Acórdão nº 1809/19.7T8VNF-G.C1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução21 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães Relatório D. C.

, residente na Rua …, Lote …, Braga, instaurou em 18/03/2019, ação especial de insolvência, pedindo que fosse declarada insolvente e que lhe fosse concedido o benefício da exoneração do passivo restante.

Por sentença proferida em 21/03/2019, entretanto transitada em julgado, declarou-se a requente D. C. insolvente e, além do mais, nomeou-se como administrador de insolvência o Senhor Dr. J. C., fixando-se em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos e designando-se data para a realização da assembleia de credores para apreciação do relatório a que alude o art. 155º do CIRE.

Em 10/05/2019, o administrador de insolvência juntou aos autos o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, lendo-se neste, além do mais, o seguinte: “Das pesquisas efetuadas junto das finanças foi possível determinar que a insolvente tinha, até 26/02/2019, registado em seu nome: - a nua propriedade do prédio urbano – fração autónoma “H” – habitação no ... andar esquerdo, com uma garagem privativa na sul-cave, designada pelo n.º 1, sito na Rua ..., n.º 14, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., e inscrito na respetiva matriz urbana sob o art. ... - H, da União de Freguesias de ... e ..., concelho de Braga, com um valor patrimonial de 50.44,00 euros. Não incide quaisquer ónus sobre o imóvel.

OBS: A insolvente doou o imóvel a 26/02/2019 a G. N., filho da insolvente, nascido a 07/03/2017, pelo que será resolvido o negócio em benefício da massa insolvente nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 211º do CIRE, requerendo-se desde já que a insolvente seja notificada no sentido de informar o administrador de insolvência da morada do pai do menor, Sr. R. M..

Resulta assim do inventário elaborado, e que se anexa, que a insolvente tem um ativo que a valores a liquidação que ascende a 50.344,00 euros.

(…).

Relativamente aos créditos provisórios o valor ascende a 85.303,48 euros (…).

IV- Apreciação do pedido de exoneração do passivo restante.

(…).

Tendo em conta o exposto o parecer do Administrador de Insolvência é de que, caso estejam cumpridas todas as condições previstas no art. 239º do CIRE e não se verificando nenhuma das condições previstas no art. 238º do CIRE, o pedido de exoneração do passivo restante seja aceite”.

Conclui, propondo: “a) que se proceda à apreciação do presente relatório na assembleia de credores nos termos do n.º 1 do art. 156º do CIRE; b) que seja dado consentimento da assembleia de credores, prevista no art. 161º do CIRE, à liquidação imediata da totalidade do património da insolvente; c) que se proceda à apreciação do pedido de exoneração do passivo restante, nos termos do n.º 4 do art. 236º do CIRE”.

Realizada a assembleia de credores para apreciação do mencionado relatório, o administrador de insolvência realizou uma apresentação sumária do relatório em causa, “no âmbito do qual propõe a liquidação do ativo, informando nada ter a opor à exoneração do passivo restante”.

Pelo Ministério Público foi dito abster-se quanto ao pedido de exoneração do passivo restante.

Por sua vez, os credores C. F., A. F. e F. A. declararam nada terem a opor à exoneração do passivo restante.

Finalmente, pelo credor “Banco …, S.A.” foi dito “votar contra o pedido de exoneração do passivo restante, atendendo à doação realizada pela insolvente ao seu filho menor nos inícios de 2019”.

Nessa sequência, a 1ª Instância proferiu despacho em que determinou o prosseguimento dos autos para liquidação do ativo. E quanto “ao pedido de exoneração do passivo restante, estando pendente esta questão trazida pelo Sr. Administrador de Insolvência relativamente à eventual ação do imóvel, o tribunal não se vai pronunciar neste momento, ficando o despacho inicial de exoneração pendente dos contornos que a resolução do negócio em benefício da massa insolvente tiver”.

Entretanto, por cartas datadas de 27/05/2019, juntas aos autos em 29/11/2019, enviadas pelo administrador de insolvência aos legais representantes do menor G. N., o administrador de insolvência procedeu à resolução da doação efetuada pela devedora/insolvente, ao identificado menor G. N., seu filho, da nua propriedade do prédio urbano constituído pela fração autónoma “H” – habitação no ... andar, com uma garagem privativa na sul-cave, designada pelo n.º 1, sito na Rua ..., n.º .., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o art. ...-H, da União de Freguesias de ... e ..., concelho de Braga, em que invoca como fundamento dessa resolução o seguinte: “tendo em conta a data de declaração de insolvência (21 de março de 2019), entende o AI que esta operação se enquadra no previsto na al. b), do n.º 1 do art. 121º do CIRE. Assim, e tendo em conta que decorreram menos de 2 anos em relação à data da entrada do processo de insolvência do ato celebrado pelos insolventes a título gratuito, procede-se, nesta mesma carta, nos termos do art. 123º do CIRE à resolução do negócio em causa (doação) pelos motivos invocados, considerando-se a mesma uma resolução incondicional, nos termos do art. 121º do CIRE”.

Por despacho proferido em 22/04/2021, ordenou-se a notificação do AI e dos credores para se pronunciarem “sobre o pedido de exoneração do passivo restante atento o desenvolvimento dos autos”.

Por requerimento entrado em juízo em 23/04/2021, o administrador de insolvência manteve a posição já anteriormente manifestada no relatório a que alude o art. 155º do CIRE e, bem assim nos autos de insolvência, sustentando que “caso estejam todas as condições previstas no art. 239º do CIRE e não se verificando nenhuma das condições previstas no art. 238º do CIRE, nada tem a opor a que o pedido de exoneração do passivo restante seja aceite”.

Por sua vez, a credora X, S.A., declarou opor-se à concessão à devedora/insolvente do benefício da exoneração do passivo restante alegando que esta se apresentou à insolvência quando lhe solicitou o crédito reclamado no presente processo de insolvência, que lhe foi concedido em 24/01/2019, quando, na perspetiva da opoente, a devedora já não reunia condições para assegurar o pagamento das prestações mensais de reembolso a que se obrigara, situação que a devedora não podia ignorar, facto que agravou as suas condições financeiras, conduzindo-a à situação de insolvência em que agora se apresenta.

Também a credora C. F. opôs-se à concessão à devedora/insolvente do benefício da exoneração do passivo restante, alegando que a devedora agravou a sua situação de insolvência, prejudicando os credores ao doar ao seu filho em 26/02/209 e, portanto, dias antes de se apresentar à insolvência, a nua propriedade do imóvel correspondente à fração H, art. ...-H da união de freguesias de … e …, ato esse que, entretanto, foi objeto de resolução a favor da massa.

Por decisão de 20/05/2021, inferiu-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva: “Consequentemente, não se pode deixar de concluir se verificam, no caso concreto, pressupostos para indeferir in limine o pedido de exoneração do passivo restante, ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 238º do CIRE”.

Irresignada com o assim decidido, a devedora/insolvente interpôs o presente recurso de apelação em que formula as seguintes conclusões: 1. A Insolvente/ Recorrente não se conforma com a decisão de indeferimento liminar da exoneração do passivo restante por o M. Juiz a quo não ter feito uma correta subsunção dos factos dados como provados e dos documentos constantes dos autos ao direito aplicável, nem uma correta interpretação do artigo 238º, alínea e) do CIRE.

  1. A matéria dada como provada com relevância para a decisão da causa é incipiente para o M. Juiz a quo concluir pela verificação dos requisitos previstos na alínea e) do artigo 238º do CIRE.

  2. A alínea e) do artigo 238º do CIRE dispõe o seguinte: O pedido de exoneração do passivo é liminarmente indeferido se: e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.

    º; 4. Isto é, têm que ser trazidos pelos credores, pelo administrador de insolvência ou existirem nos autos elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação nos termos do artigo 186º.

  3. Ou seja, impunha-se que a Recorrente/Insolvente tivesse atuado de forma dolosa ou com grave negligência, e que tal violação tivesse implicado um prejuízo para a realização dos créditos sobre a insolvência, devendo estes requisitos ser cumulativos e indissociáveis para operar o indeferimento do procedimento de exoneração.

  4. O que na nossa opinião não aconteceu nos autos.

  5. Mas a verdade é que a decisão de que ora se recorre baseou-se no seguinte: “…Regressando ao assunto em análise temos que a insolvente, pouco antes da sua apresentação à insolvência (cerca de um mês), doou ao seu filho a verba 1, podendo concluir-se com o único propósito de o subtrair à massa insolvente.

    Tal negócio foi, entretanto, resolvido extrajudicialmente.

    Ora, tal comportamento, agravou substancialmente a possibilidade de ressarcimento dos credores, o que apenas se não concretizou, atenta a resolução operada.

    A insolvente assumiu comportamento censurável, bem sabendo, e não podendo desconhecer, que a sua capacidade de responder às suas dívidas ficava diminuída em grande parte, agravando a sua situação financeira.

    Consequentemente, não se pode deixar de concluir se verificam, no caso concreto pressupostos para indeferir in limine o pedido de exoneração do passivo restante, ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 238.º do C.I.R.E.

    ” 8. Os fundamentos que constam das várias alíneas do artigo 238º n.

    º1 do CIRE, com exceção do disposto...

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