Acórdão nº 2949/18.5T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelROSÁLIA CUNHA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO (..) LDA.

, instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra (…) S.A.

pedindo a sua condenação a pagar-lhe as seguintes quantias: - o valor de € 66.718,00, referente à indemnização pelo furto do veículo; - o valor de € 87.185,00, referente à indemnização por privação de uso do seu veículo, contabilizado desde o dia 27 de junho de 2017 até ao dia 21 de maio de 2018; - o montante diário de € 265,00, contabilizado desde o dia 22 de maio de 2018 até efetivo e integral pagamento do montante indemnizatório, a liquidar a final; - o valor de € 265,00 referente ao valor dos objetos que foram furtados com o veículo e que estavam no seu interior; - o valor de € 328,00, referente ao reembolso do prémio pago pela renovação do seguro, em momento posterior ao furto; - tudo acrescido dos juros legais devidos até integral pagamento.

Como fundamento dos seus pedidos alegou, em síntese, que é proprietária do veículo automóvel ligeiros de passageiros, de matrícula OU, relativamente ao qual celebrou com a ré um contrato de seguro através do qual transferiu para a ré a responsabilidade pelo risco relativo ao referido veículo.

No âmbito desse contrato, a autora pagou à ré o prémio anual de € 1 142,51, inicialmente e aquando das suas renovações.

Nos termos das condições especiais do contrato de seguro ficou estipulado que, em caso de furto, roubo ou furto de uso, o valor segurado era de € 66.718,00, sem franquia.

O veículo foi furtado.

Não foi possível apurar a identidade dos autores do furto e o veículo nunca foi encontrado e, consequentemente, não foi devolvido à autora.

A ré não assumiu o pagamento da indemnização, nem facultou à autora um carro de substituição.

Desde a data da aquisição do veículo até à data do furto, a autora utilizou-o diariamente, para exercício da sua atividade, designadamente como meio de transporte do gerente H. M., que o utilizava ao serviço da empresa para visitar clientes e fornecedores e outros com quem se relacionava profissionalmente, para resolver assuntos administrativos e necessários inerentes à atividade da autora, como, por exemplo, deslocação aos serviços postais, à autoridade tributária, à segurança social, a conservatórias, a instituições financeiras e outras entidades públicas e privadas.

Para além de estar privada do uso do veículo, a autora está privada do montante da indemnização, montante este que lhe permitiria adquirir um novo veículo.

Em média, o custo diário do aluguer de um veículo com as características idênticas às do veículo da autora ascende a € 265,00.

Aquando do furto, encontravam-se no interior do veículo objetos no valor de € 265 e os documentos do veículo.

*Regularmente citada, a ré contestou alegando, em síntese, que o contrato de seguro contempla a cobertura de garantia do valor em novo, apesar de o veículo não o ser pois, à data da celebração do contrato de seguro, já tinha um ano de existência. Para além disso, o veículo foi importado do país de origem – França - com matrícula francesa – XX.

Não obstante, e na primeira anuidade, foi atribuído pela autora, e por danos sofridos pelo veículo seguro, em consequência de furto, roubo ou furto de uso o valor máximo de € 66.718,00, sem franquia.

Pela cobertura contratada, tal valor mantinha-se nas três primeiras anuidades, sendo que a partir 1 de julho de 2017, tal valor passaria para menos de metade, ou seja, para cerca de € 31.000,00.

A ré ignora se o veículo tinha, ou não, o valor pela autora declarado na proposta de seguro. Porém, à data do furto não poderia ter esse valor pois além de já ter percorrido mais de 180.000 quilómetros, tinha beneficiado de, pelo menos, três pedidos de assistência em viagem, datados de 10/03/2016, 28/09/2016 e de 05/05/2017, o primeiro por motivo de avaria e os outros dois por sinistros, e por já ter um historial de sinistros anteriores, os quais sucederam nos dias 08/04/2015, 28/09/2016 e 05/05/2017.

A ré ignora se o veículo foi furtado e tem sérias dúvidas que o furto tenha sido infortunístico, razão pela qual veio a declinar a sua responsabilidade no dia 24/07/2017.

Os riscos transferidos para a ré, através da apólice, não incluem a cobertura de paralisação (ou comummente chamada privação do uso), por não ter sido subscrita. Porém, a autora beneficiou de um veículo de substituição, por tal cobertura ter sido subscrita, desde o dia 28/06/2017 até ao dia 14/07/2017.

Quanto aos outros danos invocados, de acordo com o clausulado do contrato, a proteção às compras apenas pode ser considerada garantida, caso as mesmas tenham sido feitas pela autora, ou pelo seu legal representante, há 24 horas, o que não foi comprovado.

Pugna, assim, pela improcedência da ação.

*A autora apresentou articulado de resposta às exceções invocadas pela ré, alegando, em síntese, que não foi ela quem declarou o valor seguro pois o veículo foi avaliado pela ré e foi esta quem fez constar da respetiva apólice o valor da avaliação.

Cerca de um mês antes do furto, a ré aceitou e valorizou o veículo no valor de € 66.718,00, pois o mesmo sofreu um acidente relativamente ao qual a autora foi obrigada a pagar uma franquia de 2% sobre o valor seguro, e essa franquia foi paga sobre aquele valor.

Constituiria abuso de direito ou venire contra factum proprium, como definido do art. 334.º do Código Civil, pretender agora valer-se da invalidade parcial da cláusula que fixou o montante a indemnizar por correspondência ao capital seguro, com recurso à previsão do art. 132.º, n.º 1 e 128.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, quando é certo que a ré, pela sua atuação, deu causa a essa invalidade.

As partes acordaram, aquando da celebração do contrato, o montante concreto a indemnizar pela ré em caso de furto do veículo. Isto é, fixaram antecipadamente o valor da indemnização, pelo que está a autora dispensada de alegar e provar o valor real dos danos sofridos.

Ainda que assim não se entenda, o veículo seguro tinha o valor de, pelo menos, € 66.718,00, à data do sinistro, sendo certo que, o valor a indemnizar deverá corresponder não ao valor comercial do veículo seguro, mas sim ao valor que a autora teria de despender para adquirir um veículo com as características, o estado de conservação e funcionamento idênticas ao veículo furtado e lhe garanta um nível de utilização análogo.

Mesmo que se entendesse que existe uma situação de sobresseguro sempre haveria que reduzir os prémios pagos pela autora na respetiva proporção.

Uma vez que foi facultado à autora um veículo de substituição no período de 28/06/2017 a 14/07/2017, a ré deverá indemnizar a autora pela privação do uso do veículo, desde 14/07/2017, data em que deixou de usufruir do veículo de substituição.

*Foi proferido despacho saneador, definiu-se o objeto do processo e procedeu-se à seleção dos temas de prova.

*Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: “Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a ação e, em consequência, condena a ré a pagar ao autor quantia de € 67.226,00 (sessenta e sete mil duzentos e vinte e seis euros), sendo que sobre as quantias de € 66.718,00 e de € 180,00 acrescem juros de mora desde 27.08.2017 e sobre a quantia de € 328,00 acrescem juros de mora desde 3.07.2019 (data do pagamento do prémio), ambos à taxa supletiva legal de 4% e até integral pagamento, absolvendo-se a ré do pagamento das demais quantias peticionadas.”*A autora não se conformou e interpôs recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “I. O Tribunal a quo, na sentença, condenou a R. no pagamento de juros a contar desde o ano de 2017. No entanto, no dispositivo, indicou como data de início para a contagem de juros o ano de 2019.

  1. A R. deve ser condenada no pagamento à A. na quantia de € 67.226,00 (sessenta e sete mil duzentos e vinte e seis euros), sendo que sobre as quantias de € 66.718,00 e de € 180,00 acrescem juros de mora desde 27.08.2017 e sobre a quantia de € 328,00 acrescem juros de mora desde 3.07.2017 (data do pagamento do prémio), ambos à taxa supletiva legal de 4% e até integral pagamento, absolvendo-se a ré do pagamento das demais quantias peticionadas.”.

  2. O Tribunal a quo entendeu julgar improcedente o pedido de indemnização formulado pela ora Recorrente contra a ora Recorrida decorrente da privação do uso do veículo furtado (cuja responsabilidade pelo ressarcimento do dano incumbe à ora Recorrida), socorrendo-se (o Tribunal a quo) de um Acórdão proferido em 2011, pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

  3. Todavia, a jurisprudência recente, quer do Tribunal da Relação de Guimarães quer do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado o dano de privação de uso do veículo como um dano autónomo indemnizável, bastando, para o efeito, que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava.

  4. O instituto jurídico da responsabilidade civil contratual, aqui em apreço, impõe que a seguradora seja responsabilizada pelo dano de privação de uso, caso se prove (como se provou neste processo) que incumpriu o seu dever de indemnizar, pagando ao segurado o valor da viatura sinistrada, em tempo oportuno, de molde a não lhe causar outros danos, nomeadamente os danos decorrentes da privação do uso de uma viatura idêntica à sinistrada.

  5. Esta solução não conflitua com as disposições consagradas no regime do contrato de seguro, porque não impõe à seguradora a cobertura de riscos além do que foi segurado, antes a responsabiliza pela reparação de um dano que decorre não do sinistro mas da inobservância da obrigação contratual de pagar pontual e atempadamente… VII. O Supremo Tribunal vem decidindo, maioritariamente, que a privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos...

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