Acórdão nº 784/17.0PCBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCÂNDIDA MARTINHO
Data da Resolução28 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Desembargadora Relatora: Cândida Martinho Desembargador Adjunto: António Teixeira.

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. Relatório 1.

    No processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o número 748/17.0PCBRG, que corre termos na comarca de Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Braga, realizado o julgamento foi proferida sentença que, para além do mais, condenou o recorrente J. C. pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, a 20,00€ (vinte Euros) por dia, totalizando o montante de 1200,00€ (mil e duzentos Euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, durante o período de 06 (seis) meses; 2.

    Não se conformando com essa condenação, veio o arguido/recorrente J. C. recorrer da sentença, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: «Conclusões 1ª O arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p. pelo artº 148º, nº 1, do CP, na pena de 60 dias de multa, a €20,00 por dia, totalizando o montante de €1.200,00 e foi, ainda, condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artº 69º, nº 1, al. a), do CP, durante o período de 6 meses, decisão com a qual não pode concordar e da qual recorre.

    1. Uma das razões da discordância do arguido com tal sentença condenatória prende-se com o erro de julgamento das provas produzidas em julgamento e constantes do processo, mormente a apreciação da prova testemunhal gravada, por si e conjugada com os documentos indicados na acusação como suporte da factualidade nela vertida, que o Tribunal “a quo” interpretou erradamente.

    2. O arguido considera erradamente julgada a matéria de facto (e conclusiva) vertida nas alíneas f), g), i), j) e k) dos factos provados na sentença revidenda, motivo porque impugna a respectiva decisão, porquanto os depoimentos prestados por si próprio, pela assistente e pela testemunha C. M., por si e conjugados com os documentos de fls. 51 a 54 e 85 a 89 do processo, impõem decisão diversa da que consta daquelas alíneas, tudo como detalhadamente descreve nas alegações supra, nomeadamente por meio da indicação das concretas passagens que impõem decisão diferente da impugnada, por referência à acta de discussão e julgamento do dia 12/02/2019, alegações essas que, por razões de brevidade, aqui se dão por reproduzidas.

    3. A decisão impugnada sobre tal matéria de facto deve, pois, ser substituída por decisão que considere que aquelas alíneas f), g), i), j) e k) dos factos provados passam a ter a seguinte redacção: f) O arguido circulava a velocidade não concretamente apurada; g) Ao chegar ao entroncamento acima indicado o arguido embateu com a parte frontal do veículo que conduzia na parte traseira do veículo de matrícula GV; i) ...

      1. ...

      2. ...

    4. O artigo 18º, nº 1, do Código da Estrada (CE) foi erradamente interpretado e aplicado na sentença revidenda, porquanto foi interpretado e aplicado pelo Tribunal “a quo” como regra absoluta que, por si só, determina como único e exclusivo culpado o condutor que embata com o veículo que conduz naquele que o precede, quando, ao invés, deveria ser interpretado e aplicado no sentido de tal regra dever ser apreciada casuisticamente, por forma a poder-se apurar se, no caso concreto, o condutor do veículo precedido não praticou alguma manobra que dê causa, ou contribua, à eclosão do embate pelo veículo que segue atrás daquele.

    5. O artigo 24º, nº 1, do CE, foi também erradamente interpretado e aplicado na sentença revidenda, porquanto foi interpretado e aplicado pelo Tribunal “a quo” como regra absoluta que, por si só, determina como único e exclusivo culpado por excesso de velocidade, mesmo que não concretamente apurada, o condutor que não consiga parar o veículo que conduz no espaço livre e visível à sua frente e embata em veículo que o precede, quando, ao invés, deveria ser interpretado e aplicado no sentido de tal regra dever ser apreciada casuisticamente, por forma a apurar-se qual o concreto comportamento dos agentes intervenientes que efectivamente deu causa ao acidente.

    6. De igual forma o artº 69º, nº 1, al. b), do Regulamento da Sinalização de Trânsito, foi interpretado no sentido de que, acendendo-se a luz amarela, é totalmente vedado ao condutor entrar na zona protegida pela luz vermelha, seguinte àquela, quando deveria ter-se interpretado e aplicado tal norma no sentido também previsto no artº 24º, nº 2, do CE, de ser possível e devido ao condutor que se defronta com a luz amarela prosseguir a sua marcha se a sua paragem for de molde a causar perigo para os utentes da via, quer o próprio condutor, quer qualquer outro, mormente os que seguem atrás daquele.

    7. Em violação do disposto no artº 340º, nº 2, do CPP e, bem assim, do nº 5, do artº 32º da Constituição da República Portuguesa, para fundamentar a matéria de facto vertida nas als. r) e s) dos factos provados o Tribunal “a quo” socorreu-se de documentos que constam de fls. 67 e 68 do inquérito integrado no processo, os quais não constam na acusação como meio de prova dos factos da mesma e sem que tivesse dado conhecimento ao arguido da necessidade de uso e obtenção de tais meios de prova.

    8. Motivo porque deve eliminar-se as redacções das als. r) e s) dos factos provados na sentença revidenda.

    9. Alterando-se, como se requer e deve suceder, a decisão sobre a matéria de facto vertida nas referidas alíneas, os factos provados na sentença passarão a ser os indicados na alínea C) das alegações supra, que aqui se dá por integralmente reproduzida por razões de brevidade, ou mesmo que tal não suceda, deve considerar-se que os elementos de prova, existentes no processo impõem interpretação diferente daquela que o Tribunal “a quo” subscreveu, pelo que tem, pelo menos, de considerar-se que o Tribunal recorrido não dispunha, como não dispõe o processo, de elementos seguros que lhe permitissem concluir que o arguido foi o causador e único culpado pelo acidente tal como vem descrito na acusação.

    10. Tal non liquet teria de ser decidido em favor do arguido, mas não foi, em violação do princípio in dubio pro reo.

    11. A dúvida razoável que resulta da análise de todas as provas produzidas no processo impõe, pois, que o mesmo se resolva de acordo com o sobredito princípio in dubio pro reo, que terá necessariamente de aproveitar ao arguido, permitindo e impondo ao Tribunal decidir no sentido que lhe é mais favorável, ou seja, no sentido da não verificação dos factos constantes da acusação e que constituem a prática de ilícitos jurídico-penais.

    12. Se não se considerar dever absolver-se o arguido neste processo, nomeadamente por aplicação do princípio in dubio pro reo, o que se representa por mero dever de cautela e patrocínio, então tem de considerar-se ser de dispensar o arguido de pena, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 148º, nº2, do CP.

    13. Porquanto tratando-se de crime de ofensa à integridade física por negligência, sendo o arguido delinquente primário e o acto ter determinado à assistente apenas 3 dias de doença com incapacidade para o trabalho, estão integralmente preenchidos, em abundância, os requisitos para aquela dispensa de pena, que determina a sua absolvição e também a dispensa da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados que lhe foi aplicada.

    14. Se, porém, também assim se não entender, o que se concede por mera cautela e dever de patrocínio, atentas as concretas circunstâncias do caso, elencadas nas alegações supra e que aqui se dão por reproduzidas, é manifestamente exagerada e desproporcionada a pena de multa fixada em 60 dias de multa, a qual, por razões de proporção e garantia da prevenção geral e especial necessárias atentos os factos em causa, deve ser fixada em 20 dias, mantendo-se o valor diário da multa em €20,00, como bem decidido neste passo pelo Tribunal “a quo”.

    15. A manter-se a condenação do arguido, o que se representa sempre por mera cautela e dever de patrocínio, também a pena acessória que lhe foi aplicada é desproporcionada ao comportamento imputado e por que foi condenado e, bem assim, às concretas circunstâncias apuradas no presente caso, inclusive porquanto na consideração da moldura aplicada quanto a esta pena acessória, o Tribunal “a quo” considerou e ponderou documento relativamente ao qual não concedeu ao arguido o fundamental direito ao contraditório.

    16. Com efeito, 6 meses de proibição de conduzir veículos motorizados para quem, como o arguido, a manter-se a sua condenação, é delinquente primário, tem de ser considerado manifestamente exagerado e desproporcionado.

    17. Antes se afigurando adequada às concretas circunstâncias do caso, demonstradas pelos factos apurados, a condenação pelo mínimo de 3 meses de proibição de condução de veículos motorizados, moldura penal que já se revela suficiente para salvaguarda das exigências de prevenção geral e especial, acautelando-se quer as expectativas da comunidade no bem jurídico tutelado, quer a interiorização pelo arguido da censura que lhe é aplicada.

      Termos em que, deve considerar-se tempestivo, interposto por quem tem legitimidade para o efeito, e provado e procedente o presente recurso, com os legais efeitos, e, por consequência, deve proferir-se douto Acórdão que revogue a sentença recorrida e absolva o arguido, ou, assim não se considerando, o que se concede pela costumeira cautela e por dever de patrocínio, que condene o arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física negligente na pena principal de multa de 20 dias, a €20,00 por dia, num montante global de €400,00, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por um período de 3 meses, só assim se fazendo a usual e esperada JUSTIÇA.» 3.

      ...

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