Acórdão nº 42116/18.6YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ CRAVO
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * 1 – RELATÓRIO X - Sociedade de Transportes, Ldª intentou contra A. S.

procedimento de injunção (1), reclamando o pagamento da quantia de € 2.141,02, sendo € 1.700 relativa à factura nº 1848, emitida em 24-04-2017 por diversos artigos fornecidos, € 144,02 de juros de mora vencidos, € 246 de despesas com a cobrança da presente dívida (mais precisamente uma provisão para honorários pagos à sociedade de advogados de que faz parte o signatário) e bem assim a taxa de justiça autoliquidada no montante de € 51,00.

Em sede de oposição à injunção, a requerida defendeu-se por excepção e impugnação, tendo suscitado a incompetência internacional do Tribunal.

Ouvida a requerente à matéria da excepção, alegou que não se tratava de um contrato de fornecimento de bens ou serviços, mas sim um contrato de transporte internacional de mercadorias.

Entendendo o Tribunal que estava em causa uma alteração à causa de pedir, o que se encontrava confessado pela Ré na sua contestação, admitiu a alteração da causa de pedir nos termos do art. 265º/1 do CPC, por despacho de 11-07-2018, tendo, sob pena de rejeição do requerimento inicial, convidado a A., em 10 dias, a concretizar os factos em consonância com tal alteração.

O que esta fez.

Conhecendo da suscitada excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, pronunciou-se o Tribunal a quo nos seguintes termos: A Ré veio invocar a incompetência internacional dos tribunais portugueses, invocando que a mesma apenas possui sede em França e não possui qualquer sucursal em Portugal.

A Autora respondeu pugnando pela improcedência da alegada exceção.

Cumpre decidir: O artigo 59º, do C.P.Civil, dispõe que os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artº 94º (pactos privativo e atributivo de jurisdição), mas isto sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais. Predomina, na Doutrina e na Jurisprudência, o entendimento de que a competência do tribunal se determina – mais do que a partir da prova dos factos alegados e do seu efeito jurídico – em função do modo como o autor estruturou o seu pedido e a respetiva causa de pedir.

A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe e é a lei processual que fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais (Artºs 37º, nº 2, e 38º, nº 1, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ)).

Para Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, página 90) “São vários esses elementos também chamados índices de competência (CALAMANDREI). Constam das várias normas que provêem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção — seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina REDENTI (1), afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes. A competência do tribunal não depende pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deveriam ser as partes e os termos dessa pretensão. Mesmo quando a lei, não se atendo pura e simplesmente aos termos em que a acção está deduzida, requer a indagação duma circunstância extrínseca (valor ou situação dos bens pleiteados, domicílio do Réu, lugar do contrato ou do facto ilícito, etc) é através desses termos que há-de saber-se qual o ponto a indagar”.

A questão da competência internacional surge quando no pleito se desenham elementos em conexão com outra ordem jurídica, para além da portuguesa. Nesta matéria, o que está em causa é verificar os limites da jurisdição do Estado Português; definir sobre se, relativamente àquela acção concreta, os tribunais portugueses, no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, assumem o direito e se impõe o dever de exercitar a função jurisdicional (Manuel de Andrade, obra citada, página 88).

Nos termos do disposto no artigo 8º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

A competência internacional dos tribunais portugueses é determinada ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Conselho, de 12 de Dezembro, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, Regulamento este que é diretamente aplicável a todos os Estados-Membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (artigos 1.º, 68.º e 76.º e, em Portugal, o artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa) e prevalece perante as normas reguladoras da competência internacional previstas no Código de Processo Civil.

Este Regulamento estabelece a regra do domicílio como fator de conexão essencialmente relevante para a determinação da competência internacional do tribunal, no sentido de que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado – artigo 4.º n.º 1 – ou seja, a regra geral, em matéria de competência internacional, é o foro do domicílio do réu, seja qual for a sua nacionalidade.

Contudo, a regra do domicílio ou sede, como factor de determinação da competência judiciária, não é absoluta, existindo casos em que é possível instaurar a ação nos tribunais de Estado-Membro diverso daquele onde o sujeito passivo esteja domiciliado ou sedeado – por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do Capítulo II (artigo 5.º n.º 1).

No que concerne aos critérios especiais de determinação de competência, supra referidos, releva essencialmente, o disposto no artigo 7.º n.º 1 a) do Regulamento, segundo o qual, em matéria contratual, uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, estabelecendo a alínea b) desse artigo que o lugar de cumprimento da obrigação será, no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues e, no caso de prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.

Por último, a alínea c) previne que se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a).

A norma acima mencionada corresponde ipsis verbis à norma contida no anterior artigo 5º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22 de dezembro de 2000, entretanto revogado pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Conselho, de 12 de Dezembro.

Já anteriormente o entendimento da jurisprudência e plasmado no Acórdão do STJ de 21/06/2011, in CJ/STJ, ano XIX, Tomo II, pág. 131 -, era o seguinte: “subjacente ao critério especial acolhido no artigo 5.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento, esteve a ponderação de que o foro do lugar do cumprimento da obrigação é o mais bem colocado para a condução do processo, bem como aquele com o qual, em geral, o litígio apresenta a conexão mais estreita e que, com o objectivo de limitar divergências associadas ao recurso à aplicação das regras de direito de conflitos do Estado do foro, na referida alínea b) se “estabeleceu um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação” nas concretas situações de venda de bens e de prestação de...

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