Acórdão nº 1431/17.2T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | EUGÉNIA CUNHA |
Data da Resolução | 09 de Maio de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães *I.
RELATÓRIO (…), residente na Rue (…) Luxemburgo e (…) residente em (…) (…) , vieram intentar a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…), residente na Rua(..) pedindo que sejam reconhecidos como filhos do falecido (…) .
Alegam, para tanto e resumidamente, que a sua mãe e o falecido (…) mantiveram uma relação de namoro, fruto da qual nasceram os Autores.
A Ré contestou, defendendo-se por exceção, ao invocar a caducidade do direito dos demandantes a propor a presente ação, por à data da propositura da presente ação já terem decorrido mais de dez anos sobre as datas em que os Autores atingiram a maioridade (daí a caducidade do direito que aqui pretendem exercer, nos termos do art.º 1817.º, n.º 1, do Código Civil), e por impugnação, ao negar a matéria de facto vertida na petição inicial.
Os Autores responderam à matéria de exceção, alegando que sempre foram reputados e tratados como filhos por (…) bem como reputados como tal pelo público em geral e que tal tratamento apenas cessou com a morte do progenitor, ocorrida no dia 3 de Setembro de 2015. Concluem, assim, que o prazo especial previsto no n.º 3, do art.º 1871.º, do Código Civil, foi respeitado, motivo pelo qual não caducou o seu direito à instauração da presente ação de investigação da paternidade.
Foi proferido despacho saneador e procedeu-se à fixação dos temas de prova.
*Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
*foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Face ao expendido supra, julgo a presente acção totalmente procedente, por provada e, consequentemente, decido: - Reconhecer e declarar que os Autores (…) e (…) são filhos de (…), falecido no dia 3 de Setembro de 2015, no estado de solteiro, natural da freguesia de (…), concelho de (…) e com última residência na Rua (…) filho de (…) e (…).
- Determinar a comunicação à competente Conservatória do Registo Civil da procedência da presente acção a fim de ser alterado o registo da nascimento dos Autores, passando a constar o nome do pai e avoenga paterna.
Custas pela Ré.
Registe e notifique.
Transitada que se mostre esta sentença, comunique-a à respectiva Conservatória do Registo Civil”.
*A Ré apresentou recurso de apelação, pugnando por que sentença recorrida seja revogada com todas as legais consequências e declarada a caducidade do direito de ação exercitado pelos Autores pela presente ação, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1- a) A presente ação fundamentou-‐se em duas presunções; b) a primeira presunção assentou na circunstância de ter existido um relacionamento sexual entre a mãe dos AA. e o pretenso pai durante o período legal de concepção; c) a segunda presunção: a posse de estado dos AA. face ao pretenso pai; d) é inquestionável que ficaram provados os laços de filiação biológica entre o pretenso pai e os AA; e) ao invés, entende a apelante que os AA não beneficiam da invocada posse de estado.
E desde logo porque f) são os próprios AA. que nos Arts.27º e 28º da douta PI afirmam que o pretenso pai ”nunca participou na educação dos Autores, nunca contribuiu para o seu sustento”; g) a própria mãe dos AA., no seu depoimento, à pergunta “quando ele veio de Angola foi ter com os filhos. A partir daí começou a ajudar a senhora?”, respondeu: “Não. Não”; h) questionada se “algum dia o Sr. AN deu alguma coisa aos filhos”, respondeu: “Não senhor. Isso nunca.”; i) perante a insistência: “Não deu nada?”, respondeu: ”Nunca. Nunca. Nem um tostão.”; Ou seja: j) Os AA nunca foram tratados como filhos pelo pretenso pai, porquanto k) “Tratar alguém como filho é adoptar comportamentos e atitudes que caracterizam as relações entre pais e filhos, como a assistência económica, material e afetiva.”-‐ STJ, acórdão de 12/172/2002; l) Como decorre do depoimento da mãe dos AA. o pretenso pai dos AA, nunca prestou qualquer assistência económica aos AA; m) o que os próprios AA. -‐ reafirma-‐se -‐ igualmente afirmam na sua douta PI (Arts.27º e 28º); n) Não resultaram, portanto, provados todos os requisitos exigidos pelo disposto no nº.1, al. a), do artº 1871º, do Código Civil; o) e assim sendo, não, poderia o tribunal recorrido declarar que os AA. são filhos do falecido (…) com tal fundamento.
Por outro lado e ainda que assim não venha a ser entendido, a verdade é que p) os AA também não alegaram – nem provaram – que o pretenso pai deixou de os tratar como filhos; q) tendo-‐se limitado a afirmar apenas que os AA, sempre foram tratados como filhos pelo(…). E já ficou demonstrado que não.
Mas, mesmo assim, r) se o tratamento como filhos sempre existiu, não se alcança facto ou circunstância superveniente que possa legitimar o recurso à presente ação ao abrigo do disposto no nº3 do Artº1817º do Código Civil.
E, consequentemente, s) impunha-‐se, como se impõe, julgar procedente, por provada, a exceção de caducidade do direito de ação por parte dos AA.; t) decidindo, portanto, como decidiu, o tribunal recorrido violou a lei, designadamente, o disposto no Artº1817º, nº1 e nº3, als. b) e c) do Código Civil.
*Não foram apresentadas contra alegações.
*Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
*II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes: 1ª - Da procedência da exceção perentória da caducidade do direito de ação; 2ª- Do direito à investigação da paternidade, sua “imprescritibilidade” e inconstitucionalidade material das normas a impor prazos de caducidade para o exercício do direito de averiguação da verdade biológica da filiação; 3ª - Do direito ao estabelecimento da paternidade.
*II.A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância, com interesse para a decisão da causa (transcrição): a) No dia 22 de Fevereiro de (…) nasceu, na freguesia de (..), concelho de (…), o Autor (…), que foi registado como filho de (…), não se encontrando averbada a paternidade; b) No dia 26 de Fevereiro de (…) nasceu, na freguesia de (…), concelho de (…), o Autor (…), que foi registado como filho de (…), não se encontrando averbada a paternidade; c) No dia 27 de Março de (…) nasceu, na freguesia de …, concelho de (…), Angola, a Ré (…), filha de (…) e de (…); d) (…) faleceu no dia 3 de Setembro de 2015; e) No dia 23 de Setembro de 2015, a Ré outorgou procedimento simplificado de habilitação de herdeiros, na Conservatória do Registo Civil de (…) , com o número (…), por óbito de (…) , no qual declarou, na qualidade de cabeça de casal, que o falecido não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade, que é a única herdeira e que não há quem lhe prefira ou quem com ela possa concorrer na sucessão; f) E instaurou no Serviço de Finanças de (…), o respetivo processo de imposto de selo, onde se indicou como única herdeira do falecido (..) e apresentou a atinente relação de bens, onde constam bens móveis e imóveis; g) A mãe dos Autores e (…) mantiveram uma relação de namoro que se iniciou aproximadamente no ano de 1956 e terminou algum tempo depois do nascimento do Autor (…), altura em que (…) foi para Angola; h) Durante esse período de tempo a mãe dos Autores apenas teve relações sexuais com (…), fruto das quais nasceram os Autores; i) Em finais de 1975 (…) regressou de Angola e foi viver para o (…), (…); j) Logo que chegou foi visitar os Autores, apresentando-se como pai deles; k) (…) e os Autores passaram, a partir daí, a conviver como pai e filhos; l) (…) viajava com frequência, chegou a viver algum tempo em Lisboa, mas sempre que podia visitava e convivia com os Autores, tratando-os sempre como seus filhos; m) Os Autores chamavam pai a (…) e este referia-se a eles como “os meus rapazes do Luxemburgo”, “o meu …”, “o meu …”, como modo de dizer que eram seu filhos e tratava-os como tal, designadamente fazendo refeições com os Autores e cuidando das casas deles, quando estes estavam no Luxemburgo; n) Desde que se estabeleceu esta relação de proximidade entre os Autores e (…), aqueles passaram, também, a conviver com a Ré; o) A Ré e os Autores passaram muito tempo juntos, criando verdadeiros laços fraternos.
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Os Autores sempre foram tratados como irmãos pela Ré e vice-versa.
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Os Autores sempre foram tratados como filhos de (…) pela generalidade das pessoas, familiares, amigos e conhecidos; r) Mesmo após o falecimento de (…), a Ré continuou a tratar os Autores como seus irmãos, tendo, inclusivamente, manifestado a vontade de partilhar com eles os bens deixados por óbito de seu pai; s) Algum tempo depois e sem qualquer explicação a Ré recusou-se a partilhar os bens da herança aberta por óbito de (…), negando que os Autores sejam seus irmãos.
*Factos considerados não provados pelo tribunal de 1ª instância: - A relação entre a mãe dos Autores e (…) iniciou-se no ano de 1959; - (…) regressou de Angola em 1974 e mostrou arrependimento pelo comportamento que até aí tinha tido para com os Autores; - A Ré reuniu várias vezes com os Autores para partilhar os bens deixados por óbito de (…).
*II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1ª - Da caducidade do direito de acção Com a presente ação pretendem os Autores ser reconhecidos como filhos de (…), falecido no dia 3 de Setembro de (…), fundando a sua pretensão, para além, do facto biológico da fecundação, em duas presunções: a que deriva da circunstância do pretenso pai ter mantido relacionamento sexual com a mãe durante o período de conceção de cada um deles e a que...
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