Acórdão nº 103/18.5T8AMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução31 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório M. C., instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra A. T., ambos melhor identificados, pedindo seja declarada a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, destinado a habitação do Réu, tendo por objeto a parte B do prédio urbano sito na Travessa …, freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo …, por denúncia efetuada pela autora, e com efeitos em 28 de fevereiro de 2018; seja o Réu condenado a entregar à Autora o prédio identificado nos autos, livre de pessoas e bens; bem como no pagamento à Autora, uma indemnização por cada mês ou fração que decorrer desde a citação até à entrega efetiva do prédio, no valor equivalente ao dobro da renda que vigorou nos últimos anos, ou seja, de € 300,00 mensais.

O Réu contestou, alegando, em síntese, a ineficácia da denúncia operada pela Autora, por não se tratar de contrato por tempo indeterminado e por não se encontrarem preenchidos os restantes pressupostos de tal denúncia; a falta de requisitos da comunicação de denúncia operada pela Autora, por não ter sido rececionada pelo Réu; e impugnando parte da matéria e facto alegada na petição inicial.

Exercido o contraditório, os autos prosseguiram com a realização da audiência prévia, após o que foi proferido o despacho saneador-sentença, conhecendo do mérito da causa por considerar não haver necessidade de ulterior produção de prova, e que decidiu nos seguintes termos: “ (…) Pelo exposto, julgo a acção totalmente procedente, porque provada, e, em consequência: 1 - Declara-se a cessação do contrato de arrendamento existente entre as partes, por denúncia, no que respeita à “parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., nº ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ...”; 2 - Condena-se o Réu a entregar à Autora a “parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., nº ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ...”, livre e desocupado de pessoas e bens; 3 - Condena-se o Réu a pagar à Autora, o valor das rendas vencidas de Março a Julho de 2018, no montante de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), bem como das que se vencerem na pendência da presente acção.

4 - Condenar Réu a pagar à Autora, desde o termo do contrato até ao momento da entrega do locado, uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda, no montante mensal de € 300,00 (trezentos euros).

**Custas a cargo do Réu - artigos 527º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e art. 6.º n.º 1 e tabela I, do Regulamento de Custas Processuais.

*Registe e Notifique”.

Inconformado, o Réu apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): “1 - O Tribunal recorrido entendeu que logo após a realização da audiência prévia, como as partes prescindiram do conhecimento da questão da denúncia pelo senhorio por necessidade do locado, o processo “já continha todos os elementos capazes de habilitar o tribunal a decidir de fundo (…) o que se fará sem necessidade de ulterior produção de prova, ao abrigo do disposto no artigo 591º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, uma vez que apenas cumpre conhecer de uma questão de direito – apreciar a eficácia da notificação ao Réu da denúncia/ oposição à renovação do contrato de arrendamento”.

2 – A sentença em crise á pautada pela nulidade.

3 – Não se está perante apenas uma questão de direito, mas também de apreciação de factos. Não se pode resumir todo este processado apenas à “eficácia da notificação ao Réu da denúncia/ oposição à renovação do contrato de arrendamento”.

4 – Cabe aferir se realmente o recorrente recebeu a referida carta registada, uma vez que foi rececionada por um terceiro. Tal situação não se contempla apenas na matéria de direito, mas também nos factos. Pelo que ação deveria ter seguido para julgamento.

5 – Nos factos provados, a sentença apenas deu como provado três factos.

6 – A decisão sobre a matéria de facto é um elemento integrante da sentença contemplando a declaração tanto dos factos considerados provados como dos factos não provados, assim como a sua fundamentação, com a especificação dos concretos meios de prova determinantes da convicção do juiz, quer se trate de factos provados quer de factos não provados.

7 – Trata-se, com efeito, de uma expressão concreta do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e ainda no art.º 154.º, n.º 1, do CPC, correspondente a uma importante causa de legitimação da função soberana de julgar.

8 – Através da fundamentação da decisão judicial explicita-se a motivação do seu sentido, permitindo aos interessados compreendê-la e, discordando, impugná-la, em caso de admissibilidade de recurso. Por outro lado, possibilita também, nomeadamente ao tribunal de recurso, a reponderação adequada da decisão judicial.

9 – No âmbito da decisão sobre a matéria de facto, é importante que o juiz esclareça também, na fundamentação, as razões determinantes da decisão, especificando os concretos meios de prova decisivos para a formação da sua convicção.

10 – No caso da douta sentença recorrida verifica-se que a decisão sobre a matéria de facto, compreendida na sentença recorrida, embora delimite os factos provados e não provados, com referência a que concreta prova lançou mão para considerar cada facto como provado, não faz o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. Todavia, este modo de proceder não corresponde à satisfação da exigência estabelecida na lei.

11 – Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração, desde logo, os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.

12 – Não se trata já de fazer jogar a convicção formada pelo meio de prova mas verificar atentamente se existiram factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório.

13 – A sentença da 1.ª instância refere os factos que considerou provados, sem qualquer análise crítica das provas e sem qualquer especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, conforme determina o n.º 4 do art.º 607.º do CPC.

14 – A lei prevê também uma declaração em relação aos factos considerados não provados, de modo a conferir segurança jurídica. Essa declaração formal reveste ainda importância para se saber da consideração, ou não, de toda a matéria relevante, no julgamento da causa.

15 – A douta sentença refere, apenas, que “nada mais resultou provado”.

16 – Pelo que, não pode deixar de se concluir que esta “justificação deficiente” ou pouco persuasiva é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa.

17 – Por outro lado, a pouca fundamentação da decisão apresenta-se muito genérica.

18 – Tal forma genérica de fundamentação não corresponde à especificação dos meios de prova decisivos para a formação da convicção do Juiz, tornando incompreensível a própria fundamentação e prejudicando a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação, bem como a reponderação eficaz da decisão.

19 – A fundamentação da matéria de facto deve indicar, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, para, assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art.º 607.º, n.º 4, do CPC.

20 – A omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento.

21 – Entende o Recorrente que a douta sentença padece, ainda, de outra nulidade nos termos do artigo 195º, n.º 1, a) CPC: a não realização de audiência de julgamento. Não foi, pois, cumprida uma formalidade que se reveste de extrema importância para o apuramento da verdade material e boa decisão da causa, prejudicando, claramente, o ora aqui Recorrente.

22 – Não concorda o recorrente com o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.

23 – O artigo 591º, n.º1, b) enuncia que o juiz deve conhecer imediatamente do mérito da causa, na audiência prévia, mas tal como bem evidencia o Prof. José Alberto dos Reis na vigência do Código de Processo Civil de 1939 – in Código de Processo Civil Anotado, 1985, pág. 189 -, que se decidam logo determinadas questões no despacho saneador, em homenagem ao princípio da celeridade e economia processuais, mas sem sacrifício da justiça da decisão (sublinhado e negrito nossos).

24 – No caso sub iudice, a não realização de julgamento coloca em causa, natural e obviamente, a justiça da decisão, pois que não foi produzida toda a prova necessária para a boa decisão da causa.

25 – Seria de extrema importância ouvir o Recorrente e as testemunhas arroladas, para que o aplicador do direito conseguisse determinar ao certo as circunstâncias de todo este caso. Assim, a decisão em causa optou por lançar mão de uma extrema simplicidade, preterindo apreciar a prova testemunhal, por entender que apenas estaria em causa uma questão de direito, quando, na realidade, impunha-se apreciar um fato de curial importância: a receção ou não da carta datada de 19 de janeiro enviada pela recorrida ao recorrente.

26 – Contudo, na sua motivação, a decisão em crise apenas fundou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, mais precisamente os documentos de fls. 8 verso a 10 verso dos autos, bem como no acordo das partes nos articulados. Avançou que “a restante matéria vertida nos articulados não mereceu resposta dado que não se trata de matéria essencial (…), irrelevante, conclusiva ou de Direito”.

27 – Nulidades estas que expressamente se invocam para todos os efeitos legais.

28 – Estamos perante um caso que se reveste de grande sensibilidade, visto que o recorrente é uma...

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