Acórdão nº 6126/15.9T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução28 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO I. T. instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra: - Herança indivisa de E. L. representada pela herdeira e cabeça-de-casal Maria supra identificada; - Maria, casada no regime de comunhão de adquiridos com P. S., - E. F..

- F. S., – M. A., solteiro, menor, cujo representante legal é a sua mãe M. M..

Pedindo a condenação dos demandados a indemnizá-la pelo incumprimento do contrato-promessa respeitante à fracção melhor identificada nos autos e respectivo recheio, devolvendo-lhe a quantia equivalente ao dobro do valor do sinal por esta prestado e do qual tem a respectiva quitação, acrescida de juros desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, ter celebrado com o falecido E. L. um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma de um prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, incluindo o respectivo recheio, no âmbito do qual lhe entregou a totalidade do preço acordado de €57.361,76.

O contrato não chegou a ser celebrado em vida do promitente vendedor. A autora interpelou os seus herdeiros com esse propósito, advertindo-os de que caso a escritura não fosse celebrada na data agendada consideraria o contrato definitivamente incumprido e perderia o interesse na sua conclusão. Estes não compareceram na data e local para o efeito designados.

*Os réus contestaram, nos termos constantes de fls. 105 a 119 do processo físico, excepcionando em primeiro lugar a ilegitimidade dos herdeiros de E. L. para serem pessoalmente demandados pela autora e arguindo a ineptidão da petição inicial por falta e/ou ininteligibilidade do pedido e/ou causa de pedir.

Impugnaram o contrato promessa, alegaram ser falso que o preço tenha sido pago e arguiram a nulidade do contrato por vício de forma, por falta de reconhecimento notarial das assinaturas e de licença de utilização do imóvel.

Deduziram, ainda, reconvenção com vista à devolução dos montantes, que alegam terem sido retirados pela autora de uma conta bancária pertencente ao falecido.

Concluíram pela improcedência da acção e pediram a condenação da autora a restituir-lhes a quantia de €16.926,75, acrescida de juros de mora, bem como no pagamento de uma indemnização por litigar de má fé.

*A autora replicou (fls. 146 e segs do processo físico), contrariando a obrigação de restituição da quantia pretendida pelos réus, bem como a invocada litigância de má fé, devolvendo-a a estes.

No mais, impugnou a factualidade alegada pelos réus na contestação e reiterou o que havia já defendido inicialmente, pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade, da ineptidão e da nulidade do contrato invocadas por aqueles.

Requereu, ainda, a alteração do pedido, por forma a que aí passe a constar o seguinte: “deverão os RR. ser condenados a reconhecer a existência do crédito da autora no valor de €114723,52 pelo incumprimento do contrato-promessa respeitante à fracção melhor identificada nos autos e respectivo recheio, crédito esse que deve ser satisfeito pelos bens da herança, acrescido de juros desde a citação e até integral e efectivo pagamento, como das custas e demais encargos processuais”.

*Os réus pronunciaram-se sobre a requerida alteração do pedido e demais questões suscitadas pela autora, nos termos constantes do requerimento de 29-03-2016 (fls. 189 e segs. do processo físico).

Realizou-se a audiência prévia, no decurso da qual a autora declarou que considerava o pedido efectuado no valor de €114.723,52 e que prescindia da requerida alteração.

Os réus, por seu turno, declararam dar sem efeito a alegação de vício formal do contrato promessa e a invocação da ilegitimidade dos herdeiros, desde que se considere a acção intentada contra os mesmos, nessa qualidade.

De seguida, foi proferido despacho saneador, em que se decidiu: - Considerar concretizado o pedido da autora para a quantia de € 114.723,52, acrescida dos juros peticionados; - Não admitir a reconvenção deduzida pelos réus; - Julgar improcedente a arguida nulidade de ineptidão da P.I.; - Julgar improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pelos réus e considerar a acção intentada contra os herdeiros de E. L., nessa qualidade.

Após, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença em que se decidiu julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver os réus de todo o pedido.

*Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: .

I- Há susceptibilidade de recurso quando o Recorrente entende existir uma incorrecta valoração da matéria factual e, ainda, quando considera existir uma errada interpretação do direito.

II- A consideração realizada pelo Tribunal a quo de não ter ficado apurado nos autos a efectiva vontade de prometer comprar e de prometer vender quando a apreciação da efectiva declaração das partes outorgantes não consta nem das alegações das partes, do objecto do processo ou dos temas da prova, jamais tendo sido suscitada por nenhuma das partes, incorrerá o Tribunal a quo em excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º nº1, alínea d), segunda parte do Código Civil.

III- A desvalorização da prova tal como ela existe e da qual se deve retirar uma interpretação lógica, coerente e ao abrigo da experiência comum – ou seja, de que o que é subscrito por um outorgante reflecte a sua vontade- especulando quanto à vontade dos outorgantes quando tal matéria jamais fora alegada por qualquer das partes implica que o Tribunal incorreu um excesso de pronuncia com o conhecimento de uma questão que não lhe fora colocada.

IV- A especulação acerca da vontade dos outorgantes, em que o Tribunal a quo colocou subliminarmente a tónica numa eventual falta ou vício da vontade do promitente vendedor, resultou na contaminação da interpretação da prova existente com a consequente resposta negativa à celebração do contrato promessa.

V- Para existir pronúncia sobre uma eventual falta ou vício da vontade por parte do Tribunal a quo tem de existir, pelo menos, a alegação de factos susceptíveis de enquadrarem tais conceitos.

VI- Não pode ser considerada a falta de convergência entre as vontades declaradas e as vontades reais com base num documento denominado de contrato promessa de compra e venda que foi alvo de prova pericial que atestou, com probabilidade, a veracidade da assinatura do de cujus com a assinatura constante no mesmo, sem que seja arguida e provada qualquer falta ou vicio da vontade.

VII- A valoração negativa da existência do contrato promessa quando não impugnada por nenhuma das partes e estando o mesmo junto aos autos reveste um carácter abusivo.

VIII- A convergência das vontades basta-se com a aceitação mutua do clausulado entre as partes, em nome da liberdade contratual e, além disso, com a prova produzida nos autos, não podendo, assim, o Tribunal recorrido ultrapassar a prova cabal constante no processo que considera, de forma clara, que o contrato efectivamente existe e que, inclusivamente, existem indícios objectivos acerca da probabilidade de a assinatura aposta no contrato ser genuína.

IX- Sendo a prova pericial requerida com base na necessidade de um técnico especializado aferir da questão, deve existir por parte do julgador especial cuidado e fundamentação da convicção quando infirma o resultado de um exame pericial que é o corolário da apreciação técnica emanada por entidade reconhecidamente idónea e competente.

X- Pese embora o principio da livre apreciação de prova dê ampla margem ao julgador na apreciação do exame pericial, a valoração negativa de tal exame terá que ser consentânea com as regras de experiência comum, da lógica e da razão de forma a que a convicção do Tribunal possa fundamentada e justificadamente sobrepor-se aos conhecimentos técnicos de um perito que analisando um documento o considera como sendo de provável assinatura pelo de cujus.

XI- O conhecimento, não invocado, pelo Tribunal a quo da eventual convergência entre a vontade real e a vontade declarada, ao não constar dos temas de prova nem sendo alegada por nenhuma das partes, excede a pronúncia admitida ao julgador, estando a violar-se o princípio do dispositivo e incorrendo, assim, numa nulidade da sentença nos termos do 615.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil.

XII- Ao concluir o Tribunal a quo pela inveracidade do contrato promessa, sem que tal tenha sido alegado ou sustentado pelas partes, incorre num claro excesso de pronúncia.

XIII- Não pode o julgador exceder o próprio direito civil ao tentar subsumir um contrato promessa de compra e venda que diz que não acreditar na sua efectiva existência, quando, na verdade, a figura da inexistência não está tutelada na parte geral do direito civil.

XIV- De acordo com o melhor entendimento doutrinal e jurisprudencial, a inexistência mais não é do que a possível existência de nulidade ou anulabilidade, as quais carecem sempre de interpretação e concretização fáctica, o que, no caso, não foi realizado.

XV- Ao inexistir qualquer facto alegado que seja de possível subsunção ou enquadramento na matéria da falta e vícios de vontade, não pode o julgador, arbitrariamente, considerar um contrato ferido de qualquer vicio, sem expor quais os factos que o inquinam e sem consubstanciar onde se enquadra essa alegação.

XVI- Ao ter considerado que o contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e o Recorrente se pauta pela “inveracidade” o Tribunal a quo extrapola os limites dos temas da prova e dos factos e alegações constantes nos articulados e, consequentemente, excede a pronúncia.

XVII- Ainda que fosse permitido ao Tribunal a quo conhecer da invalidade de um negócio jurídico, a verdade é que tal não se poderá nunca bastar com a mera conclusão da sua inexistência, impondo-se que tal conhecimento se estribe em factualidade dada como provada que explicitasse...

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