Acórdão nº 2549/11.0TJVNF-J.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.

, representada pelo Administrador de Insolvência respectivo (N. R., com domicílio profissional na Rua …, Vila Nova de Famalicão), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Y Consulting, Limitada, com sede na Rua …, no Porto, pedindo que · a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 18.540,08 (sendo € 17.768,96 a título de capital, e € 771,12 a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva legal, contados desde 22 de Maio de 2020 até à data de propositura da acção), acrescida da quantia correspondente aos juros de mora vincendos, calculados à mesma taxa supletiva legal, contados desde a data da propositura da açcão até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo sido apreendidos os bens de X - Tratamento de Superfícies, S.A. (depois de declarada a respectiva insolvência, e no âmbito do processo próprio), e promovida a respectiva venda em leilão electrónico, realizado no dia 19 de Dezembro de 2019, vieram quatro verbas, correspondentes a quatro lotes de acções, a ser adjudicadas à aqui Ré (Y Consulting, Limitada), pelo preço global por ela oferecido para o efeito, de € 26.182,01.

Mais alegou que, em no dia imediato, a Ré (Y Consulting, Limitada) declarou desistir a aquisição daqueles activos, tendo ela própria que voltar a promover a sua venda, obtendo um preço global inferior em € 17.768,96 ao que antes tinha sido proposto por ela.

Por fim, alegou que, tendo interpelado a Ré (Y Consulting, Limitada), em 22 de Maio de 2020, para proceder ao pagamento do seu prejuízo, a mesma não o fez.

1.1.2.

Regularmente citada, a Ré (Y Consulting, Limitada) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente e ela própria fosse absolvida do pedido.

Alegou para o efeito, em síntese, não ter sido a sua proposta de aquisição dos quatro lotes de acções chegado a ser, formal e regulamente, aceite, pelo que a desistência que apresentou no dia imediato à sua formulação teria sido eficaz.

Mais alegou não terem sido os lotes de acções deviamente publicitados, já que não foi avisada que as Sociedades a que diziam respeito não iriam adquirir as acções respectivas, e que ela própria apenas comprara para revenda. Estaria, assim, perante um ónus cuja prévia existência desconhecia, devendo por isso a dita venda (a ter sido eficazmente concluída) ser anulada.

Alegou ainda que, em qualquer caso, estaria simplesmente em mora quanto ao depósito do preço oferecido, inexistindo por isso qualquer incumprimento contratual que justificasse uma indemnização, e muito menos pelo interesse contratual positivo; e também não servir para o efeito o art. 825.º, n.º 1, al. c), do CPC, que pressuporia que os bens licitados lhe tivessem sido entregues.

Por fim, alegou que, em qualquer caso, deveria o Administrador da Insolvência ter aceitado a melhor proposta dos demais licitantes, muito próxima daquela que ela própria apesentara, desse modo igualmente tornando indevida a indemnização peticionada.

1.1.3.

Em sede de audiência prévia, não foi possível obter a conciliação das partes.

1.1.4.

A Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.), exercendo o seu direito de contraditório relativamente a documentos juntos pela Ré (Y Consulting, Limitada), impugnou os mesmos, defendendo que a opção de não compra do capital social próprio, por parte das Sociedades cujos acções foram vendidas em leilão electrónico, consubstanciaria uma decisão interna de uma entidade de direito privado, e não um ónus a publicitar.

1.1.5.

Foi proferido despacho: fixando o valor da causa em € 18.540,00; saneador (certificando a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio, enunciando os temas da prova e elaborando um elenco de factos considerados já assentes.

1.1.6.

A Ré (Y Consulting, Limitada) reclamou relativamente a duas alíneas dos fatos assentes, e pretendeu a inserção de mais cinco factos no elenco dos controvertidos, no que foi totalmente atendida (sem que a Autora tivesse deduzido qualquer oposição).

1.1.7.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Decisão Termos em que, vistos aqueles factos e a lei aplicável, lida à luz da doutrina e jurisprudência analisadas, na procedência da acção, condeno a Ré Y Consulting, Lda, a pagar à Massa Insolvente de X – Tratamento de Superfícies, S.A., a quantia de dezanove mil e duzentos e onze €uros e onze cêntimos (19.211,11 €uros), com juros à taxa legal em cada momento vigorante, desde 22.5.2020 – data da interpelação para pagamento, art. 805.º, 1, CC – até efectivo pagamento.

Custas pela Ré, por vencida – art. 527.º, 1 e 2, do CPC e art. 6.º, n.º 1 e Tabela I-A anexa.

Valor: o fixado oportunamente, visto o disposto no n.º 1 do art. 299.º do CPC Registe e notifique.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformados com esta decisão, a Ré (Y Consulting, Limitada) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): A.

A aceitação das propostas apresentadas em leilão eletrónico, a adjudicação dos bens e a notificação para depósito do preço das propostas apresentadas pelo licitante da melhor proposta são procedimentos que cabem ao Administrador da Insolvência e não à plataforma electrónica e-leilões.

B.

Cabia ao Senhor Administrador da Insolvência, no prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que as propostas se considerassem aceites e os bens adjudicados à Autora, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, a) e no n.º 10 do artigo 8.º do Despacho n.º 12624/2015, da Ministra da Justiça, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 9 de novembro de 2015 e do artigo 26.º da Portaria n.º 282/2013.

C.

A licitação mais alta, em sede de leilão eletrónico, não implica que o bem possa efectivamente vir a ser adjudicado ao proponente e cabe ao Senhor Administrador da Insolvência verificar as condições para a efetiva aceitação/ adjudicação das propostas mais altas recolhidas, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no n.º 10 do artigo 8.º do Despacho n.º 12624/2015, da Ministra da Justiça, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 9 de novembro de 2015 e do artigo 26.º da Portaria n.º 282/2013.

D.

O Senhor Administrador da Insolvência ao não ter comunicado à Ré a adjudicação/aceitação das propostas, nem os dados para que procedesse ao pagamento/depósito do preço das propostas nos termos apresentados, omitiu as formalidades previstas no artigo 25.º e 26 da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), 8.º, n.º1 0, 25.º e 26.º do Despacho n.º 12624/2015, de 09 de Novembro e 824.º, n.º 2 do CPC.

E.

O procedimento de aceitação das propostas apresentadas em leilão eletrónico não se encontra subtraído à acção do Administrador da Insolvência, nem é um processo absolutamente robotizado pela plataforma e-leilões, sendo necessária uma notificação ao proponente, após o encerramento dos leilões eletrónicos, para efetiva adjudicação/aceitação das propostas apresentadas.

F.

A desistência pela Ré das propostas apresentadas em leilão eletrónico, porque foi enviada antes que lhe tivesse sido remetida qualquer comunicação de aceitação/adjudicação das propostas pela Autora, deve ser considerada válida e eficaz nos termos dos artigos 230.º, n.º 2 e 235.º, n.º 2 ambos do Código Civil.

G.

Do teor da comunicação enviada em resposta pelo Sr. Administrador da Insolvência, à desistência da Ré, atendendo à declaração e ao contexto factual em que a mesma foi emitida, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, consideraria que a desistência havia sido aceite como válida e eficaz pela Autora, consubstanciada pela omissão da notificação da aceitação/adjudicação e de depósito do preço por parte da Autora.

H.

A inexistência de incumprimento contratual pela Ré quanto ao pagamento das propostas apresentadas na plataforma e-leilões porquanto a Ré não foi notificada da aceitação das propostas, nem para proceder ao depósito do preço das mesmas nos termos formulados, mais inexistiu da parte da Autora o envio de interpelação admonitória a informá-la de que se encontrava em mora, como se impunha para a existência de incumprimento contratual.

I.

Determina o n.º 10 do artigo 8.º do Despacho n.º 12624/2015, da Ministra da Justiça, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 9 de novembro de 2015, bem como os artigos 825.º, n.º 1 e 824.º, n.º 2 do CPC que o proponente seja notificado para depositar o preço e não o fazendo, o Senhor Administrador da Insolvência (in casu) poderia proceder nos termos do artigo 825.º n.º 1 do CPC, porém tal comunicação não foi feita à Ré.

J.

Ao contrário do entendimento formulado pelo Tribunal recorrido, a aceitação das propostas não é um mecanismo automático, arredado da esfera do Senhor Administrador da Insolvência, após a conclusão dos leilões eletrónicos há todo um conjunto de procedimentos que devem ser adotados pelo Senhor Administrador da Insolvência.

K.

O Tribunal recorrido incorreu numa errada interpretação das normas legais, designadamente os artigos 2.º, 10.º, n.ºs 1 e 2 Despacho n.º 12624/2015, que servem de fundamento a tal decisão, pois o administrador da plataforma é uma figura diferente do Agente de Execução ou do Administrador da Insolvência nomeado no processo, já que aquele é “o dirigente ou técnico nomeado pelo conselho geral da Câmara dos Solicitadores que assegura o funcionamento da plataforma” – artigo 2, n.º 1, alínea b) do referido Despacho e, tal como decorre do artigo 2.º, n.º 1 a) do referido Despacho, a...

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