Acórdão nº 5332/19.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A. R.

intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra O. V.

, pedindo que esta seja condenada: a) a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio sito na Rua ..., nºs …, em …, Braga, inscrito na matriz predial sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial com o nº …; b) a desocupar o referido imóvel e a entregá-lo ao Autor, livre de pessoas e bens.

Para tanto, alega, em síntese, que é legítimo proprietário do prédio identificado no artº. 1º da petição inicial, que lhe foi adjudicado no processo de inventário nº. 2459/15, que correu termos no Cartório Notarial do Dr. R. P..

Além da aquisição derivada, alega, também, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião), por parte do A., do direito de propriedade sobre o aludido prédio.

Acrescenta que se encontra impedido de usufruir do mesmo em virtude de a Ré estar a ocupá-lo abusiva e ilegalmente, fazendo dele a sua casa de habitação.

Refere, ainda, que o referido imóvel encontrava-se arrendado à mãe da Ré desde data anterior à sua transmissão para o A., e tendo aquela falecido em 11 de Dezembro de 2018, o contrato de arrendamento caducou, devendo a Ré tê-lo desocupado e entregue ao A. até 16/06/2019.

A Ré tem-se recusado a entregar o imóvel ao Autor, apesar de ter sido interpelada para esse efeito.

Contestou a Ré, alegando, em síntese, que ocupa legitimamente o imóvel reivindicado pelo A., na medida em que o mesmo tinha sido arrendado pelo pai do A. ao seu pai, arrendamento esse que após a morte do pai da Ré, ocorrida em 19 de Junho de 2016, se transmitiu à sua mãe e, depois do decesso desta, à própria Ré, que sempre residiu com os seus falecidos pais, durante mais de 45 anos.

Após a morte da sua mãe sempre pagou, e o A. recebeu, a renda mensal no valor de € 123,69, sendo que o A. não precisa do imóvel para o habitar, visto que possui outros prédios para além daquele objecto da presente demanda, para além de que vive em França durante todo o ano, vindo a Portugal apenas no período de férias.

Acrescenta que em 21 de Julho de 2019, o A. enviou carta à Ré, manifestando a intenção de manter o arrendamento com esta, contudo interpelando-a no sentido de assinar novo contrato de arrendamento aumentando o valor da renda para € 200,00 mensais, tendo a Ré respondido por carta enviada em 1/08/2019 e junta a fls. 36 dos autos, na qual não aceitou assinar novo contrato de arrendamento.

Refere, ainda, que é pessoa bastante doente, não trabalha e aufere o Rendimento Social de Inserção no valor mensal de € 189,66. Em 7/08/2019 solicitou a realização de junta médica para avaliação do seu grau de incapacidade, que considera ser superior a 60%.

Conclui, pugnando pela improcedência da acção e sua absolvição dos pedidos formulados pelo Autor, com as necessárias consequências legais.

O A. apresentou resposta, na qual impugna a matéria de excepção alegada pela Ré e mantém o alegado na petição inicial, referindo que nunca foi sua intenção manter o contrato de arrendamento após a morte da mãe da Ré, tendo apenas acedido a que a Ré permanecesse no locado porquanto a mesma tinha invocado que padecia de uma incapacidade superior a 60%, solicitando-lhe que aguardasse pelo resultado da junta médica que havia pedido, para além de que nos termos da lei não podia exigir a desocupação imediata do imóvel.

Por despacho proferido em 3/11/2020, foi determinada a notificação da Ré para juntar aos autos documento comprovativo do grau de incapacidade que lhe foi atribuído pela junta médica realizada em 4/12/2019, tendo a Ré em 9/11/2020 vindo juntar o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, no qual consta que lhe foi atribuída uma incapacidade permanente global de 48% (cfr. fls. 117 e vº), e informar o Tribunal que havia interposto recurso por discordar do grau de incapacidade que lhe foi atribuído, aguardando decisão sobre o mesmo.

Em 25/03/2021 foi junta aos autos cópia do ofício remetido pela DGS à Ré, a comunicar que o recurso por ela apresentado havia sido indeferido por despacho de 26/02/2021 (cfr. fls. 126 e vº).

Em 30/03/2021 veio a Ré requerer que os autos aguardassem pelo resultado da nova junta médica que iria pedir, para reavaliação do grau de incapacidade atribuído, por a sua situação clínica se ter agravado.

O A. veio opor-se a tal pretensão da Ré.

Por despacho proferido em 18/05/2021, o Tribunal “a quo” indeferiu esta pretensão da Ré com a seguinte fundamentação: “E, de facto, não pode tal pretensão da ré ser atendida, pelas razões que o autor contrapôs. Aquela solicitou já anteriormente uma junta médica para efeitos de atribuição de incapacidade e fixação do respectivo grau. Essa junta médica realizou-se, foi atribuída à ré uma incapacidade e o recurso que a mesma interpôs foi indeferido por decisão da Direcção-Geral de Saúde datada do passado dia 26 de Fevereiro.

Não podem os autos aguardar que a ré peça nova junta médica e, na eventualidade de não lhe ser atribuída a incapacidade que na contestação alega afectá-la, aguardar indefinidamente que aquela solicite novas juntas para reavaliação do grau de incapacidade entretanto arbitrado.

Assim sendo, decide-se indeferir o requerido.

Notifique.” Realizou-se a audiência prévia, tendo sido proferido saneador-sentença em 23/08/2021, no qual se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, e se decidiu nos seguintes termos: Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido julgar pela procedência da acção e, consequentemente, condeno a ré a: a) Reconhecer o direito de propriedade do autor sobre o prédio sito na Rua ..., nºs …, em …, Braga, inscrito na matriz predial sob o artigo … e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de... sob o nº ...; b) Desocupar e entregar ao autor esse mesmo prédio, livre de pessoas e bens.

Inconformada com tal decisão e com o despacho de 18/05/2021, a Ré deles interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: I. O tribunal “a quo” decidiu em 18 de Maio de 2021 indeferir requerimento da Ré - com a ref.

ª electrónica 38418304 – em que esta veio solicitar que os autos aguardassem pelo resultado de nova junta médica, que dizia ter intenção de pedir, e pediu, com vista à reavaliação do grau de incapacidade que lhe foi atribuído, II. Tudo pelo facto de a sua situação de saúde se ter agravado, desde a primeira avaliação a que foi submetida (que lhe concedeu uma incapacidade permanente global de 48%), e por não ter juntado ao pedido de recurso da incapacidade atribuída, relatório médico actualizado.

  1. O Tribunal decidiu indeferir o requerido pela Ré/recorrente.

  2. Não pode a recorrente conformar-se com a decisão proferida, por considerar que não é conforme ao direito, sendo certo que os autos deveriam ter aguardado novo resultado de avaliação da incapacidade da recorrente, para, só depois, ter sido proferida decisão sobre o objecto da causa.

  3. A questão central que se coloca nos autos é saber se a recorrente, que pretende a transmissão do direito de arrendamento, por ser descendente da primitiva arrendatária, tem ou não uma incapacidade permanente global igual ou superior a 60%.

  4. E se os autos deveriam aguardar ou não que essa questão ficasse definitivamente resolvida, com o resultado de novo pedido de avaliação de incapacidade, tanto mais que a recorrente alegou no seu requerimento que o seu estado de saúde se agravou, ainda no decorrer do processo.

  5. Ora, indeferir-se a possibilidade de a Ré, aqui recorrente, demonstrar que é portadora de uma incapacidade superior a 60 %, para poder beneficiar da transmissão do arrendamento, nos termos do art. 57.º do NRAU, caso seja a norma aqui aplicável, configura uma limitação injustificada e injusta ao seu direito de poder demonstrar que é portadora de tal incapacidade.

  6. E, realce-se aqui, não se trata de aguardar indefinidamente, mas tão somente aguardar uma reavaliação do estado de saúde da aqui recorrente, em função do agravamento do seu estado de saúde.

  7. Note-se que, o pedido de nova avaliação foi requerido ainda antes de ter sido proferida decisão final do processo, em 14 de Abril de 2021. – Cfr.

    doc.

    n.º 1 que só agora se junta, pelo facto de o tribunal ter considerado e dado como assente e provado que a recorrente padece de uma incapacidade de 48%, e se ter tornado necessário em virtude do julgamento proferido pelo tribunal “a quo”.

  8. Tal limitação, salvo melhor opinião, mostra-se desconforme ao princípio do acesso ao direito aos tribunais (art. 20.º da CRP) e ao princípio da livre apreciação da prova, pois que limita, e limitou, de forma injustificada, o seu direito à prova, e a possibilidade de discussão e de produção de meios de prova sobre o grau da incapacidade da Ré, aqui recorrente.

  9. Ora, a ratio da exigência legal da deficiência “com grau comprovado de incapacidade”, prevista no art. 57.º do NRAU, tem a ver com a necessidade de se afastarem situações duvidosas, como é o caso dos presentes autos.

  10. Portanto, não permitir que a Ré/recorrente demonstre de forma indiscutível que é efectivamente portadora de uma incapacidade permanente global de 60 %, como fez o tribunal “a quo”, limitou de forma inaceitável os princípios supra invocados, impedindo por exemplo a existência de discussão judicial quanto ao grau de incapacidade.

  11. Ademais, nenhum inconveniente haveria para o A., considerando que sempre esteve a receber as rendas devidas, e continuou a recebê-las até ao momento, XIV. Aliás, mesmo que o princípio da celeridade processual saia ou saísse prejudicado em virtude da demora na realização da requerida reavaliação da incapacidade da recorrente, certo é que aquele princípio em caso algum deverá prevalecer sobre o princípio da verdade material.

  12. Pelo acima expendido, não deveria o tribunal “a quo” ter indeferido o requerimento apresentado nos autos pela Ré/recorrente em 18 de Maio de 2021, com a ref.ª electrónica 38418304, nem...

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