Acórdão nº 157/17.1JAPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelFÁTIMA FURTADO
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.

(Secção penal) Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Maria José Matos.

  1. RELATÓRIO No processo comum coletivo nº 157/17.1JAPRT.G1 do Juízo Central Criminal de Vila Real, Juiz 3, da comarca de Vila Real, em que são arguidos C. O. e R. S., com os demais sinais dos autos, arguiu a primeira, em sede de contestação, que a inquirição no decurso do inquérito de M. P. na qualidade de testemunha, quando se impunha que tivesse sido constituída arguida, porquanto a sua conduta se subsume à prática de ilícitos criminais, gerou a nulidade por insuficiência de inquérito, prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal.

    A arguição dessa nulidade foi indeferida por despacho datado de 12 de abril de 2018, com o seguinte teor: «Da nulidade arguida por violação dos artigos 58º e 59º do Código de Processo Penal pela arguida C. O. em sede de contestação.

    Muito em síntese, alega a arguida que M. P. foi ao longo de todo o inquérito na qualidade de testemunha quando se impunha que tivesse sido constituída como arguida, porquanto a sua conduta se subsume à prática de ilícitos criminais. Assim, a não constituição da dita testemunha como arguida gerou nulidade por insuficiência de inquérito (artigo 120º, n.º 2 al. d) do Código de Processo Penal).

    Tal nulidade foi já arguida em sede de instrução e foi indeferida. Porém, a arguida não se conforma com tal decisão e sujeita a questão a nova a apreciação nesta fase, o que lhe é permitido de harmonia com o estatuído no artigo 310º, n.º 2 do Código de Processo Penal, quando entendida no prisma da exclusão de provas proibidas.

    Sem prejuízo de ser evidente que a questão se mantém em aberto – porque passível e dependente de produção de prova e consequente valoração – no que respeita à invocada violação do artigo 126º do Código de Processo Penal, impõe-se apreciar desde já o que não esteja sujeito a produção de prova, mormente a nulidade por violação dos artigos 58º e 59º do Código de Processo Penal.

    Vejamos, então.

    Primeiro: o inquérito nunca correu contra M. P., que sempre teve a qualidade de testemunha e assim foi inquirida. Logo, situamo-nos no âmbito do artigo 59º do Código de Processo Penal, que reza no seu n.º 1 que se, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n.º 2 do artigo anterior. E, o seu n.º 2 estatui que a pessoa sobre quem recair suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituída, a seu pedido, como arguido sempre que estiverem a ser efectuadas diligências, destinadas a comprovar a imputação, que pessoalmente a afectem.

    Segundo. A referida testemunha nunca pediu para ser constituída como arguida.

    Terceiro. Não foi constituída como arguida pelo Ministério Público em inquérito, que entendeu – a avaliar pela acusação deduzida e prova indicada – não existirem fundadas suspeitas de crime.

    Ora, a existência de indícios e a sua apreciação ao nível do Inquérito é da soberania do Ministério Público (artigos 53º, 262º, 267º e 127º, do Código de Processo Penal), devendo obedecer a critérios d e estrita objectividade, o que é sindicável por via da intervenção hierárquica ou de instrução.

    No caso, não cumpre neste momento apreciar a questão de saber se existem fundadas suspeitas de crime por parte da testemunha M. P., desde logo, porque as suas declarações em inquérito não podem ser consideradas. O inquérito foi encerrado com a dedução da acusação e a instrução pronunciou os arguidos nos seus precisos termos, indeferiu todas as nulidades arguidas e manteve a prova indicada na acusação na íntegra, para ela remetendo.

    Noutro prisma dir-se-á que o actual Código de Processo Penal limita-se, no artigo 57.º, a indicar que “assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal”. Para além daqueles actos processuais que, por si mesmos, conferem a qualidade de arguido às pessoas contra os quais são praticados, o código vigente prevê ainda outras situações em que impõe a constituição de arguido. Entre elas as previstas nos artigos 58.º e 59.º do Código de Processo Penal. Por fim, os artigos 60.º e 61.º do Código de Processo Penal ocupam-se com a definição da posição processual e do estatuto do arguido.

    Ora, subjacente às situações de obrigatoriedade de constituição como arguido está a ideia fundamental de conferir possibilidade de defesa à pessoa colocada em situação de suspeita, quer pelas suas próprias declarações, quer por outras diligências destinadas a confirmar as suspeitas existentes.

    E, por isso mesmo, trata-se de nulidade sanável e dependente de arguição conforme estatui o artigo 120º nº 2, al. d), do Código de Processo Penal.

    Para concluir que a nulidade resultante da falta de constituição de arguido apenas por ele pode ser arguida e, no caso, não foi. Foi arguida pela ora arguida, que carece de legitimidade para tanto.

    Assim, inexiste a arguida nulidade por falta de constituição obrigatória no arguido no inquérito da testemunha M. P..»*Inconformada, a arguida C. O. interpôs recurso interlocutório deste despacho, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões: «1-Todas as provas existentes nos autos a partir do momento em que a testemunha M. P. iniciou o seu depoimento, em 4 de Abril de 29017, são nulas.

    2-São nulas porque tal testemunha teria que ser imediatamente constituída arguida, nos termos do artº 58º e 59º do CPP.

    3-A testemunha M. P. confessa claramente a prática dos factos em investigação (comparticipação ou, pelo menos, cumplicidade num crime de homicídio).

    4-É verdade que não corria inquérito contra a testemunha, pois era contra incertos, 5-É verdade que a testemunha não pediu para ser constituída arguida, 6-Não é menos verdade que, a “testemunha” nunca foi advertida (v.g. o auto) da possibilidade de se constituir como arguida, pois as suas declarações eram manifestamente incriminatórias.

    7-Mas, a verdade é que o Ministério Público, que se deveria reger por critérios de pura objectividade, entendeu delinear uma estratégia que passava pela protecção da “testemunha” M. P. de forma a poder validar provas claramente ilegais.

    8-A não constituição como arguida da “suspeita” (como é designada aquando da promoção e autorização de escutas telefónicas) não pode passar como “gato sobre brasas”… 9-A ora recorrente reclamou, ainda na fase de instrução, a nulidade das provas obtidas na sequência da ilegalidade cometida, ao não se constituir arguida a testemunha M. P..

    10-As nulidades invocadas nunca podem estar sanadas.

    11-Ao não se permitir que a requerente – em obediência ao rigor e objectividade – reclame a constituição como arguida da testemunha M. P., está, seguramente, a violar- se, de forma grave, os mais elementares direitos de defesa consagrados constitucionalmente.

    12-A interpretação do artº 58º e 59º do C.P.C., segundo a qual só a pedido do próprio arguido ou o Ministério Público poderia uma testemunha ser constituída arguida é inconstitucional, por violação manifesta do normativo consagrado no nº 1 do artº 32º da C.P.R., o que ora se invoca.

    13-A violação do direito de defesa da recorrente, ao ver validadas provas que são nulas (pois obtidas na sequência de grosseira ilegalidade), leva à declaração da nulidade da acusação e pronúncia.

    14-A decisão que declara válidas as provas obtidas após a ilegalidade da não constituição como arguida da testemunha M. P. é violadora dos artºs 58º e 59º do CPP.

    15-A decisão que interpreta o artº 58º e 59º do CPP no sentido de impedir que um dos arguidos requeira a constituição de arguida de terceiro (protegido pelo Ministério Público) está ferida de inconstitucionalidade. Pois, 16-Viola o direito a todas as garantias de defesa, consagrado no nº 1 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa, interpretação do artº 58º e 59º do CPP no sentido de que não é possível que um co-arguido requeira a constituição como arguido de testemunha (que confessa a prática do crime e que só não é constituída arguida porque o Ministério Público entende, ao arrepio do principio da objectividade, protegê-la para assim ver validade prova claramente ilegal) 17-O tribunal de julgamento não pode alterar os sujeitos processuais, nem o objecto do processo (solvo raras excepções), mas pode declarar nulas as provas obtidas através do cometimento de ilegalidades, sejam elas praticadas pelo Ministério Público, sejam praticadas pelo Juiz de Instrução Criminal.

    18-Neste processo já não se verá a “testemunha” M. P. como arguida (certamente que, no fim deste processo, o Ministério Público instaurará novo processo para que a dita testemunha possa então responder pelos factos que cometeu, sem afectar a prova destes autos), mas pode e deve ver-se declarada a nulidade da prova conseguida a partir do momento em que a testemunha deveria ter sido constituída arguida e não foi, isto é, o início das suas declarações a 04-04-2017. (fls. 122).

    19-A justiça não se faz com estratégias de investigação que protejam uns em detrimento de outros!!!» O recurso interlocutório foi admitido por despacho de 2 de maio de 2018, com subida diferida, nos próprios autos, conjuntamente com o recurso que vier a ser interposto da decisão que puser termo à causa e sem efeito suspensivo.

    Respondeu o Ministério Público junto da primeira instância, concluindo dever ser negado provimento ao recurso interlocutório.

    *Realizada a audiência de julgamento, foi proferido acórdão em 8 de novembro de 2018 e depositado no mesmo dia, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto e em conformidade acordam os juízes que constituem este tribunal colectivo, em julgar procedente a pronúncia, por provada e, em consequência: I.

    Condenar a arguida C. O. como autora de um crime de homicídio qualificado na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 131º, n.º 1 e...

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