Acórdão nº 5971/20.8T8VNF .G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - Relatório AA, residente na Trav.ª ..., ..., ..., instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Rua ..., ..., ..., ..., ..., alegando, em síntese, que foram casados entre si no regime de comunhão de adquiridos, tendo-se separado em 2001 e, em 3 de Março de 2004, sido decretado o divórcio por mútuo consentimento, seguindo-se o inventário para partilha dos bens comuns, apresentada a relação de bens e respectiva reclamação, tendo as partes acordado em remeter para os meios comuns a discussão sobre créditos relacionados, a existência de créditos bancários e a propriedade de um veículo automóvel.

Invocou, ainda, que a R. quando deixou a casa de morada da família levou consigo peças em ouro, bens próprios do A., cuja devolução solicitou, sem sucesso, mais sustentando que o comportamento da R., ao não reconhecer a existência daqueles bens no património comum, a necessidade da sua partilha e ao não entregar os bens próprios reclamados, lhe causou danos não patrimoniais susceptíveis de serem indemnizados.

Pediu, assim, o A. que: a) seja declarado, e a R. condenada a reconhecer, que as verbas identificadas no número 20 desta petição inicial (cuja discussão acerca da sua propriedade, em sede de inventário para partilha dos bens comuns do extinto casal, foi remetida para os meios processuais comuns) fazem parte do património comum do extinto casal (então composto por A. e R.); b) seja a R., em consequência, condenada a pagar ao A. a quantia de € 13.384,25 (treze mil, trezentos e oitenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos), correspondente a metade do valor das verbas identificadas no número 20 desta petição inicial; c) seja a R. condenada a pagar ao A. os juros (à taxa legal), desde 15/02/2001 (ou, caso assim não seja doutamente entendido, desde a data da citação) e até ao efectivo e integral pagamento, sobre a quantia peticionada na alínea b) deste pedido; d) seja declarado, e a R. condenada a reconhecer, que os bens identificados nas alíneas a) e b) do número 71, da petição inicial, fazem parte do património próprio (bens próprios) do A.; e) seja a R. condenada a entregar ao A. os bens pessoais deste e identificados nas alíneas a) e b) do número 71 da petição inicial; f) seja a R. condenada a pagar ao A., a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso na entrega ao A. dos bens identificados na alínea anterior; g) seja a R. condenada a pagar ao A., a título de danos não patrimoniais, uma indemnização em quantia não inferior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

*Contestou a R., pugnando pela improcedência da acção, sustentando que as peças em ouro referidas pelo A. foram roubadas em 2012, pugnando pela inexistência dos bens comuns identificados pelo A. e dos alegados créditos.

Deduziu, ainda, pedido reconvencional, pedindo a condenação do A. a pagar-lhe os valores creditórios que sobre ele alegou ter, quer decorrente da ocupação exclusiva da casa de morada de família, quer decorrente da metade dos valores existentes nas contas bancárias que mencionou.

A reconvenção não foi admitida, dessa decisão não tendo a Ré/Reconvinte interposto recurso.

*Foi dispensada a realização da audiência prévia, e proferido despacho que fixou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

*Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente: - declarou que o imóvel que constituiu a casa de morada de família, o veículo automóvel ... e o dinheiro que se encontrava na conta titulada por A. e R. constituem bens comuns do extinto casal; - declarou que o A. tem direito a ser compensado pela R. dos valores pelo mesmo pagos relativamente à amortização de empréstimo, bem como das despesas com IMI e cancelamento de hipoteca do imóvel que constituiu a casa de morada de família; - condenou a R. a pagar ao A. a quantia de 11.511,75 € (onze mil, quinhentos e onze euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros contados desde a citação, à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento; - declarou que as peças em ouro identificadas na alínea NN) dos factos provados são bens próprios do A.; - absolveu a R. do demais peticionado.

*II- Objecto do recurso Não se conformando com essa decisão, veio a Ré interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1 - A recorrente assenta a sua discordância quanto à douta sentença recorrida essencialmente nos seguintes pontos:  Insuficiência e inaptidão da prova para sustentar a douta sentença recorrida  Alteração à decisão sobre a matéria de facto  Abuso de direito do recorrido (face à sua inacção ao longo de vários e sucessivos períodos de tempo) 2 - A presente acção reconduz-se a algumas questões essenciais  Saber se é credível (e aceitável) que a inacção de um suposto credor ao longo de dois períodos de sete anos e de cinco anos e meio (apenas quebrados a reboque e em reacção a actuações legítimas da recorrente), na sequência de um acordo celebrado entre recorrente e recorrido, não consubstancie manifesto abuso de direito, enquanto venire contra factum proprium,  Saber se um acordo entre ex-cônjuges quanto a fazer recair a responsabilidade pelos encargos, custos e despesas da casa de morada de família ao ex-cônjuge que a passou utilizar em exclusivo depende da sua redução a escrito ou se o mesmo pode resultar provado de depoimentos dos próprios e dos respectivos descendentes  Saber se a comprovação desse acordo pode resultar da verificação do comportamento do suposto credor (recorrido) consubstanciado em nada reclamar nem exigir da alegada devedora (recorrente) ao longo de vários e sucessivos períodos de vários anos (como se referirá infra)  Saber se o registo de um automóvel a favor de um terceiro (filho de recorrente recorrido) não obsta a que o mesmo seja considerado património comum,  Saber se, do facto de numa conta bancária (ainda que titulada por ambos os cônjuges) apenas serem depositados fundos financeiros e rendimentos de um dos ex-cônjuges (a recorrente), não resulta que os respectivos saldos seja considerados exclusivamente do ex-cônjuge do qual advieram tais fundos e rendimentos 3 - Os depoimentos supra-invocados e supra-transcritos comprovam que:  Por um lado, houve um acordo entre recorrente e recorrido nos termos do qual a utilização por parte deste último da casa de morada de família teve como contrapartida a assumpção pelo recorrido de todos os encargos, despesas e passivo relativos à mesma, como o pagamento do IMI e do remanescente da prestação do crédito habitação (para cujo termo qual faltariam poucos anos, após o divórcio em 2004, como resulta do distrate ter sido emitido em 2009, conforme facto provado da alínea Y)  Por outro lado, a conta bancária existente no banco 1... (independentemente de estar titulada por ambos) apenas contém fundos financeiros da própria recorrente (e para onde esta canalizava o seu salário, as poupanças e as doações que lhe advinham de sua mãe), uma vez que o recorrido tinha uma outra bancária no então Banco 2...

 O ... estava registado em nome do filho da recorrente e do recorrido 4 - E não se diga que os depoimentos em causa não são aptos a comprovar o que é alegado pela recorrente, porquanto trata-se dos directamente envolvidos, quer a recorrente e o recorrido, quer os filhos de ambos, cujo conhecimento directo e pessoal impõe que lhe seja atribuída a credibilidade que a douta sentença recorrida não lhes atribuiu.

5 - Inexiste qualquer preceito legal que obrigue à redução a escrito ou à observância de qualquer forma supostamente obrigatória do acordo invocado (e comprovado) pela recorrente.

6 - Desta forma, os depoimentos supra-invocados e transcritos, conjugados com os documentos constantes dos autos e conjugados com o próprio comportamento do recorrido (a que seguidamente se fará referência) impõem que seja(m):  Eliminados os pontos DD, EE, HH, JJ do elenco dos factos provados  Eliminados o ponto 12 do elenco dos factos não provados  Considerados provado o ponto 12 do elenco dos factos não provados  Aditado um ponto ao elenco dos factos provados que refira que o veículo ... está registado em nome do filho dos litigantes dos presentes autos  Aditado um ponto ao elenco dos factos provados que refira que na conta bancária comum identificada em CC dos factos provados apenas eram depositados ou transferidos fundos pertencentes à recorrente ou provenientes do seu trabalho assim passando a reflectir a prova produzida nos autos e consequentemente revogando a douta sentença recorrida.

7 - Cumpre ainda destacar, a respeito do comportamento do recorrido, o seguinte (na sequência, de resto, dos pontos D a P do elenco dos factos provados):  O divórcio entre recorrente e recorrido foi decretado em Março de 2004  Em Junho de 2011, a recorrente requereu a instauração de inventário para partilha do património comum do ex-casal  Em Janeiro de 2012, o recorrido apresentou relação de bens, invocando ser titular dos créditos sobre a recorrente que peticiona nos presentes autos  Em Fevereiro de 2015, recorrente e recorrido acordaram em remeter para os meios comuns a discussão sobre os activos objecto dos presentes autos  Em Novembro de 2020, o recorrido propôs a presente acção.

8 – O recorrido nada fez (no sentido de reclamar ou tentar cobrar o que quer que fosse da recorrente) durante 7 anos (de 2004 a 2011) e durante mais de 5 anos e meio (entre 2015 e 2020).

9 – O recorrido só se apresentou como suposto credor da recorrente a reboque da petição inicial de inventário, no âmbito da relação de bens que apresentou nesse processo.

10 - Impõe-se, pois, concluir que nunca o recorrido se considerou credor da recorrente e que só actuou da forma descrita nos autos porque a recorrente pretendeu fazer a partilha do património comum.

11 - Importa ainda afirmar que, durante os...

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