Acórdão nº 555/20.3T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução21 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO [1] X STC SA, apresentando-se como cessionária do respectivo crédito inicialmente titulado pela Caixa ... – Caixa ... Bancária, SA, deduziu, em 18-01-2020, no Tribunal de Guimarães, execução ordinária contra J. L.

para dela obter o pagamento coercivo da quantia de 19.048,37€ (sendo 14.213,46€ de capital em dívida e 4.834,91€ de juros) e juros vincendos.

No requerimento executivo consta alegado: “3. O Banco cedente (CAIXA ...), no exercício da sua atividade bancária, celebrou, em 19.05.2010, a pedido da ora executada, um contrato de mútuo, ao qual foi atribuído o n.º ............75, e que corresponde à operação n.º ............00, mediante o qual aquele mutuou o montante de €25.038,72, conforme contrato que aqui se junta como Documento n.º 3 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

  1. No âmbito do aludido contrato, a referida mutuária comprometeu-se a reembolsar a quantia mutuada em 96 prestações mensais, constantes e sucessivas, nos termos do disposto nas Cláusulas Particulares do contrato de mútuo junto como Documento n.º 3.

  2. Sucede que, em 20.07.2011, a mutuária deixou de efectuar os pagamentos a que estava obrigada, ficando nessa data em dívida o valor de €14.213,46, a título de capital.

  3. A este valor acrescem juros moratórios à taxa legal de 4%, desde a data do incumprimento (20.07.2011), até à data de entrada do requerimento executivo, e que perfazem o valor de € 4.834,91.” Juntou, além dos dois contratos de cessão, o contrato de mútuo, datado de 19-05-2010, intitulado “Crédito férias Montepio”, de acordo com o qual o valor mutuado foi de 15.574,95€, reembolsável, conforme condições particulares, em 96 prestações, mensais, constantes e sucessivas, sendo a primeira de 260,82€ [2], constando também das condições gerais que seriam devidos juros e despesas, e nele se observando que o valor de 25.036,72€ na petição indicado como mutuado “corresponde à soma do montante total do crédito e do custo total do crédito” para o consumidor.

    Uma vez citada, a referida executada, com apoio judiciário, deduziu, em 22-06-2020, oposição por meio de embargos, que foram admitidos liminarmente, nos quais alegou que: “… conforme consta do requerimento executivo, as prestações deixaram de ser pagas em 20.07.2011.

    5 - Verifica-se assim que o direito de exigir o valor das prestações em dívida que se venceram há mais de 5 anos, se mostra prescrito.

    6 - Assim determina o artº 310º e) do Código Civil, prescrição que expressamente se invoca.

    7 - À cautela, refira-se que os juros peticionados se mostram também prescritos, pelo menos os vencidos nos 5 anos anteriores à citação, ou ao quinto dia após a instauração da execução, prescrição que também se invoca.” E, consequentemente, pediu que seja: “a) reduzida a execução ao valor das prestações vencidas nos 5 anos anteriores à citação; b) julgadas prescritas as prestações e juros das prestações vencidas há mais de cinco anos desde a citação; c) caso assim se não entenda, reduzida a execução também no que respeita a juros, prosseguindo apenas quanto aos vencidos nos cinco anos anteriores à citação e respeitantes às prestações não prescritas.” Na contestação, para defender a improcedência, a embargada alegou: “3º Cumpre salientar o facto de estarmos perante um contrato de mútuo – contrato pelo qual uma das partes – o mutuante – empresta à outra – o mutuário – dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a última a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artº 1142 do Código Civil).

    1. Com a celebração do contrato de mútuo o mutuante entregou, ou tornou disponível, à Embargante, coisas fungíveis – uma dada quantidade de espécies monetárias - dinheiro – ficando a Embargante adstrita ao dever de as restituir.

    2. Contudo, há que salientar que o dever de restituir, diferido no tempo, que cabe ao mutuado não se pode equiparar a um simples plano de amortização de capital e respetivos juros por prestações periódicas.

    3. Deste modo, é necessário a distinção entre obrigações únicas com pagamentos fracionados e prestações periódicas, pois o prazo de prescrição aplicável, in casu concreto, não poderia ser nunca de 5 anos.

    4. Isto porque, o contrato de mútuo trata-se de um contrato de prestação única em que o reembolso é faccionado por acordo das partes.

    5. Estas prescrições de curto fundam-se no facto de evitar que: “o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornado excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor” (M.de Andrade, Teoria Geral, II, 1966, p. 452, citado por P. Lima e A.Varela, in C.C. Anotado, vol. !, 4ª ed. revista e actualizada, p. 280).

    6. No mesmo sentido, poderá ler-se nos" Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47, 1.º, 2.º e 3.º parágrafos do ponto IV.", que: “Em síntese, o preenchimento da situação contemplada na alínea e) do artigo 310° do C.C. obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, será relevante, para aquele efeito, o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios. Este dado tem, como observado, importantes reflexos em matéria de prazo prescricional, na medida em que permite suportar a conclusão de que será aplicável a referida prescrição quinquenal, e não o prazo ordinário prescricional, previsto no artigo 309°do C.C.

      Na verdade, na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos (...)." 10º E veja-se no mesmo sentido jurisprudência (vide Ac. STJ 04/05/1993, CJ STJ, t. II, p.82 e Ac. R.L. de 09/05/06, STJ de 27/03/14, R.P. de 24/03/14, in www.dgsi.pt), que refere que no referido preceito incluem-se duas situações, a saber: - prestações periodicamente renováveis (i.e., dívidas periódicas em que há uma pluralidade de obrigações distintas que reiteradamente se vão sucedendo no tempo, embora todas emergentes de um vínculo fundamental ou relacionadas entre si) – al g), - situações que se reportam a uma única obrigação cujo cumprimento é efetivado em prestações fracionadas no tempo – d) quanto aos juros e e); daí que a alínea g) ao referir “outras prestações periodicamente renováveis” tem que ser interpretada em sentido lato.

      Destarte, 11º não restam dúvidas que não se pode aplicar a alínea e) do art. 310.º do CC aos contratos de mútuo, pois tratam-se de contratos de reestruturação de créditos cujo financiamento constitui uma única obrigação passível de ser fracionada mas que, não pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo.

    7. O prazo de prescrição a aplicar ao caso concreto deverá ser sim o de 20 anos.

    8. Ora, ainda que por mera hipótese académica, se aceitasse a aplicação da alínea e) do artigo 310.º do C.C, para efeitos de prescrição dos juros. Não se poderá conceber a aplicação da alínea e) do artigo 310.º do C.C., para efeitos de prescrição do capital financiado.” No saneador, datado de 18-01-2021, foi proferida sentença sobre o mérito da causa que julgou os embargos procedentes e, consequentemente, determinou a extinção da execução.

      A exequente/embargada, foi dela notificada por correio elaborado no Citius em 19-01-2021.

      Não se conformando, mas já depois de efectuada a conta de custas, de desta notificadas as partes e dos “vistos em correição”, em 16-03-2021, apresentou ela requerimento de interposição de recurso, apelando à sua revogação, concluindo assim as suas alegações: “1.

      A recorrente, não se resigna com douta decisão, em que considera verificada a prescrição do crédito exequendo, e consequentemente determinou a extinção da instância executiva.

  4. Entende o distinto julgador que o pagamento se encontra fracionado em prestações, e que no nosso entender se encontra correto, contudo o que não se concorda é que obrigação seja fracionada.

  5. Mais a fundamentação jurisprudencial parte de um obrigação cuja sua natureza é desde logo fracionada, e não a contra prestação estar prevista ser realizada de forma fracionada.

  6. Existe no nosso entender um mistura entre duas naturezas distintas de obrigações no qual que se aproveita uma norma jurídica que tem como pressuposto uma natureza obrigacional distinta da qual foi peticionada na execução.

  7. A ora recorrente não peticionada qualquer montante referente ao fracionamento, mas sim a obrigação integral, tendo sido considerado provado era devido o montante total de capital.

  8. Não se poderá deixar de repetir uma vez mais que aplicação do art.º 310.º, alínea e), do Código Civil, não será aplicável in casu, porquanto não estão a ser peticionadas prestações, mas sim o valor de capital.

  9. Não só advém da lei, mas também do contrato que o incumprimento implica o direito do credor peticionar o valor global em dívida, e não apenas as prestações que se encontram em atraso.

  10. Considerando que foi dado como provado o incumprimento, não se compreende como é que a decisão aplica uma norma que é aplicável a uma obrigação de natureza diversa daquela que foi peticionada nos autos principais.

  11. Considera-se que o prazo de prescrição a aplicar ao caso concreto deverá ser sim o de 20 anos.

  12. Por último não se poderá deixar de salientar, que a decisão igualmente nunca poderia comportar a prescrição da totalidade dos juros peticionados, no limite quanto aos juros vencidos nos últimos 5 anos.

    Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-se por uma outra que decida em conformidade com o preconizado nas presentes alegações.

    Assim decidindo, V. Exas. farão INTEIRA E SÃ JUSTIÇA”.

    A embargante/executada respondeu, alegando, além do mais...

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