Acórdão nº 3652/17.9T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução04 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O autor (…) intentou, em 02-11-2017, no Tribunal de Viana do Castelo, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o réu (…).

Formulou o pedido de que:

  1. Seja declarado anulado o contrato de compra e venda do veículo de matrícula …, celebrado entre as partes, por força dos artigos 913º n.º 1 e 905º do CC; b) Seja o réu condenado ao registo de propriedade do veículo em seu nome e ao pagamento da quantia de €4.000,00 correspondente ao preço do veículo acordado entre as partes, nos termos do artigo 289º, n.º 1 do CC; c) Seja o réu condenado ao pagamento de uma indemnização ao autor no valor de €2.544,25, nos termos do artigo 908º do CC; d) Seja o réu condenado a pagar ao autor uma indemnização no valor de 750,00€, nos termos do artigo 496º, n, º 1 do CC.

    Alegou, em síntese, que, em Setembro de 2016, o autor celebrou com o réu (representado pelo filho …) um contrato através do qual este vendeu àquele o veículo …, de 7 lugares, matrícula … (de 02-12-1993), pelo preço de 4.750,00€, que pagou e lhe foi entregue em 01-09-2016 (1).

    Ainda no decurso das negociações, quando perguntado acerca do ar condicionado e aquecimento, aquele representante garantiu que tudo se encontrava em bom estado de funcionamento; quando lhe foi observado que não eram visíveis no banco traseiro os encaixes dos cintos de segurança, o mesmo respondeu que estavam debaixo da alcatifa mas seriam repostos de modo a funcionarem; e, tendo o autor notado que o pára-choques e o tubo de escape, não eram originais e perguntado se o veículo estava em condições de ser aprovado na inspecção periódica, foi-lhe assegurado que reunia todos requisitos para o efeito.

    Uma vez recebido o veículo, logo constatou o autor que o ar condicionado não funcionava e que ele não tinha os encaixes dos cintos traseiros, pelo que, reclamando telefonicamente, aquele (…) lhe disse que teria os encaixes em casa e que o sistema de ventilação teria ligeira avaria, comprometendo-se a solucioná-la. Porém, nada fez.

    Em 05-09-2016, o autor mandou vistoriar o veículo numa oficina e constatou-se, para sua surpresa, que faltavam os motores exteriores do ar condicionado e as tubagens e entradas da instalação, o que inviabilizava o seu funcionamento; que os pára-choques da linha de escape não são de origem, nem homologáveis, nem adequados – o que impedia a aprovação na inspecção periódica.

    Depois de ter obtido orçamento (1.500,00€) para fazer as reparações necessárias à reposição do veículo no estado que lhe fora garantido mas nada fazendo o réu, remeteu carta a este, relatando a situação, na qual expôs que tinha direito a declarar a resolução do contrato ou, em alternativa, a pedir a redução do preço, solicitando-lhe informação sobre a modalidade por que pretendia optar.

    Na sequência, fizeram um acordo, conforme documento datado de 25-10-2016 intitulado “Declaração de quitação”, segundo o qual o autor declarou ter-lhe sido devolvida a quantia de 750,00€ (do preço) e que “com o recebimento de tal montante: a) me considero integralmente ressarcido pela falta de conformidade do veículo automóvel de matrícula ...

    , que adquiri a este; b) aceito o referido veículo nas condições em que se encontra, nada mais tendo a exigir do indicado (…) , relacionado com o mencionado veículo, seja a que título for.“ O autor procedeu às reparações necessárias, tendo pago 1.400€ (na oficina) + 92,25€ (homologação dos pneus) + 52,00€ (de IUC).

    Em Dezembro de 2016, apresentado na inspecção periódica obrigatória, o veículo não foi aprovado, por: - Equipado com motor não original; - Sem chapa de construtor; - Lotação de 5 lugares; - Ambas as longarinas cortadas, como consta da carta do IMT, de 06-02-2017, na qual se comunica que o processo de pedido de alteração de pneus e de cor do veículo não foi aprovado e que ostentara aquelas anomalias.

    O autor desconhecia-as.

    O problema do motor e da chapa impossibilita de todo a aprovação, sendo inútil remediar os demais, assim se lhe deparando, como único destino a dar à viatura, o abate.

    Mais descobriu que, quando adquiriu o veículo, já se encontrava no IMT a correr, desde 25-02-2014, o processo para averbamento da chapa de construtor, facto do conhecimento do réu vendedor, pois que em 06-02-2016 apresentara a viatura à inspecção periódica.

    Bem sabia este que o veículo tinha defeitos ainda não detectados pelo autor aquando da assinatura do acordo de redução do preço a que refere a “declaração de quitação”, mas omitiu-os, o que determinou o autor a realizar a compra, pois bem sabia ele também que, se deles tivesse conhecimento não teria tido interesse no negócio e não o realizaria.

    O veículo está parqueado desde 27-10-2016, pelo que o autor terá de pagar 10,00€/dia.

    Por carta de 26-04-2017, o autor “requereu” ao réu a nulidade do negócio e “requereu” ainda a devolução do preço pago, comprometendo-se a restituir a viatura.

    Por fim, referiu ter tido e pretender ser indemnizado dos danos patrimoniais (gastos na oficina, homologação dos pneus, IUC e parqueamento) e dos não patrimoniais, conforme valores peticionados.

    Na sua contestação, o réu:

  2. Invocou a excepção de caducidade do direito, por o autor ter tomado conhecimento dos factos em que fundamenta a pretensão de anular o contrato em Dezembro de 2016 e apenas lhos ter comunicado pela carta de Abril de 2017, pelo que decorreram mais do que os dois meses a que se refere o Decreto-Lei nº 67/2003 (aplicável) para tal denúncia e mais do que seis meses para instaurar a acção.

  3. Bem assim, a excepção de renúncia ao direito através da “Declaração de quitação” de 25-10-2016.

  4. Impugnou parte da factualidade alegada, acrescentando que comprou a viatura a (…) apenas em 18-05-2016, pelo que, além do mais, desconhecia que a viatura tivesse sido inspeccionada em 06-02-2016 e a pendência do dito processo alusivo ao averbamento da chapa de condutor.

    Ademais, requereu a intervenção principal do referido (…) Foi marcada, de seguida, tentativa de conciliação que se frustrou.

    Facultado, depois, o contraditório quanto ao incidente, opôs-se-lhe o autor.

    Convidado, de seguida, o réu a clarificar o respectivo requerimento, aditou ele que, caso não se entenda que existe fundamento para a intervenção principal, deve ser admitida a mesma a título acessório – o que foi deferido, ordenando-se a citação do requerido, que não interveio nos autos.

    Após, facultou-se o contraditório à autora quanto à excepção de caducidade.

    Exercendo-o, sustentou o autor que o réu não exerce a actividade profissional de vendedor de automóveis nem foi nesta que agiu ao contratar consigo, tratando-se de negócio entre particulares ao qual é inaplicável o invocado Decreto-Lei nº 67/2003, pelo que deve a excepção improceder.

    Foi depois fixado o valor da acção, proferido saneador tabelar, relegado para final o conhecimento da caducidade a pretexto de depender de prova e marcada a audiência de discussão e julgamento.

    Realizou-se esta, nos termos e com as formalidades descritas na acta respectiva e, com data de 14-11-2018, foi proferida a sentença, que culminou na decisão: “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, declaro a anulação do contrato de compra e venda do veículo … celebrado entre o Autor (..) e o Réu (…), condenando o Réu (…) a registar a propriedade do veículo em seu nome e ao pagamento ao Autor (…) da quantia de € 4.000,00 ( quatro mil euros ), absolvendo o Réu (…) dos restantes pedidos.

    *Custas a cargo do Autor e Réu na proporção do respetivo decaimento – artigo 527º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil.

    *Registe e notifique.” Autor e réu não se conformaram e ambos interpuseram recurso.

    Aquele, para sustentar a sua, pretensão apresentou a seguinte peça (2): “Alegações 1º A douta sentença, datada de 14/11/2018, julgou parcialmente procedente a ação de processo comum que correu seus termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 1, da Comarca de Viana do Castelo, sob o n.º 3652/17.9T8VCT, da qual é autor o ora recorrente.

    1. Na sua petição inicial, o recorrente peticionou a procedência da ação e em consequência, dos seguintes pedidos: “a) ser declarado anulado o contrato de compra e venda do veículo de matrícula …, celebrado entre as partes, por força dos artigos 913º n.º 1 e 905º do CC; b) ser o réu condenado ao registo de propriedade do veículo em seu nome e ao pagamento ao autor da quantia de 4.000,00€ correspondente ao preço do veículo acordado entre as partes, nos termos do artigo 289, n.º 1 do CC; c) Ser o réu condenado ao pagamento de uma indemnização ao autor no valor de 2.544,25€, nos termos do artigo 908º do CC; d) E ainda, ser o réu condenado a apagar ao autor uma indemnização no valor de 500,00€ nos termos do artigo 496º, n,º 1 do CC.

    2. Procederam as alíneas a) e b).

    3. Contudo, o meritíssimo juiz a quo julgou improcedente o peticionado em c) e d).

    4. Recaindo nessa improcedência, ainda que parcial, o objeto do presente recurso.

    5. Pois, por muito respeito que mereça o vertido na douta sentença de que se recorre, o recorrente não pode, de modo algum, aceitar os fundamentos invocados para a rejeição dos aludidos pedidos.

    6. Esta questão merece ser aprofundada de forma atenta e prudente.

    7. Apreciemos, pois, o problema em causa.

      I –DA EXISTÊNCIA DE DOLO 9º Considerou o tribunal a quo que a procedência dos pedidos indemnizatórios referidos em c) e d) do artigo 2 supra, ficavam prejudicados pela não verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, a saber: o facto ilícito.

    8. Entendeu que, “não se vislumbra qual é o facto ilícito – ativo ou omissivo (onde reside a desconformidade entre o comportamento devido esperado e necessário para a realização da prestação) – que da matéria de facto dada como provada se possa imputar ao réu”.

    9. Ora, com todo o devido respeito, dos factos dados como provados na sentença, resulta firme o dolo com o qual se comportou o recorrido (e o seu...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT