Acórdão nº 1069/20.7T8VCT-F.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução05 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I.

RELATÓRIO [1] Com trânsito em julgado no dia 12-05-2020, foi judicialmente declarada a insolvência da Sociedade Comercial X, SA.

Em 15-06-2020, o Administrador Judicial apresentou a Lista de Credores reconhecidos (por ele posteriormente rectificada).

Por sentença de 11-08-2020, igualmente transitada, foram julgadas improcedentes todas as impugnações deduzidas às reclamações respectivas e homologada a referida Lista.

Dela constam: -sob o nº 28 (páginas 32 e 33), créditos reclamados pelo Banco ..., SA, e, entre eles, o de capital no montante de 844,07€ e 6.62€ de juros, e o de capital de 39.259,26€ e 107,37€ de juros, ambos admitidos como garantidos com fundamento em “Contrato de Mútuo com Penhor Mercantil celebrado com a insolvente em 10-09-2019” (além de também o estarem por hipoteca sobre a fracção A inscrita na Matriz sob o artº …, de ..., e descrita na CRP sob o nº ...).

-sob o nº 49 (páginas 44 e 45), créditos do Centro Distrital de Viana do Castelo do Instituto de Segurança Social, IP, tendo natureza privilegiada o de 9.890,25€, de capital, sendo comum o de juros de mora e custas no montante de 4.381,93€ e garantido (por hipoteca voluntária) o de 215.382,59€.

-sob os nºs 115 e 116 (fls. 100 a 102), créditos com natureza privilegiada (privilégio creditório geral, nos termos do artº 97º, do CIRE) da Fazenda Nacional, de IVA e de IRS, por diversos montantes.

-sob o nº 124 (fls. 108 e 109), e conforme rectificação apresentada pelo AJ, o crédito de Y – Sociedade de Garantia Mútua, SA, entre outros, sendo de natureza garantida, os de 81.666,68€ e 7.500,00€, com fundamento em “penhor sobre 5.300 acções nominativas do capital social da Y (…) no valor de 1€ cada”.

-sob vários números e por diversos montantes (cfr. páginas 1 a 140 da Lista), créditos, de natureza privilegiada, mobiliária e imobiliária, de dezenas de trabalhadores, com fundamento em salários, férias, subsídios de férias e de natal, horas nocturnas ou extraordinárias, indemnizações por cessação (revogação/resolução, despedimento com justa causa) do contrato de trabalho, subsídios de alimentação, transporte e de formação.

No apenso relativo aos bens apreendidos para a Massa Insolvente (fls. 13 do auto de 25-11-2020 junto pelo AJ e que contém rectificação ao de 21-05-2020, entre outros bens, constam: -sob a verba nº 67, diversos bens móveis, do estabelecimento sito na Rua …, em ..., parte dos quais objecto do penhor mercantil (fls. 13 e 14).

-sob a verba 77, 1500 acções nominativas representativas do capital social da Y, no valor nominal de 1€ cada.

-sob a verba 78, 1000 acções nominativas representativas do capital social da Y, no valor nominal de 1€ cada.

Em 20-01-2022, pelo AJ foi apresentado Parecer sobre a forma de graduar os diversos créditos concorrentes (com garantias reais, com privilégios mobiliários ou imobiliários, especiais ou gerais, comuns e subordinados), para serem pagos pelo produto da liquidação dos diversos bens apreendidos.

Em 23-01-2022, foi proferida a sentença de graduação de créditos.

Nela, além da alusão a princípios e regras considerados aplicáveis, seguiu-se de perto e adoptou-se o entendimento do Acórdão da Relação de Coimbra, de 21-05-2019 [2] de que, face ao concurso de diversos créditos com aquela diferente natureza, os laborais prevalecem sobre todos os restantes com privilégio mobiliário geral e especial, devendo ser graduados antes dos imobiliários referidos no artº 748º, do CC, e dos relativos a contribuições para a Segurança Social e mesmo antes dos garantidos por penhor.

Consequentemente, quanto ao grupo de bens de diversas verbas da relação dos apreendidos, inclusivo dos (móveis) da verba 67, parte dos quais onerados com penhor mercantil em garantia do crédito do BANCO ... referido sob o nº 28 da Lista, e das verbas 77 e 78 (acções) objecto da garantia (penhor) de uma parte dos créditos da Y descritos sob o nº 124 da referida Lista, respectivamente, foi feita a seguinte graduação: “Considerando os princípios atrás expostos, proceder-se-á ao pagamento dos créditos, na sequência da liquidação resultante da venda das verbas que compõem a massa insolvente, pela seguinte ordem: - Relativamente às verbas 1 a 69 (bens móveis), […] 1º. As dívidas da massa insolvente saem precípuas; 2º. Do remanescente, dar-se-á pagamento ao créditos constantes da lista dos credores reconhecidos como privilegiados por força da qualificação como créditos laborais; 3º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Pública e Segurança Social procedendo-se, se necessário, a rateio; 4º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como comuns procedendo-se, se necessário, a rateio; 5º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como subordinados procedendo-se, se necessário, a rateio; […] - Relativamente às verbas 77 e 78 (acções nominativas da Y) 1º. As dívidas da massa insolvente saem precípuas; 2º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos privilegiados reclamados pela Segurança Social; 3º. Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito garantido por penhor reconhecidos ao credor Y - Sociedade de Garantia Mútua, S.A.; 4º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores reconhecidos como privilegiado por força da qualificação como créditos laborais, procedendo-se, se necessário, a rateio; 5º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Nacional; 6º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como comuns procedendo-se, se necessário, a rateio; 7º. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista dos credores como subordinados procedendo-se, se necessário, a rateio;*Custas sem tributação autónoma [art.º 304.º do CIRE].

Valor da ação: o correspondente ao valor do ativo [art.º 301.º do CIRE].

Registe e notifique.” A credora Y (titular de parte do crédito nº 124, com penhor sobre acções – verbas 77 e 78) não se conformou e defendeu graduação diversa, alegando e concluindo para tal: “

  1. A douta sentença recorrida deve ser revogada, porque nela se fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito.

  2. O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que, face à conjugação dos nº 1 e 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigos 666º e 747º, nº 1, do Código Civil, entendeu que o crédito garantido reclamado pela Segurança Social deveria prevalecer sobre o crédito garantido por penhor e sobre os créditos laborais.

  3. Por aplicação dos artigos 666º e 749º do Código Civil, o crédito garantido por penhor, como é o da aqui recorrente, prevalece sobre i) o crédito com privilégio mobiliário geral dos trabalhadores (artigo 333º do Código do Trabalho) e ii) os créditos do Estado por impostos (mencionados na referida alínea a) do nº 1 do artigo 747º do Código Civil).

  4. Segundo o nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, o privilégio mobiliário geral de que goza o crédito da Segurança Social por contribuições, quotizações e juros de mora “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”.

  5. Pela mera aplicação da letra da lei, no confronto – exclusivo – entre um crédito da Segurança Social com privilégio mobiliário geral e um crédito garantido por penhor terá de prevalecer o primeiro.

  6. Mas a solução poderá não ser a mesma quando, na graduação, estejam em concurso outros créditos com privilégio mobiliário geral (in casu, os créditos privilegiados dos trabalhadores e os créditos do Estado por impostos), sob pena de graves e arbitrárias distorções e incoerências jurídicas.

  7. A graduação levada a cabo pelo Tribunal a quo não resolve adequadamente o concurso de credores, especificamente o concurso entre os créditos que gozam de privilégios mobiliários gerais e o crédito garantido por penhor.

  8. Individualmente considerados, o crédito privilegiado dos trabalhadores prevalece sobre o crédito privilegiado da Segurança Social (cfr. artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigo 204º, nº 1 da Lei nº 110/2009) mas cede perante o crédito garantido por penhor (artigo 666º e 749º, nº1, do CC); o crédito privilegiado da Segurança Social prevalece sobre o crédito garantido por penhor (artigo 204º, nº 2 da Lei nº 110/2009); o crédito garantido por penhor prevalece sobre os créditos dos trabalhadores e sobre os créditos do Estado por impostos (artigo 666º e 749º, nº 1 do Código Civil).

  9. Na categoria dos privilégios mobiliários gerais, o legislador conferiu uma força especial aos privilégios laborais, uma vez que estes devem ser graduados antes dos restantes créditos privilegiados, nomeadamente os do Estado e os da Segurança Social (artigo 333º, nº 2, a), do Código do Trabalho).

  10. Todavia, no confronto entre os privilégios mobiliários gerais e o penhor (garantia real) apenas o crédito privilegiado da Segurança Social prevalece, por aplicação da norma absolutamente excecional do nº 2 do artigo 204º, da Lei nº 110/2009, mas já não os privilégios laborais ou os do Estado por impostos.

  11. Ao conjugar os normativos aplicáveis (nºs 1 e 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigos 666º, 747º, nº 1, do Código Civil) de forma a graduar em primeiro lugar o crédito da Segurança Social, em segundo o crédito pignoratício da Y, em terceiro o crédito dos trabalhadores, o Tribunal a quo não interpretou adequadamente a Lei.

  12. À luz dos critérios estipulados no artigo 9º do CC, a unidade sistémica do ordenamento jurídico e a realização da justiça do caso reclamam uma interpretação corretiva-restritiva da norma do nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, segundo a qual quando concorram em exclusivo, este privilégio prevalece sobre...

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