Acórdão nº 1084/12.4TBPTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO D. L. instaurou contra M. M., acção declarativa de simples apreciação negativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que, na sua procedência, se declare que o autor não é devedor de qualquer quantia à ré a título de tornas da partilha de bens comuns do casal.

Alegou, para tanto e em síntese, que instaurou contra a ré a presente acção declarativa de simples apreciação negativa, com vista a obter a declaração de inexistência de um direito, no caso a inexistência do direito da ré a receber tornas na sequência da partilha de bens comuns do casal, tal como consta da escritura pública de partilha dos bens comuns do casal e ao contrário do que consta do prévio contrato promessa de partilha.

A necessidade de recorrer a esta acção decorre do facto de a ré se afirmar credora de tornas no valor de 1.400.000,00€ sobre o autor e ter, recentemente, procedido à cessão do propalado crédito de tornas às sociedades X, Supermercados, Lda., e Y, Sociedade de Gestão Imobiliária Lda.. Além disso, insiste a ré em ter direito a essas tornas, numa acção judicial que nesse tribunal corre termos, no 2º Juízo, sob o nº 212/12.4TBPTL.

Mais alega, que afirmar a ré, como ainda afirma, que tem direito a receber do autor €1.400.000,00 a título de tornas, por força do contrato prometido, face ao que outorgou na escritura de partilha de bens comuns do casal, consubstancia “venire contra factum proprium”. Tal como consubstancia manifesto abuso de direito.

*A ré contestou, impugnando os factos alegados pelo autor, concluindo pela improcedência da acção, e deduziu ainda reconvenção, pedindo: a) se declare que a escritura de partilha outorgada por autor e ré, que constitui o doc. n.º 5, junto com a p.i., constitui um documento falso, no que se refere ao valor atribuído aos bens e na parte em que se declara que “Feita a compensação entre o activo e o passivo, não há lugar ao pagamento de tornas”; b) declarar-se que assiste à ré o direito a receber do autor, a título de tornas, a quantia de € 1 400 000,00; c) condenar-se o autor a pagar à ré a quantia de €1.400.000,00, a título de tornas devidas por efeito da partilha dos bens comuns do extinto casal, acrescida de juros moratórios, contados sobre o capital em dívida à taxa legal de 4 % ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; d) em caso de improcedência dos precedentes pedidos, condenar-se o autor a pagar à ré a quantia de € 1 400 000,00, acrescida de juros moratórios, contados sobre o capital em dívida à taxa legal de 4 % ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, a título de enriquecimento sem causa.

Alegou, para tanto e em síntese, que a escritura de partilha que corresponde ao doc. n.º 5, junto com a p.i., corresponde a um documento falso, no que diz respeito aos valores atribuídos a cada um dos bens e, em especial, na parte em que se diz que “Feita a compensação entre o activo e o passivo, não há lugar ao pagamento de tornas”, constituindo pois um documento falso na parte em que menciona que não há lugar ao pagamento de tornas.

O lote designado por “Ponte ...”, tinha um valor superior ao lote designado por “Arcos ...”, em montante não inferior a € 1 400 000,00. Essa diferença de valor entre os dois lotes acima referidos (que, por defeito, se fixou em € 1 400 000,00), correspondia aos débitos das sociedades cujas quotas seriam adjudicadas à ré para com sociedades cujas quotas foram adjudicadas ao autor e que com aquelas tornas se visava liquidar.

Foi o autor quem, no dia da celebração da escritura pública de partilhas, pediu que ficasse declarado não haver lugar ao pagamento de tornas. Tal pedido fundou-se em alegadas “motivações fiscais” por parte do autor, mas também, com o sentido e a finalidade de instruir os processos judiciais que instaurou contra esta e as sociedades que ela representa e detém na sua maioria, como é o caso destes autos.

Subsidiariamente, sempre com a outorga da escritura em referência, nos termos em que foi feita, ocorreria um enriquecimento ilegítimo e injustificado do património do autor, à custa do da ré, em montante não inferior a € 1 400 000,00, pela simples razão de o património adjudicado ao autor ter, à data da partilha, um valor real e de mercado superior ao que foi adjudicado à ré, em montante não inferior a € 1 400 000,00. Por inerência, o património da ré ficaria empobrecido na exacta medida do enriquecimento do autor, ou seja, em valor não inferior a € 1 400 000,00, assistindo à ré o direito a receber do autor a quantia de € 1 400 000,00, acrescida de juros moratórios, a título de enriquecimento sem causa - arts. 473.º e seguintes do Cód. Civil.

*O autor apresentou réplica, pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção nesta acção, citando: É “redundante a reconvenção a que não pode atribuir-se mais-valia alguma em relação à simples procedência da defesa deduzida em acção de simples apreciação negativa, não passando, nesse caso, de puro reverso da pretensão do autor, que se limita a pedir a declaração da inexistência de direito que o réu invoca”. Vide Ac. STJ Processo nº.06A1980 em www.dgsi.pt”.

Além de impugnar a matéria da reconvenção, alega que, insistindo a ré que o contrato promessa de partilha em causa impõe ao autor o pagamento de €1.400.000,00 a titulo de tornas, todavia, esta obrigação encontra-se condicionada ao pagamento pelas sociedades X e Y das quantias que devem ás sociedades W, Supermercados, Lda. e K, Sociedade de Gestão imobiliária, Lda., conforme decorre da redacção da cláusula 4ª do contrato promessa de partilha. Enquanto aquelas sociedades da ré nada pagarem às segundas, de que o autor é gerente, o autor nada deve à ré, ainda que a presente acção de simples apreciação negativa improceda.

Requereu, a título subsidiário, a ampliação do pedido nos seguintes termos: - Deverá ser declarado que nos termos do clausula 4ª do contrato promessa de partilha (Documento nº. 3 da Petição Inicial), que aqui se aprecia, o autor só estará obrigado apagar 1.400.000,00€ a titulo de tornas à ré, depois de que as sociedades comerciais X, Lda., e Y, Lda., paguem às sociedades W, Lda. e K, Lda., a quantia de € 1.400,000,00.

- Consequentemente, deverá ser declarado que não são devidos quaisquer montantes a título de juros pelo A. à R...

*A ré treplicou.

*Na audiência prévia admitiu-se a ampliação do pedido e a reconvenção. Proferiu-se despacho saneador no qual se decidiu pela validade da instância e do processado.

Identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

*Realizou-se audiência de discussão e julgamento.

Posteriormente foi proferido o seguinte despacho: – «Após estudo integral do processo a fim de proferir a competente sentença, ao Tribunal, perante a prova produzida, em especial, a pericial, são apresentados vários “cenários” e soluções plausíveis.

Um desses cenários, repete-se: tendo em conta desde logo a prova pericial, pode ser conducente à nulidade da própria partilha formalizada pela escritura pública outorgada por A. e R. por violação do disposto no artigo 1730º, nº1 Cód. Civil, já que da referida prova (atendendo às respostas dos Srs. Peritos maioritários, e valores atribuídos aos lotes de cada um dos ex-cônjuges) pode o Tribunal vir a concluir ter ocorrido a violação da regra da participação da metade prevista no citado normativo.

A opção por tal decisão pode ser entendida como uma decisão surpresa (artigo 3º, nº3 CPC), no contexto das posições que as partes formalmente assumiram no processo, tendo em conta os pedidos formulados, quer no âmbito da acção, quer no âmbito da reconvenção.

Pelo exposto, decide-se reabrir a audiência, a fim de permitir o exercício do contraditório pelas partes relativamente a tal cenário de decisão, fixando-se o prazo de 10 dias para o efeito.

As partes vieram pronunciar-se, sendo que a ré/reconvinte opôs-se, concluindo:

  1. Deve o Tribunal abster-se de se pronunciar sobre a nulidade da partilha, por tal lhe ser processualmente vedado; b) Caso assim se não entenda, deve o Tribunal abster-se de tomar posição sobre a nulidade da partilha, em virtude de os autos não reunirem nem a factualidade nem os meios de prova necessários para o fazer; c) Caso assim se não entenda, deve o Tribunal abster-se de operar a redução do negócio em desfavor da Ré (reduzindo o valor das tornas a receber por esta), devendo declarar a nulidade da partilha in totum.

    *Proferiu-se sentença em que se decidiu: «

  2. Julgar procedente a acção, declarando-se que o autor não é devedor de qualquer quantia à Ré a título de tornas da partilha de bens comuns do casal.

  3. Julgar totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo-se o A. / reconvindo dos pedidos formulados no âmbito da mesma.

  4. Declarar a nulidade da partilha dos bens comuns do casal formalizada pela escritura pública referida no ponto 1.9. dos factos provados, correspondendo ao documento nº5 junto com a p.i., a fls. 44 e ss.

  5. Não se vislumbra existir litigância de má-fé de qualquer das partes.

  6. Custas da acção e da reconvenção a cargo da Ré..»*Inconformada, a ré reconvinte interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: «1. O facto de a partilha de fls. 44 e seguintes não ter sido uma partilha do património global do casal, mas uma partilha parcial, impedia o Tribunal recorrido de declarar nula a partilha, já que só depois de findas todas as operações de partilha se poderá extrair conclusões quanto ao prejuízo de alguma das partes.

    1. Para que pudesse apreciar a validade da partilha, o Tribunal recorrido teria de dispor de uma avaliação de todos os bens partilhados, de modo a poder concluir pela existência de irregularidades no modo como a partilha foi efectuada, pelo que, não dispondo dessa informação, não poderia declarar oficiosamente a nulidade da partilha.

    2. Está vedado às instâncias determinar oficiosamente a realização de diligências instrutórias com o propósito de suprir...

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