Acórdão nº 5174/18.1T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução22 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES *Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1) RELATÓRIO Co-réus/apelantes: X Seguros Gerais, SA e A. F.

Autores/apelados: C. A. e mulher, H. M.

Interveniente principal provocada: Y Portugal, SA Juízo central cível de Guimarães (lugar de provimento de Juiz 1) - T. J. Comarca de Braga.

*Intentaram C. A. e mulher, H. M., a presente acção comum demandando X Seguros Gerais, SA e A. F., pedindo a condenação destes a pagarem-lhes a quantia de setenta e dois mil e oitocentos euros e vinte cêntimos (72.800,20€), a título de danos patrimoniais (58.800,20€) e não patrimoniais (20.000,00€), acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento, sustentando que o segundo réu, advogado (actividade profissional segura na primeira ré), exerceu negligentemente o mandato que lhe conferiram, omitindo actos processuais que poderia e deveria ter praticado, adequados a evitar os prejuízos que lhes advieram.

Alegam para tanto, em súmula mais alargada, que o segundo réu (A. F.) os patrocinou, na qualidade de advogado, em processo que com o nº 636/1996 correu inicialmente os seus termos no extinto Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso (posteriormente tramitado sob o nº 85/14.2T8PVZ, do Tribunal da Póvoa de Varzim), não tendo impugnado por via de recurso despacho que ordenou o pagamento dos honorários fixados aos peritos, no total de 63.308,00€ (sessenta e três mil trezentos e oito euros), apenas dele reclamando, tendo o despacho que na sequência de tal reclamação fixou os honorários em 10 UC (unidades de conta) sido procedentemente impugnado por via de recurso por uma das peritas, considerando-se (na decisão do recurso) que a primitiva decisão, não constituindo despacho de mero expediente, resolvera em definitivo a questão (montante dos honorários), acórdão mantido no recurso dele interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (sendo também infrutífero o recurso interposto para o Tribuna Constitucional). Continuam alegando os autores que baixado o recurso, foi determinado o pagamento a todos os peritos com base nas notas por eles apresentadas, tendo o segundo réu procurado, através de recurso, que tal decisão fosse limitada à perita recorrente, entendimento que não foi acolhido. Alegam ainda os danos (patrimoniais e não patrimoniais) por si sofridos em consequência da actuação negligente do segundo réu.

Impugnando a factualidade alegada e confirmando a celebração do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a Ordem dos Advogados, com início em 1/01/2004 e limitado ao capital de 150.000,00€, excepcionou a primeira ré (X Seguros Gerais, SA) a exclusão do pré-conhecimento do sinistro por parte do segundo réu, mais sustentando que o seguro com ela celebrado coexiste com seguro acordado entre o segundo réu a seguradora Y Portugal. Argumentou ainda que dos factos alegados (a provarem-se) não resulta qualquer actuação censurável do segundo réu, por se tratar de despacho de mero expediente o que determinou o pagamento aos peritos, consubstanciando-se (legitimamente o interpretou o segundo réu) numa ordem dirigida à secção, questionando ainda a probabilidade do Tribunal superior dar razão aos autores se a reclamação e o recurso tivessem sido apreciados e, por fim, defendendo não se verificarem danos causalmente imputáveis à conduta profissional do segundo réu.

Começando por sustentar a sua ilegitimidade passiva, alegou o segundo réu que o despacho com a menção ‘Pague-se’ constitui despacho de mero expediente, irrecorrível, e que qualquer advogado, colocado na sua posição, tê-lo-ia assim considerado e entendido. Argumentou ainda que ao processo era aplicável o regime previsto no Código das Custas Judiciais, o qual não previa o limite de 10 UC para os honorários dos peritos e que, mesmo perante o Regulamento das Custas Judiciais, tal limite também não existe (pois que julgado inconstitucional) e assim que qualquer reapreciação dos honorários levaria a fixá-los no valor das notas apresentadas pelos peritos, fruto do trabalho que lhes esteve subjacente. Impugnou também os alegados danos não patrimoniais, alegando que os autores, ao longo do processo, foram prevenidos para os riscos da acção e dos procedimentos que adoptou para tentar revogar as decisões para eles desfavoráveis.

Requerida (pelo segundo réu) a intervenção principal provocada da companhia de seguros Y Portugal, SA, foi o incidente deferido e citada a interveniente, que se apresentou a contestar invocando desde logo a sua ilegitimidade, argumentando que na hipótese de ser admitida, a sua intervenção deveria ter ocorrido enquanto interveniente acessória, por apenas o seu segurado poder exigir de si o pagamento do capital seguro. Aceitando a celebração de contrato de seguro, alegou que os seus efeitos se iniciaram em 11/10/2017, donde resulta a sua inaplicabilidade ao sinistro que serve de causa de pedir aos presentes autos (ocorrido em Outubro de 2011), defendendo ainda que, a verificar-se, teria o facto ilícito sido dolosamente praticado em violação de regras deontológicas, o que determina a exclusão do âmbito contratual do seguro, exclusão que também ocorre por ter o segundo réu omitido, na data da contratação, a ocorrência do sinistro. Mais argumentou não ser o segundo réu responsável por indemnizar os autores, por, além do mais, constituir o pagamento dos honorários aos peritos obrigação legal de que aqueles se não poderiam eximir e que a tentativa de redução dos honorários foi efectuada em cumprimento do mandato que lhe foi conferido. Por fim, impugnou a coexistência de seguros, uma vez que foi (ela, interveniente) contratada depois da ocorrência do alegado sinistro e da celebração do contrato de seguro com a primeira ré X.

Cumprido o contraditório, foi realizada, terminados os articulados, audiência prévia, tendo-se proferindo saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância (desatendendo-se a arguida excepção de ilegitimidade), identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova e após realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção: 1. condenou solidariamente os réus a pagar aos autores: a) a quantia de vinte e um mil e cinquenta e nove euros e vinte e oito cêntimos (21.059,28€), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, a que acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% (sem prejuízo de alteração legislativa posterior), desde a citação até integral satisfação; b) a quantia de dois mil euros (2.000,00€), a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, a que acrescem juros de mora desde a presente sentença até integral satisfação, à taxa legal de 4% (sem prejuízo de alteração legislativa posterior); 2. condenou solidariamente a interveniente com os réus no pagamento das prestações indemnizatórias aludidas, reduzida da franquia correspondente a 10% do total daquelas.

Inconformados, apelam os co-réus, ambos pugnando pela revogação da sentença.

A primeira ré termina as suas alegações pelas seguintes conclusões: 1.

Atenta a especificidade do contrato de mandato forense, e bem assim do exercício da actividade da advocacia, no âmbito da qual não se apontam, por regra, soluções jurídicas unívocas, coexistindo antes, e a cada momento, doutrinas e entendimentos contraditórios sobre a mesma questão de facto, não pode exigir-se ao advogado que adopte, em cada processo, a solução que, afinal, venha a ser acolhida pelo tribunal.

2.

De facto, para que um advogado possa ser civilmente responsabilizado, perante um cliente, em decorrência de uma actuação profissional no âmbito de determinado patrocínio, deverá a sua conduta ser considerada culposa, ou seja, merecedora de censura deontológica, no sentido de que deve constituir um “erro de ofício” ou uma “falha indesculpável”.

3.

Não havendo, porém, responsabilidade se existirem doutrinas contraditórias e o advogado, diante das circunstâncias concretas do caso, e bem assim dos elementos que lhe sejam disponibilizados, optar por uma delas – nesse sentido cfr.

Acórdão do STJ de 02.10.2008, disponível in www.dgsi.pt.

4.

Tendo resultado demonstrado nos autos que o Réu advogado diligenciou, incessantemente, no intuito de acautelar e defender os melhores interesses dos AA., seus Constituintes, e não sendo expectável que actuasse de forma diversa, face às circunstâncias factuais concretas do caso em apreço, não lhe poderá ser imputável qualquer responsabilidade civil pelo não acolhimento da pretensão dos aqui AA.

5.

De facto, os despachos com o teor “pague-se” ou “cumpra-se” são necessariamente reconduzíveis à figura dos chamados despachos de mero expediente, não tomando explícita ou implicitamente qualquer posição que interfira no conflito de interesses entre as partes, devendo, nessa medida, ser considerado irrecorrível – cfr. artigo 630.º, n.º 1 do CPC.

6.

Com efeito, num despacho decisório, o Juiz opta por uma solução jurídica, entre várias possíveis alternativas, sendo que, por forma a cumprir a exigência constitucional expressamente prevista no artigo 205º nº 1 da CRP, a fundamentação dos despachos e decisões deve ser expressa, clara, coerente e suficiente, não devendo ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão.

7.

Ora, o despacho proferido nos autos do processo em apreço, e que continha a simples referência “pague-se”, não reunia nenhuma das exigências subjacentes a uma decisão, razão pela qual, a reação (ou, in casu, a ausência de reação) que os Autores imputam ao Réu advogado, nunca poderia, em bom rigor, ser praticada.

8. Efectivamente, nem ao 2.º Réu, enquanto mandatário dos Autores, nem ao Ilustre Mandatário da parte contrária, foi comunicado de que poderiam reclamar da nota de honorários apresentada pelos senhores peritos; 9.

Aliás, a notificação da nota de honorários foi feita simultaneamente com a notificação do despacho que ordena o seu pagamento, não tendo sido dada às partes a possibilidade de...

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