Acórdão nº 1266/17.2T8GMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução28 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório Nos autos de insolvência n.º 1266/17.2T8GMR (de que os presentes autos de Incidente de qualificação da insolvência constituem apenso) relativos à sociedade J. S., Lda. foi proferida a sentença declaratória de insolvência.

Nos presentes autos de Incidente de qualificação da Insolvência o Administrador da Insolvência e o Ministério Público pugnam pela qualificação como culposa de tal insolvência, bem como pela afetação dessa qualificação o sócio e gerente J. S., defendendo ainda o Administrador da Insolvência que devem ser também afetados pela qualificação os adquirentes dos bens R. G. e A. M. (cfr. parecer de fls. 4 e requerimento de fls. 43 verso, datado de 18/07/2017).

A Requerida e o gerente foram notificados/citados, tendo o sócio gerente J. S. deduzido oposição.

Alega em síntese, que os factos que constam do parecer de qualificação da insolvência não são suscetíveis de, por si só, justificarem a qualificação da insolvência como culposa; que no relatório o Administrador de Insolvência conclui que foram causas externas que levaram a J. S., Lda. à insolvência, pelo que o parecer de qualificação está em contradição com esse relatório e a conclusão nela inscrita, inexistindo motivos para qualificar a insolvência da empresa como culposa.

Que o parecer é omisso quanto à relevância da venda a que se refere no ponto C, para efeitos da sua qualificação ao abrigo do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 186º n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (daqui em diante designado por CIRE) e que a venda de bens, por si só, não se enquadra em nenhum dos requisitos constantes daquele n.º 2, nem implica que haja culpa grave ou dolo do devedor.

Mais alega ser falso que a empresa tenha prestado falsas declarações aquando da sua dissolução e que a insolvente à data da dissolução nada devia à Autoridade Tributária e à Segurança Social e apesar das dificuldades conjunturais, tinha todos os pagamentos de salários em dia; que o parecer não identifica o concreto momento em que nasceu o dever de apresentação à insolvência, único facto que permitiria aferir do (in)cumprimento do dever de apresentação, nem é afirmado se o gerente tinha ou não conhecimento dessa situação, e, em caso afirmativo, porque o não fez, não tendo sido incumprido qualquer dever, nem resultado qualquer prejuízo para qualquer credor pelo facto de a insolvente não se ter apresentado à insolvência.

Alega ainda que não tem qualquer cabimento o pedido para que sejam afetados pela qualificação o sócio gerente, A. M. ou R. G., uma vez que não existem factos que permitam concluir pela sua responsabilidade na insolvência e/ou prejuízo dos credores da insolvente.

Conclui pela improcedência do incidente e que se considere fortuita a insolvência da sociedade J. S., Lda.

Mediante requerimento datado de 18/07/2017, veio o Administrador da Insolvência requerer a retificação de lapso de escrita do seu parecer na parte referente aos afetados pela qualificação, nos termos exarados a fls. 43 verso dos autos.

Mediante requerimento datado de 03/08/2017, a Insolvente opôs-se, ainda que parcialmente, ao requerido invocando que relativamente à correção do nome do sócio gerente da empresa, não há nada a opor, uma vez que tal conforma claramente um lapso, mas quanto à menção a A. M. ou R. G., a mesma não tem qualquer cabimento, uma vez que não se trata de um lapso de escrita, mas claramente uma alteração do pedido, a qual, não só não tem qualquer reflexo na causa de pedir, como tem a total oposição por parte da Insolvente.

Por despacho proferido a 28/08/2017, quanto ao nome do gerente da insolvente foi admitida a pretendida correção e quanto aos adquirentes dos bens foi indeferido o pedido de afetação.

Por despacho proferido a 06/11/2017 foi determinada a audição das partes quanto à eventual suspensão destes autos até prolação de decisão com trânsito em julgado no âmbito das referidas ações.

Nada tendo sido oposto pelas partes, por despacho proferido a 13/12/2017 foi determinada a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida nos apensos C e D.

Na sequência do trânsito em julgado das sentenças proferidas nos apensos de impugnação de resolução C e D, por despacho proferido a 07/06/2018 foi declarada cessada a suspensão da instância.

Mais foi determinada a notificação do Administrador da Insolvência para, em cinco dias, esclarecer se em face dos acordos alcançados nas ações em referência teria alguma implicação no seu parecer e, na afirmativa, em que termos, assim como para juntar aos autos as reclamações de créditos que lhe foram dirigidas pelos credores J. M. e S. A., tendo em conta as declarações alegadamente pelos mesmos subscritas a 31/01/2017, agora juntas aos autos a fls. 51 (frente e verso).

Mediante requerimento datado de 15/06/2018, o Administrador da Insolvência pronunciou-se no sentido que, tendo em conta os resultados obtidos para a massa com as resoluções, a prossecução do incidente só faria prolongar os autos servindo apenas para consumir recursos ao Tribunal e aos interessados.

O Ministério Público defendeu que não se poderá deixar de prosseguir com o incidente de qualificação atentos os factos trazidos pelo Administrador no seu parecer.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Termos em que se decide julgar procedente, por provado, o incidente da qualificação e em consequência: - Qualifica-se como culposa a insolvência de J. S., Lda.

- Considera-se afetado pela qualificação culposa o sócio e gerente J. S..

- Declara-se J. S., pelo período de três anos, inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa ou administração de património alheio.

- Determina-se a perda de quaisquer créditos de J. S. sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente, condenando-o na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.

- Condena-se o afetado pela qualificação J. S. a indemnizar os seus credores no montante de € 22.186,66, que corresponde ao montante global dos créditos reclamados e reconhecidos pelo Sr(a). Administrador(a) de Insolvência (€26.686,66) deduzidos da quantia de € 4.500,00 arrecadada pela massa insolvente no âmbito das ações apensas.

Proceda ao registo da inibição na Conservatória do Registo Civil - artigo 189º, nº. 3, do C.I.R.E.

Custas em partes iguais pela insolvente e pelo Requerido João Oliveira.

Fixa-se o valor do incidente em €30.000,01.

Registe e notifique”.

Inconformado, apelou o Requerido J. S., concluindo as suas alegações da seguinte forma: “CONCLUSÕES: A.

O Recorrente não se conforma com a qualificação da insolvência da sociedade J. S., Lda. como culposa, nem com a sua afetação por tal qualificação.

B.

A douta sentença recorrida considerou estarem verificados factos subsumíveis às alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 186º, pelo que a insolvência será considerada culposa, sem admissão de prova em contrário.

C.

Não há prova nos autos de que o gerente da Insolvente não destinou o valor arrecadado com a venda dos bens ao pagamento das dívidas desta.

D.

Está provado que a Insolvente tinha a sua situação tributária e contributiva regularizada, pelo que há um sério indício de que as dívidas da sociedade insolvente estavam a ser liquidadas, e que o seu gerente estava a alocar as quantias recebidas ao pagamento dessas dívidas.

E.

E, dada a natureza do processo judicial em causa, não poderia o Tribunal a quo tem delineado a conclusão contrária, que resultou na qualificação da insolvência como culposa.

F.

A transmissão de bens da insolvente por venda não é automaticamente recondutível aos pressupostos da alínea a), do nº 2, do artigo 186º.

G.

O comportamento do administrador da insolvente não se subsume a estes pressupostos, uma vez que a atividade daquela já estava em estase à data da alienação dos bens e que o produto da alienação foi destinado ao pagamento de despesas próprias.

H.

Não ficou provado que o administrador da insolvente tivesse disposto dos bens em seu proveito ou no de terceiros, sendo que não se identifica na sentença qual o pretenso proveito.

I.

Faltam factos que permitam estabelecer razoavelmente o nexo entre a transmissão de bens e o prejuízo para os credores.

J.

A falta de apresentação à insolvência em nada contribuiu para o agravamento da situação financeira da insolvente ou para o avolumar de prejuízos dos seus credores.

K.

Não surgiram novos débitos após a ocorrência das condições fácticas relacionadas com o conceito jurídico de insolvência.

L.

O Recorrente não concorda com a sua afetação pela qualificação da insolvência como culposa.

M.

A afetação de pessoas singulares pela qualificação da insolvência como culposa não pode ser realizada de forma automática e sem ponderação do seu contributo para a situação de insolvência da pessoa coletiva.

N.

Há que apreciar o nexo de causalidade entre a conduta do administrador e a situação de insolvência para cumprir o disposto no artigo 189º, nº 2, alínea a) do CIRE, o que o Tribunal recorrido não fez.

O.

Tal inibição é perfeitamente arbitrária e, por isso mesmo, inconstitucional, por violação do acolhido nos artigos 47º, nº1 e 58º da CRP.

P.

A restrição dos direitos fundamentais do Recorrente viola o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18º da CRP.

Q.

Mesmo que assim se não entenda, o período de inibição sempre teria que ser fixado no mínimo legal, atenta gravidade dos factos vertidos nos autos.

R.

Idêntico raciocínio quanto à falta de fundamentação da condenação no pagamento de indemnização aos credores e do seu montante.

S.

A conduta provada do Recorrente não justifica a responsabilização do seu património pelas dívidas da insolvente, uma vez que não está provada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT