Acórdão nº 275/17.6T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Data da Resolução16 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.

RELATÓRIO C. P.

, divorciado residente na Avenida …, V.N. de Famalicão, veio propor acção de indeminização por violação de direitos de personalidade contra P. M.

, médico, titular da cédula profissional n.º ..., com domicílio profissional na Unidade Local de Saúde do …, EPE, com sede na Estrada …, Viana do Castelo formulando o seguinte pedido: Que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, sem prejuízo do disposto no artigo 569º do CC.

A fundamentar este pedido alegou em síntese o seguinte: O Réu, em 25/05/2013, 05/09/2013, 26/09/2013, 03/10/2013, 17/10/2013 e 14/11/2013, agendou no Hospital de ... consultas para avaliação psiquiátrica do Autor a pedido de interposta pessoa (ex-cônjuge do Autor), na sequência das quais praticou diversos atos clínicos sem o consentimento e a presença do Autor, e sem que este tivesse sido examinado presencialmente alguma outra vez além da que foi na citada consulta privada de inícios de 2013 - (vide docs. n.ºs 4 a 12 juntos com a p.i.) Assim, ao proceder desta maneira, o Réu emitiu e renovou receituário e certificados de incapacidade, e ainda elaborou outros dois relatórios sobre o alegado estado de saúde psíquica do Autor, sem ter certificado, por si, da veracidade e cabimento da causa invocada para o efeito.

Ao atuar desta o Réu não pautou exclusivamente pela sua ciência e consciência, tendo violado ostensivamente os principais deveres deontológicos a que está adstrito: a dignidade e o segredo médico. Ora, com um comportamento imprudente, desaprovado e totalmente displicente, o Réu não só desrespeitou por completo regras basilares da medicina, como também agrediu direitos de personalidade do Autor, concretamente, o direito ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar [ex. vi do artigo 26º da Constituição da República Portuguesa (CRP)], causando-lhe danos irreversíveis.

E tudo isto se agrava se atendermos ao facto do Autor ter estado ausente de Portugal entre 6 de Dezembro de 2013 e 28 de Fevereiro de 2014 (vide docs. n.ºs 13 a 17 juntos com a p.i.), o que impossibilitaria ao Réu de atestar sobre o verdadeiro estado de saúde do Autor.

Regularmente citado o Réu contestou em sua defesa alegou em síntese o seguinte: Invocou a sua ilegitimidade dizendo que a sua atividade profissional está coberta por seguro de responsabilidade civil pela prática de atos médicos, no seguimento do desiderato agora suscitado deduziu o incidente da intervenção principal provocada, requerendo chamamento da seguradora para qual tinha transferido a sua responsabilidade pelo risco da atividade que exerce.

Deduziu a exceção dilatória do caso julgado alegando que o autor já exerceu esta mesma pretensão junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, acabando por desistir do pedido. Assim como existe e tríplice identidade dos sujeitos, da causa de pedir e do pedido, neste contexto se configura a exceção dilatória do caso julgado, a que dá lugar á absolvição da instância.

Por fim invoca a exceção perentória da prescrição com fundamento de que já decorreram mais de três anos desde a data em que os factos foram praticados pelo Réu e de servem de fundamento à presente ação.

Conclui pela improcedência total da ação.

O incidente de intervenção principal provocada foi admitido tendo a chamada Companhia de Seguros X Portugal – Companhia de Seguros S.A., aceite chamamento, contestando a ação.

Para o efeito alega que os atos praticados pelo Réu não estão a coberto do âmbito e garantia do contrato de seguro conforme o artigo 1.º da cláusula 21, a responsabilidade civil do Réu segurado inerente ao exercício da profissão especificada na apólice.

Invoca a exceção perentória da prescrição com os mesmos fundamentos que o Réu invocou em sua defesa.

Finalmente impugnou os factos alegados pelo Autor dizendo que não há obrigação de indemnizar uma vez que o Autor não alegou qualquer facto concreto de onde se possa aferir que a conduta do Réu seja ilícita.

O Autor replicou, pugnou pela improcedência das exceções caso julgado e prescrição Realizou-se audiência prévia.

No seguimento da audiência prévia e após a audição das partes quanto às excepções invocados o tribunal entendeu, que nesta fase processual, o processo já reunia os elementos essenciais para se conhecer do mérito da causa.

Seguiu-se saneador sentença que terminou com o seguinte dispositivo: Em face do exposto quanto a exceção dilatória do caso julgado decido: a). Julgar improcedente a exceção dilatória do caso julgado invocada pelo Réu; b). Julgar verificada a exceção perentória processual imprópria da autoridade do caso julgado, julgando-se, consequentemente, a presente ação totalmente improcedente, absolvendo-se o Réu e a chamada Companhia de Seguros do pedido.

Sem custas uma vez que Autor goza do beneficio do apoio judiciário.

Descontente com esta decisão veio o autor interpor recurso de apelação, o qual foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

Nas alegações de recurso da apelante são formuladas as seguintes conclusões: 1-O Recorrente deduziu junto do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga Acção Administrativa Comum contra P. M., …, EPE e M. C. (que deu origem ao processo n.º 625/16.2BEBRG, Unidade Orgânica 1).

2-Na predita Acção Administrativa, o Recorrente pediu a condenação solidária dos ali Réus ao pagamento de uma indemnização nunca inferior a 100.000,00€, por entender que aqueles, entre outras coisas, agrediram violentamente direitos de personalidade seus.

3- O Recorrente formulou junto do TAF de Braga uma desistência do pedido contra os ali réus.

4- Tal pedido foi admitido e homologado por sentença no dia 11 de Julho de 2016.

5- Comparados ambos os processos, nomeadamente a identidade de partes, de pedidos e da causa de pedir, resulta clarividente que não se encontram preenchidos quaisquer requisitos que a lei faz depender para que se possa invocar a excepção do caso julgado – cf. artigo 581º do C.P.C, tal como o Mmo. Juiz a quo bem entendeu/decidiu.

6- Relativamente aos sujeitos processuais, constata-se que apesar do aqui Recorrente (Autor) e Réu intervirem na mesma qualidade na Acção Administrativa n.º 625/16.2BEBRG, aí existiram outros dois Réus (UNIDADE LOCAL DE SAÚDE ..., EPE e a M. C.).

7- Quanto ao pedido, temos que na Acção Administrativa n.º 625/16.2BEBRG o Recorrente pediu a condenação solidária dos ali Réus ao pagamento de uma indemnização nunca inferior a 100.000,00€. Enquanto nesta acção o Recorrente pede a condenação do Réu ao pagamento da quantia de 20.000,00€.

8- Além disso, o pedido formulado numa e noutra acção não é de todo semelhante, não se vislumbrando com rigor a identidade do pedido (Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado vs Responsabilidade Civil do Réu). E também a causa de pedir, numa e noutra acção, é diferente.

9- Na verdade, na presente acção o Recorrente alegou factos que inexistiam à data em que Acção Administrativa n.º 625/16.2BEBRG deu entrada no TAF de Braga (Março de 2016), como é o caso da pena disciplinar de advertência em que o Réu foi condenado pelo Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos.

10- Seguindo de perto o magistral Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-04, Processo 948/04 – 2ª Secção, se “em duas acções sobre o mesmo acidente jamais existirá identidade da causa de pedir (e consequentemente do pedido) quando os prejuízos alegados (e pedidos) não coincidem”, podemos afirmar que, não existindo coincidências entre os prejuízos alegados e peticionados no presente processo e na Acção Administrativa n.º 625/16.2BEBRG, falha a referida tríplice identidade, pressuposto legalmente exigido para a procedência da excepção dilatória do caso julgado (tal como o Mmo. Juiz a quo bem entendeu).

11- Quanto à excepção peremptória da autoridade do caso julgado, reitera-se a doutrina e jurisprudência referida ao longo das alegações, salientando: 12- A excepção da autoridade do caso julgado está intimamente interligada com a força do caso julgado material, que abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedentes lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.

13- Ou seja, através daquela excepção visa-se o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito.

14- Mas para se saber se uma dada decisão tem “autoridade de caso julgado” noutro processo, é necessário proceder-se à determinação dos limites daquela decisão, ou seja, dos “termos em que a sentença julga”.

15- Neste conspecto, a desistência do pedido formulada pelo Recorrente no processo administrativo n.º 625/16.2BEBRG, constituiu um negócio processual (unilateral) efectivamente firmado pela parte interveniente na acção, correspondente àquilo que ela realmente quis (a desistência do pedido é livre – ex. vi do n.º 2 do artigo 286º do C.P.C.).

16- Ao homologar tal declaração de desistência, a Mma. Juiz do TAF de Braga, nos termos do disposto no art.º 290.º, n.º 3 do C.P.C., limitou-se a fiscalizar a legalidade, a verificar a qualidade do objecto desse negócio jurídico e a averiguar a qualidade da pessoa que fez tal declaração.

17- Portanto, em momento, a Mma. Juiz tomou qualquer posição acerca do litígio propriamente dito, isto é, jamais dirimiu jurisdicionalmente o pleito.

18- Logo, a autêntica e única fonte da solução do litígio é o acto de vontade do proponente da acção e não a sentença do julgador sobre tal questão.

19- Ex positis, é patente, pelo menos para nós, que a questão que o Recorrente pretende ver apreciada no presente processo, nunca foi discutida na referida acção administrativa.

20- Além do mais, não há qualquer correspondência entre os pedidos e a causa de pedir (em comum apenas existe o facto do Dr. P. M...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT