegado que não consegue contratar ninguém com apenas o seu valor de reforma para lhe prestar cuidados, é a própria lei que presume insuficiência, com atribuição de pensão de sobrevivência e concessão de apoio judiciário.

  11. Pelo que um relatório médico (doc nº 5) que escreve que apresenta incapacidade para a execução da maioria das tarefas diárias, incluindo por deficiente visão, estando medicamente aconselhada a não andar só, é só por si determinante para que tal matéria signifique perda de autonomia.

  12. E se não bastasse esse, certidão de incapacidade de 87% é suficiente, não podendo o julgador alterar o sentido desse documento, tanto que não fundamenta de forma diferente, limitando-se a concluir que não há prova de autonomia, como se a autonomia se pudesse por em causa por poder ser vista na Rua.

  13. Por outro lado, o tribunal não fez a distinção necessária entre cuidados de terceiro, pagos, e cuidados cujo valor nem pode ser tributado em dinheiro, como todos os indicados na conclusão 8.

  14. Incorre aliás num dos vícios que vem sendo atribuído aos entendimentos de alimentos como reconduzidos a questão financeira, vicio esse acentuado na proteção de idosos.

  15. Se a Autora não tem autonomia e é doente, logo está dependente de medicamentos e de auxílio de terceiro.

  16. O conceito de alimentos insere-se em toda esta amplitude.

  17. No mínimo, exigia-se que o julgador pudesse usar da medida do artigo 2011 nº 2 do CC.

  18. Pelo que foram violadas as disposições do artigo 36 nº 5 da CRP, o artigo 2003, 2007, 2009, nº 1 alínea b) do Código Civil. E artigo 412 nº 1 e 2 do CPC, além do artigo 409 do Código Civil.

    Termos em que, Alterando-se a decisão recorrida, se fará Justiça».

    A requerida apresentou contra-alegações.

    O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos...

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