Acórdão nº 1295/17.6T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO DAMIÃO E CUNHA
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrente:- X (…) S. A.

Recorrido:- Y (…) S. A.

*X (…) S. A. instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra Y (…) S. A., pedindo que, na procedência da acção:

  1. Seja declarada ilícita e culposa a conduta da Ré na recusa de conclusão do negócio com a Autora.

  2. seja a Ré condenada a pagar à Autora os danos decorrentes da conduta ilícita daquela, no valor de 200.000,00€ (duzentos mil euros) e ainda o valor de 10.500,00€ (dez mil e quinhentos euros), ambos acrescidos de juros contados à taxa legal, desde a citação, até efectivo e integral pagamento.

  3. seja a Ré condenada a pagar danos futuros que se venham a apurar num incidente de liquidação em sede de execução de sentença.

    Alegou para tanto, e em síntese, que negociou com a Ré a celebração de um contrato de aquisição e edificação de um armazém automático, sendo que a Ré injustificadamente violou culposamente o compromisso assumido com a Autora ao romper unilateralmente as negociações, após ter criado nesta última legítimas e objectivas expectativas e uma clara da seriedade do seu propósito de contratar e de que iria concluir o negócio. A Ré rompeu com as negociações de uma forma ilegítima, arbitrária, unilateral, intempestiva, sem justa causa e profundamente desleal.

    De tal comportamento, advieram para a A. danos pelos quais peticiona compensação/indemnização a uma indemnização com base na alegada responsabilidade pré-contratual:

  4. O montante de EUR 200.000,00, correspondente à diferença entre o preço que terá que pagar à N. (…) S.L.U (doravante “N.”) e aquele que teria que pagar à R., decorrente de um alegado aumento do preço do aço; b) A quantia de EUR 10.500,00, alegadamente decorrente do tempo que o Administrador e Director de Projecto da A. dedicaram às negociações; c) Montantes a liquidar pelas eventuais penalizações em que a A. possa vir a incorrer por força de eventuais atrasos nos termos do contrato que a A. celebrou com o IAPMEI.

    *Contestou a Ré impugnando os factos invocados pela A., alegando que o que ocorreu foi um processo negocial que, como muitos outros, terminou sem o encontro de vontades das partes envolvidas; o contrato foi negociado mas nunca concluído entre a A. e a R.

    *Foi proferido despacho saneador em sede de audiência prévia (cf. acta de fls. 220 e ss).

    *Procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo.

    *Na sequência foi proferida a seguinte sentença: “III- Decisão.

    1. Pelo exposto, o Tribunal decide julgar improcedente por não provada a presente acção e, em consequência, decide absolver a Ré do pedido.

    2. Não se apuraram elementos suficientes para se poder concluir pela litigância de má-fé de qualquer uma das partes.

    3. Custas a cargo da A.

    4. Registe e notifique.” *É justamente desta decisão que a Autora/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “IV - CONCLUSÕES (…) 71. Por todos os factos expostos, os dados como provados e ainda os que deveriam ter sido dados como provados, resulta estarmos perante um inequívoco caso típico de responsabilidade pré-contratual, em que a Ré deve responder perante a Autora pela sua manifesta culpa na não formalização da negociação contratual havida, tendo aquela procedido com manifesta má fé, devendo, pois, responder pelos danos daí resultantes, nos termos do art.º 227º, n.º 1 do CC, incorrendo em responsabilidade pré-contratual, na medida em que se encontram plenamente preenchidos todos os requisitos deste instituto.

    5. O facto voluntário, que se traduziu na criação na esfera da Autora, da legítima expectativa ou confiança na conclusão do contrato de fornecimento e instalação de uma estrutura metálica de armazenagem autoportante e na recusa repentina e injustificada da conclusão do mesmo por parte da Ré; O dano decorrente da injustificada quebra do negócio, que consubstanciou no prejuízo que a Autora sofreu em consequência dessa não conclusão e recusa, vendo a Autora o preço da obra agravada em 200.000,00€, desde logo, por força do aumento exponencial do preço do aço no período em que a Ré quebrou o negócio (vide doc. 40) e ainda pelo valor estimado de cerca de 5.500,00€ de afectação de recursos humanos ao projecto malogrado; A ilicitude, traduzida na própria arbitrariedade do rompimento e violação do dever de lealdade e boa-fé nos termos acima indicados em infracção do disposto no citado art.º 227º e 762º do Código Civil; A culpa pelo incumprimento de obrigações pré-contratuais por parte da Ré, consistente no juízo de censura e de reprovação ético-jurídico que a conduta da Ré merece; E por último, o nexo de causalidade existente entre a conduta ilícita da Ré e os danos sofridos pela Autora, que são directos e consequenciais, não tendo outros factores concorrido para a ocorrência daqueles danos, senão a actuação da Ré.

    6. Sucede que, enquanto a Autora e Ré se mantiveram em negociações com vista à concretização do contrato de fornecimento e montagem de uma estrutura metálica de armazenagem autoportante e seus anexos, estabeleceram entre si um relacionamento muito particular em que sobressaiu a revelação das suas necessidades e conveniências, das suas apetências negociais e dos objectivos que as moviam. A esse propósito, assinala Pedro Pais de Vasconcelos que as partes em negociações «(…) incorrem em despesas, assumem riscos, colocam-se muitas vezes em posições de fragilidade e expõem-se a perigos», estabelecendo entre si «relações de confiança».

    7. O iter negotti caracteriza-se por envolver duas fases distintas nas relações negociais que se estabelecem: a negociatória, constituída pelos actos tendentes à celebração do contrato, e a decisória, constituída pela conclusão do acordo, devendo as partes, durante todo o percurso do caminho contratual, proceder segundo as regras da boa fé, conforme prescreve o art.º 227 do CC. A razão de ser deste preceito está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa fé, na medida em que se considera que o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato.

    8. Sendo que no caso em apreço, além da fase da negociação em si, deverá o juiz decisor atender ao facto de que o contrato já havia sido analisado e corrigido por ambas as partes, estando o mesmo assinado por uma das partes e aguardar a assinatura da Ré, quando esta se recusou a concluir o contrato, mesmo sabendo da suma importância deste projecto para a Autora, da sua urgência e do impacto que causaria a esta ter que recomeçar as negociações todas desde o início com uma nova empresa. Por essas razões, é líquida a manifesta má-fé da Ré, que agiu de forma desleal para com a Autora pois apenas na fase final suscitou questões que já se encontravam acordadas, aproveitando-se da necessidade da Autora na concretização deste projecto.

    9. A relação pré-contratual estabelecida no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que negoceiam será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a aludida ruptura ou recusa. A decisão de terminar a negociação formalizando o contrato é certo que é livre, mas não pode ser arbitrária como efectivamente foi no caso em apreço. Pelo que, a arbitrariedade da Ré em simplesmente não assinar o contrato, conjugada com todo o descrito contexto de longas negociações e urgência da Autora merece a tutela do direito.

    10. Como referido, houve negociações avançadas entre Autora e Ré, por forma a criar naquela, legítimas expectativas de conclusão/consumação do negócio, com vista ao fornecimento e montagem de uma estrutura metálica de armazenagem autoportante, ao ponto de levar a Autora a concretizar um grande investimento de meios, tempo, de entusiasmo, de trabalho e de custos. A desistência da Ré, sem justa causa, em formalizar o contrato e seus anexos, implica responsabilidade pré-contratual e a inerente obrigação de indemnizar a Autora.

    11. A falta de motivo na recusa da Ré em concluir o contrato prende-se com o facto de inicialmente ter arguido que afinal não aceitava as penalizações contratuais, e mesmo quando a Autora aceitou que as mesmas fossem reduzidas ou mesmo eliminadas, manteve a Ré a sua posição de recusa.

    12. Assim como, por último, veio arguir a questão do tempo de execução do contrato e mesmo quando a Autora cedeu mais 2 meses na calendarização do que o inicialmente previsto e até acordado, a Ré manteve a sua posição de recusa. Ou seja, mesmo cedendo nas exigências impostas pela Ré na fase de outorga do contrato relativamente a questões já acordadas entre as partes, (vide doc. 32 email de 06/07/2016), ainda assim, a Ré manteve a sua recusa de assinar o contrato.

    13. Em rigor, a Ré deixou de repentinamente ter interesse no contrato, servindo-se de falsas questões para justificar a arbitrariedade da sua decisão de recusa, o que denota uma expressiva demonstração de má-fé. Ensina João Baptista «Por isso mesmo, para viabilizar o tráfico negocial, exige-se esse tipo de responsabilização por essa conduta comunicativa e pelas expectativas por esta geradas».

    14. Aliás, sobre este ponto, José de Oliveira Ascensão ensina, bem assertivamente, que «a fase que precede a formação de um contrato não é um vazio jurídico. Mesmo fora do que representa propriamente o processo formativo do contrato – que desemboca no acordo – há já disciplina jurídica. E isto ainda quando as partes não tenham celebrado nenhum contrato preliminar nem estejam doutro modo sujeitas a um dever de contratar» – negrito nosso.

    15. É que, a liberdade de negociação de que gozam as partes não implica, de forma alguma, que a...

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