Acórdão nº 6836/21.1T8GMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO [[1]] N..., SA, demandou, por meio de acção executiva, com processo ordinário, apresentada em 22-12-2021, no Tribunal de Guimarães, sete executados (S..., S.A., AA, BB, CC, DD, EE e FF).
Causa de pedir executiva [[2]]: quatro livranças, todas com data de vencimento em .../.../2021, nos valores de 262.699,38€, 292.445,45€, 270.543,32€ e 286.551,83€.
Peticionou nela a cobrança e pagamento coercivos da quantia exequenda de 1.123.834,44€ (respeitando a quantia de 11.594,46€, já nesta incluída, à soma da de 7.466,01€ de juros de mora, à taxa de 4%, calculados desde a data do vencimento e até à data da apresentação do requerimento inicial, com a de 4.128,45€, respeitante a imposto de selo), acrescida dos juros vincendos.
O processo, por despacho de 05-01-2022, foi remetido ao Tribunal de VN de Famalicão (Juízo de Execução), considerado o competente (sendo aí distribuído ao Juiz ...).
Os executados BB e EE deduziram, em 17-03-2022, oposição por meio de embargos.
Requereram, no final do articulado respectivo, que fossem julgadas procedentes as excepções deduzidas “com as legais consequências”. [[3]] Como fundamentos [[4]] de tal oposição, alegaram, em síntese [[5]] [[6]], para além da ineptidão do requerimento executivo e da excepção de prescrição [[7]], abuso de preenchimento das livranças e nulidade do pacto de preenchimento (ao abrigo do regime das CCG – Cláusulas Contratuais Gerais).
Relativamente à primeira questão apresentada, argumentaram, em suma: -foi abusivo o preenchimento das livranças porque, tendo pago, em Abril ou Maio de 2012, aos Bancos mutuantes, o crédito por si garantido, nessa altura vencido, e, então, interpelado a mutuária co-executada sociedade (subscritora), para pagamento (o que esta não cumpriu), não podia a exequente basear-se no pacto de preenchimento [[8]] e só passados mais de 9 anos preencher os títulos e dar entrada à execução, pois devia tê-lo feito naquela data, como determina a boa fé (tal dilata infinitamente a cobrança, prejudicando desproporcionalmente os embargantes, defraudando os seus interesses, gerando incerteza e propiciando a criação de direitos imprescritíveis em matéria irrenunciável – artºs 300º e 302º, nº 1, CC); -foi também abusivo o preenchimento porque os embargantes não devem a quantia aposta nos títulos, uma vez que a credora exequente os preencheu com valor muito superior ao reclamado pelos Bancos mutantes e que terá pago a estes com base nas garantias on first demand por si prestadas, em parte, à co-executada sociedade mutuária (por cujo incumprimento definitivo esta se responsabilizou mediante a entrega, por ela feita àquela, das livranças em branco assinadas por si, como subscritora, e pelos embargantes como avalistas no verso); -e foi-o ainda porque o preenchimento com o aludido valor foi feito sem contabilizar os pagamentos efectuados à embargada pela sociedade e incluindo nas livranças juros e penalizações vencidos ao longo daquele período de quase 10 anos sem que os embargantes tenham sido, previamente, interpelados do capital em dívida, da liquidação e quantificação dos juros e outras comissões e dos demais valores em dívida com que pretendia preencher os títulos, para eles procederem ao pagamento voluntário, como devia ter feito por força da interpretação do pacto e do princípio da boa fé, desconhecendo eles, assim, concretamente a que se reportam as quantias peticionadas; -em consequência do preenchimento manifestamente abusivo, as livranças são nulas e não podem valer como títulos executivos; -acresce que os embargantes, até à citação para a execução, desconheciam os montantes apostos nas livranças e continuam a desconhecer os cálculos para tal efectuados pela exequente, bem como a taxa ou taxas de juros e as demais comissões incluídas, por isso os impugnando, sendo que tais quantias excedem exageradamente e sem fundamento legal ou contratual os resultantes da garantia on first demand por ela prestada e subjacente aos títulos, sabendo a oponente que a co-executada sociedade pagou à exequente alguns valores para amortização da dívida que deverão ser descontados [[9]]; -os valores inscritos nas livranças (...62.699,38€, 292.445,45€, 270.543,32€ e 286.551,83€), no total de 1.112.239,98€, além de, como referido, incluírem valores pagos pela co-executada sociedade à exequente, incluem também valores de juros de mora contabilizados desde o incumprimento por aquela (Maio de 2012) até à data do preenchimento (Agosto de 2021), pois que era, apenas, de 846.269,76€ o montante máximo garantido pela exequente aos Bancos mutuantes; porém, uma boa parte [[10]] de tais juros de mora (vencidos há mais de cinco anos para trás da data de preenchimento das livranças) – e “outras quantias incluídas” e “penalizações” [[11]] – manifestamente já está prescrita, nos termos do artº 310º, alínea d), do CC – excepção de prescrição que invoca; -ademais, uma vez que nunca foram notificados da liquidação para efeitos de preenchimento da livrança, não podiam nesta ser incluídos juros (por indevidos) contabilizados desde o incumprimento pela co-executada e accionamento pelos Bancos da garantia da exequente (Maio de 2012); -os peticionados juros de mora vencidos, sobre os montantes das livranças e desde o vencimento destas até à instauração da execução, liquidados em 11.594,46€ no requerimento executivo, também não são devidos, pois, nunca foram interpelados para pagar qualquer valor, inexistindo mora até à citação; -também isto integra violação do pacto de preenchimento e nulidade dos títulos executivos; -de resto, contendo já o valor aposto nas livranças juros moratórios, não pode sobre eles a exequente reclamar juros de mora vencidos e vincendos, o que infringe a norma proibitiva do anatocismo – artº 560º, do CC.
Relativamente à questão invocada em segundo lugar, esgrimiram, resumindo: -os contratos subjacentes aos títulos em que se insere o pacto de preenchimento das livranças (que consideram celebrados entre a exequente e os oponentes e por estes também assinados) são de adesão; -porém, as respectivas cláusulas não foram explicadas pela exequente aos executados, nunca estes receberam dela qualquer informação sobre o conteúdo e alcance fáctico e jurídico dos contratos, maxime do pacto de preenchimento em que aquela se baseia para legitimar o preenchimento e apresentação a pagamento, em especial no que tange à possibilidade de o fazer na data que entendesse, ou seja, sem qualquer limite de tempo, violando diversas normas do RCCG; por isso, as cláusulas relativa ao pacto de preenchimento devem ser excluídas (artºs 5º, 6º e 8º, alínea a), do citado regime); contendo-se aí, aliás, cláusulas absolutamente proibidas (perpétuas e só dependentes da vontade do predisponente) como é o caso da falta de limite temporal para preenchimento das livranças; por isso, devem ser declaradas absolutamente proibidas as cláusulas relativas ao pacto de preenchimento; -ocorrendo, ainda, clara intenção da exequente em derrogar os prazos de prescrição, o que ofende os bons costumes e a ordem pública e viola as normas dos artigos 280º e 300º, do CC, verifica-se nulidade.
De tudo, concluem, enfim, que “soçobra o pacto de preenchimento …e as cláusulas contratuais que o previram, pelo que …foram preenchidas e apresentadas a pagamento de forma abusiva e sem qualquer pacto válido que legitimasse a exequente…”.
Requereram a notificação da exequente para juntar os múltiplos documentos que indicaram e arrolaram uma testemunha.
*Os embargos foram liminarmente recebidos e, uma vez notificada a exequente, esta apresentou contestação. [[12]] Resumindo-a: Salientando as características próprias dos títulos executivos invocados e seus efeitos à luz da LULL e distinguindo a obrigação cambiária da obrigação causal ou subjacente, alega a embargada que o pacto de preenchimento por todos os embargantes subscrito e deles conhecido foi escrupulosamente cumprido, em conformidade com a respectiva cláusula (4ª).
As livranças (entregues em branco) foram preenchidas depois do pedido de pagamento, efectuado pelos Bancos mutuantes (beneficiários da garantia on first demand), do valor total de 876.074,98€ e depois de a sociedade mutuária, subscritora das mesmas, ter sido interpelada para pagar à embargada/garante, mas sem que o tivesse feito.
Os embargantes, mesmo não sendo legal e contratualmente exigível a sua interpelação prévia, foram notificados do preenchimento, por cartas registadas endereçadas para a morada por eles indicada nos quatro contratos subjacentes, todavia não recebidas por eles e devolvidas mas por sua culpa, pelo que é de aplicar o disposto no nº 2, do artº 224º, CC. [[13]] Nessas cartas, constavam todos os elementos informativos e explicativos, respeitantes ao preenchimento, alegadamente desconhecidos, relativos ao pagamento efectuado. Não há, pois, qualquer abuso, designadamente no preenchimento dos títulos. Estes não têm de ser apresentados a pagamento aos avalistas/embargantes nem as livranças de ser apresentadas a protesto.
Os valores em dívida e cujo pagamento é reclamado são claros e foram calculados conforme o aludido pacto, estando aqueles em mora pois de tudo foram informados e interpelados para pagarem, mas não o fizeram.
Os embargantes, enquanto meros avalistas, não são sujeitos da relação causal ou subjacente, pelo que não podem opor tal excepção, nos termos do artº 17º, da LULL. Eles obrigaram-se em função do título, sendo a sua obrigação abstracta, resultante dele próprio, independente da contratual. Está-se no domínio das relações mediatas. É inoponível o alegado preenchimento abusivo. Verificam-se todos os requisitos dos títulos previstos na lei, inclusive quanto ao seu preenchimento pactuado, sendo válidos e exigíveis. A cláusula 4ª não estipulava qualquer prazo para aquele efeito.
A embargada não recebeu qualquer valor a título de pagamento da dívida por parte da empresa (subscritora) ou dos embargantes...
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