Acórdão nº 2808/18.1T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA AMÁLIA SANTOS
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Relatora: Maria Amália Santos 1ª Adjunta: Ana Cristina Duarte 2º Adjunto: Fernando Fernandes Freitas M. F. e M. T.

, ambas melhor identificadas nos autos, instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra J. M., M. L., L. M. e F. M.

, pedindo que os mesmos fossem condenados: O primeiro, segunda e quarto Réus: a) a reconhecer a nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda efetuada no dia 24 de janeiro de 2007, no Cartório Notarial da notária M. S., entre a falecida E. M. e os dois primeiros Réus, J. M. e M. L., outorgando estes em representação do Réu F. M., pelo facto de, à data, ser menor, cujo objeto foi o identificado no art.º 10.º da petição inicial; b) em consequência, declarar-se nulo o registo da inscrição da titularidade desse prédio a favor do quarto Réu, e ordenar-se o respetivo cancelamento na descrição .../2001218-..., da Conservatória do Registo Predial ...; c) a restituir à herança de E. M. o prédio descrito no art.º 10.º da petição inicial; A terceira Ré: d) a reconhecer a nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda efetuada no dia 24 de janeiro de 2007, no Cartório Notarial da notária M. S., entre a falecida E. M. e a terceira Ré, cujo objeto foi os prédios identificados nas alíneas a) a d) do art.º 12.º da petição inicial; e) em consequência, declarar-se nulo o registo da inscrição desses prédios a favor da terceira Ré e ordenar-se o respetivo cancelamento nas descrições 1626/20140505-A-..., 1623/20061218-..., 1624/20061218-... e 1625/20061218-..., da Conservatória do Registo Predial ...; f) restituir à herança de E. M. os prédios descritos nas alíneas b) a d) do art.º 10.º da petição inicial; g) restituir à herança de E. M. o prédio descrito no art.º 15.º da petição inicial; O primeiro Réu: h) a reconhecer a nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda efetuada no dia 7 de março de 2008, no Cartório Notarial da notária M. S., entre a falecida E. M. e o primeiro Réu, cujo objeto foi a quota parte do prédio identificado no art.º 16.º da petição inicial; i) em consequência, declarar-se nulo o registo da inscrição da titularidade de 1/9 desse prédio a favor do quarto Réu, e ordenar-se o respetivo cancelamento na descrição 1462/20040507-... na Conservatória do Registo Predial ...; j) restituir à herança de E. M. a quota parte do prédio descrito no art.º 16.º da petição inicial.

*Alegam para tanto em síntese que são as únicas e universais herdeiras, por via testamentária, de M. E., sendo os dois primeiros Réus pais da terceira e quarto Réus.

Que por escritura pública de compra e venda efetuada no dia 24 de janeiro de 2007, a referida M. E. declarou vender ao Réu F. M., e os pais daquele, em sua representação, porque menor, declararam comprar, pelo preço de € 60.000,00, um determinado prédio urbano, que identificam.

Que no mesmo dia, por escritura pública de compra e venda, a mesma M. E. declarou vender à Ré L. M., a qual, por sua vez, declarou comprar, pelo preço global de € 120.000,00, quatro prédios urbanos, que também identificam.

Que em 2 de maio de 2014, a Ré L. M. submeteu a propriedade horizontal o primeiro dos quatro prédios mencionados na última escritura pública, transformando-o em duas frações autónomas, e no dia 7 de setembro de 2014, vendeu uma delas, a fração B, a um terceiro, detendo atualmente a outra, a fração A.

Finalmente, no dia 7 de março de 2008, por escritura pública de compra e venda, a M. E. declarou vender e o Réu J. M. declarou comprar, pelo preço de € 80.000,00, 1/9 de um prédio rústico, que também identificam.

Que todos estes negócios em que interveio a falecida M. E. foram simulados, tendo sido realizados pelo facto de a mesma ter, à data, dívidas fiscais e para com outros credores, pretendendo com os negócios realizados salvaguardar o seu património, pondo-o a coberto de eventuais penhoras que sobre ele pudessem recair.

Sucedeu que, restituídas integralmente as quantias mutuadas e praticamente saldadas todas as dívidas, podendo ter novamente os bens em seu nome, a falecida M. E. diligenciou junto do Réu J. M. para que fossem feitas as escrituras de compra e venda em sentido inverso, o que foi negado pelo mesmo, sob o pretexto de os bens serem seus e dos filhos.

Pretendem assim as AA que seja declarada a nulidade dos negócios celebrados com fundamento em simulação.

*Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação, alegando em síntese que contrariamente ao alegado pelas Autoras, todos os negócios a que elas aludem na petição inicial foram reais, tendo a vendedora recebido pela venda dos mesmos o preço correspondente.

Concluem assim pela improcedência da ação.

*Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão: “Termos em que se decide julgar improcedente a ação e, consequentemente, absolver os Réus do pedido…”.

*Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram as AA interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões: “1ª - Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente os pedidos formulados pelas AA recorrentes e que absolveu os RR recorridos dos pedidos, por entender que não estão verificados os elementos constitutivos da simulação relativos a todos os negócios jurídicos dos autos e que não foi feita prova da divergência intencional entre as declarações insertas nas escrituras públicas que titulam os negócios jurídicos impugnados e a vontade dos outorgantes, bem como que tais negócios tenham sido celebrados com o intuito de enganar terceiros.

2ª - O Tribunal a quo não considerou, conforme se lhe impunha, na formação da sua convicção, quanto à matéria de facto provada e não provada, na esteira da análise crítica e à luz das regras da experiência comum, conjugada com os documentos juntos aos autos e do conjunto da prova produzida na audiência de julgamento, a primordial questão em discussão nos autos, a verificação da simulação dos negócios jurídicos impugnados.

3ª - O Mm Juiz a quo considerou que, sendo a simulação a causa de pedir da ação e tratando-se de simulação de negócios jurídicos titulados em documentos autênticos, cumpre ter presente as regras de limitação da prova legalmente previstas na matéria.

4ª - Conclui que, da leitura conjugada dos nº 1 e 2 do art° 394 do CC, resulta que o acordo simulatório que conste de documento autêntico não pode ser provado por testemunhas quando sejam os próprios simuladores a invocá-lo, Acrescentando que, vedada está, em função deste preceito, a prova do acordo simulatório por via testemunhal, vedada estará, também, por decorrência do disposto no art° 351° do CC, a prova por presunção judicial.

5ª - Salvo o devido respeito e melhor opinião contrária, as AA recorrentes apresentam-se como terceiras em relação ao conluio, por serem alheias ao acordo simulatório, sendo certo que a parte contrária nega a existência da simulação invocada, com pouca convicção, saliente-se.

6ª - A prova de que as AA. tinham conhecimento ou tiveram participação no conluio, na medida em que tal facto seria impeditivo do direito invocado, competia à parte contrária, os aqui RR recorridos. (art° 342, nº2 do CC) 7ª - Mesmo em documentos autênticos, com força probatória plena, é admissível prova testemunhal para precisar o sentido e contexto da declaração negocial. (art° 393°, nº 3 do CC) 8ª - É de admitir a prova por testemunhas para impugnação da veracidade das declarações do R. J. M., por si e em representação dos filhos, constantes das três escrituras de que pagou o preço e quis comprar os imóveis objeto das mesmas.

9ª - A força probatória do documento tem a ver com o conteúdo externo do documento e não o próprio teor intrínseco do negócio que ele documenta.-cfr. arte 371, nº 1 do CC 10ª - Daí ser jurisprudência pacífica que, a força probatória plena não se estende ao conteúdo das declarações dos outorgantes, sendo possível prova testemunhal sobre a matéria que aí se faz constar; 11ª - Ao contrário do que afirma o Mm Juiz a quo, as AA recorrentes terão que ser consideradas terceiras pois exercem um direito próprio. 12ª - Isto porque, conforme se alegou no artº 2° da petição inicial e provou documentalmente (dos. 1, 2 e 3), por testamento público outorgado no Primeiro Cartório Notarial de ..., no dia 3 de junho de 1993, M. E., solteira, maior, instituiu, para a hipótese de falecer sem herdeiros legitimários, como única e universal herdeira a sua sobrinha M. T..

13ª - A testadora veio a falecer no dia 6 de maio de 2015, na freguesia de ..., no estado de solteira, aos 86 anos de idade, sem descendentes ou ascendentes vivos.

14ª - Por escritura de Repúdio da Herança (doc 3) outorgada no dia 17 de julho de 2015, M. T., repudiou a herança, conforme alegado no art° 4° da p.i.

15ª - Foram assim as suas filhas, AA recorrentes habilitadas como herdeiras.

16ª - Todavia, se a mãe das AA. repudiou a herança, é como se esta nunca tivesse existido.

17ª - Os seus descendentes não podem representá-la, antes pelo contrário herdam um direito próprio, o direito de acrescer.

18ª - O repúdio da herança tem como efeito considerarem-se os repudiantes como não chamados à sucessão, tudo se passando como se não tivessem figurado no quadro dos sucessíveis e não havendo direito de representação (cfr. Ac. TRP de 21 de novembro de 1994, proferido no processo nº 9450541, relator Ribeiro de Almeida, DGSI) 19ª - Sendo terceiras, podem, nos termos do nº 3 do art° 394 do CC invocar e provar de forma testemunhal o acordo simulatório que conste de documento autêntico.

20ª - A douta sentença ora em recurso considerou que as AA. não são terceiras e, por, isso vedou-lhes a possibilidade de fazerem prova por via testemunhal.

21ª - Deve, por isso, o tribunal ad quem determinar que as AA recorrentes são terceiras e que exercem um direito próprio e, por isso, podem fazer prova da simulação por via testemunhal.

22ª -Violou, por isso, a douta sentença recorrida o nº 2 do art° 394° do CC.

23ª - Sendo terceiras, é ainda admissível...

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