Acórdão nº 37601/20.2YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução01 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES Identificação do processo: Autora e Recorrida: X - Sociedade Comércio e Reparação de Veículos Pesados, Lda Ré e Recorrente: J. V. Unipessoal, Lda Autos de: apelação em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a metade da alçada da Relação I - Relatório O presente recurso vem interposto da decisão que não admitiu a reconvenção apresentada pela Ré, sustentando-se, em súmula, na circunstância de estarmos “perante uma situação de compensação de créditos e ao pedido reconvencional formulado nos autos corresponde uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido da autora”.

A Autora pediu, no requerimento injuntivo que apresentou contra a Ré, a condenação da mesma no pagamento da quantia global de €10.640,21, alegando para tanto que lhe prestou serviços de reparação automóvel, que esta não pagou.

A ré deduziu oposição e deduziu reconvenção, invocando, em síntese, que a Autora fez seis intervenções para a reparação do veículo, as quais cobrou e parte das quais a Ré pagou; mas a avaria do veículo apenas veio a ser efetivamente resolvida por terceiro. Deduziu reconvenção, invocando que “as deficientes reparações sucessivas no veículo propriedade da Requerida consubstanciam um incumprimento do contrato, originando a responsabilidade contratual daquela” e os seguintes danos: Reparações efetuadas nas oficinas da Requerente e liquidadas, no montante de €3.860,76 e transtorno, incómodo e desassossego sofrido pelo gerente da Requerida, devido às frequentes idas á Requerente para as sucessivas reparações, bem como insegurança e receio em circular com o veículo, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia global de €7.860,76.

A Ré terminou as alegações do recurso que apresentou, com as seguintes conclusões: “ I. O Tribunal a quo entendeu não admitir a “(…) a reconvenção deduzida pela Ré. (…)”.

  1. Salvo o devido respeito, que muito é, não pode a ora Apelante concordar com o sentido da decisão proferida pelo tribunal o quo nos presentes autos, pelos fundamentos que infra se irão expor.

  2. Consigna a alínea c), n.º 2 do artigo 266º, “2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos: (…) c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.

    IV.A generalidade da doutrina reconhece que a redação de tal alínea revela que a intenção do legislador terá sido a de por fim à antiga querela, assumindo a posição de que, sempre que o réu se afirme credor do autor e pretenda obter o reconhecimento do seu crédito na ação em que é demandado, deverá formular pedido reconvencional, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em crédito do réu exceda do autor.

  3. Contudo o teor de tal norma acaba por não esclarecer a questão que aqui nos ocupa, isto é, a (in)admissibilidade da reconvenção, em processo especial, por esta tão só prever dois articulados, exceto “quando a injunção, por força do valor do pedido, é superior à metade da alçada da Relação, não o sendo na hipótese inversa”.

  4. De facto, refere o Acórdão da Relação de Lisboa de 15.12.2011, disponível em www.dgsi.pt, que “Na vigência do DL n.º 32/2003, de 17.02, havendo oposição em processo de injunção respeitante a valor superior à alçada do tribunal da primeira instância, é admissível reconvenção.” VII. Ora, atenta o artigo 10.º, n.º 2 do DL n.º 62/2013, o legislador não quis afastar as regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma ação.

    VIII.É natural que primeiro se tenha em conta o valor do pedido – aliás nesse momento não há sequer uma ação – mas com a dedução de oposição, e convertendo-se então a medida em procedimento jurisdicional, haverá que aplicar as regras dos artigos 299.º e seguintes do CPC.

  5. Desta feita, atende-se ao momento em que o procedimento converte em jurisdicional (porque na injunção não se começa por propor uma ação) “exceto quando haja reconvenção” - (n.º 1 do artigo 299.º do CPC) -, sendo que então, o valor do pedido formulado pelo Réu é somado ao valor do pedido pelo Autor quando os pedidos sejam distintos (n.º 2 do artigo 299.º).

  6. Neste sentido, deverá ser fixado à ação o valor de €18.500,97 (Dezoito mil, e quinhentos euros e noventa e sete cêntimo) - Cfr. art.º 308.º, n.º 1 e 2 do CPC – excedendo, deste modo, a alçada de primeira instância.

  7. Assim, ultrapassando o valor da ação a alçada do Tribunal da Relação, determina a tramitação do processo sob a forma comum, onde é admitida a reconvenção.

  8. Acresce que, o n.º 3 do art.º 530º do CPC, preceitua que não se considera distinto o pedido, designadamente, quando a parte pretenda conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o Autor se propõe obter ou quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos (a que se chama exceção/compensação).

  9. No caso em apreço, estamos perante dois pedidos distintos e diante de compensação/reconvenção.

  10. Quer isto dizer que ambos os pedidos, o principal e o reconvencional devem ser somados, daí resultante um valor da causa superior a metade da alçada da Relação.

    XV.O aumento referido produz efeitos posteriormente ao articulado em que é deduzida a reconvenção (art.º 299º n.º 3 do CPC).

  11. Pelo que, deverão os presentes autos seguir, doravante, a forma de processo comum e ser, consequentemente admitida a reconvenção deduzida pela Ré, aqui Recorrente. – Cfr. art.º 7.º, n.º 2 do DL. 32/2003, de 17 de Fevereiro.

  12. Até porque não admitir a reconvenção, violaria os seus direitos mormente em termos de “igualdade [com o recorrido], justiça em tempo útil, contraditório, dispositivo, verdade material, ónus de alegação das partes (…) e direitos processuais (…) e consequentemente influir no exame ou na decisão da causa.” Mais, XVIII. Não se permitir o pedido reconvencional o caso julgado nesta ação poderá prejudicar a propositura subsequente de uma nova ação pela ora Recorrente, “devido à prejudicialidade e interconexão dos pedidos (o pedido formulado e não admitido e o pedido a formular na nova ação autónoma).” XIX.Com efeito, inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção de pagamento de importância de valor inferior.

  13. Pretendendo a Ré/Recorrente exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça.

  14. Aliás, a não ser assim perde-se desde logo em economia processual, porquanto nada obsta a que o réu possa voltar a invocar a matéria da reconvenção ex artigo 729º, al. h) do CPC.

  15. Por outro lado e mais significativamente vedar a invocação da compensação, que agora só pode ser veiculada em ação cruzada, neste processo constituiria sério revés inadmissível para os direitos da defesa que decorrem de qualquer processo equitativo (art.º 20.º, n.º 4 do CPC).

  16. Ora, é, pois, com base nos princípios basilares adjetivos, a saber, princípio da adequação formal e da economia processual, bem como o dever de gestão processual, que a aqui Recorrente entende que deve se revogada a decisão concernente ao pedido reconvencional, e em sua substituição ser determinada a alteração do processo em comum, admitindo-se consequentemente o pedido reconvencional.” II - Objeto do recurso O escopo do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

    Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

    Face ao teor das conclusões do recurso, é a seguinte a questão que cumpre apreciar: 1- se na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior ao da alçada da Relação é possível deduzir reconvenção; - e em caso negativo se fica vedada ao demandado a invocação da extinção do crédito por via da compensação; - se, neste caso, foram alegados os pressupostos que justificariam a dedução da reconvenção com base na compensação III - Fundamentação de Facto Já foi supra descrita a matéria factual processual necessária para a decisão do presente recurso.

    *IV - Fundamentação de Direito 1- A reconvenção e o tipo de processo A admissibilidade da reconvenção depende da verificação de um conjunto de pressupostos processuais específicos, além dos pressupostos processuais gerais, a que se somam os requisitos substantivos previstos no nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil.

    Entre os primeiros salientam-se a competência do tribunal (definida no artigo 93º do Código de Processo Civil) e a compatibilidade entre as formas do processo (definida no artigo 266º nº 3 do Código de Processo Civil). Pode, neste último item, inserir-se ainda requisito que tem sido objeto de longa discussão: que a forma do processo onde se pretende enxertar a reconvenção a consinta.

    Com efeito, o princípio do contraditório exige que o reconvindo possa responder ao pedido...

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