Acórdão nº 4407/20.9T8VNF-J.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução21 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.

*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1.

Nos autos de insolvência (principais, e de que estes são apenso) pertinentes a X – Com…, n.º …, Edifício …, em Barcelos, foi declarada a insolvência respectiva, por sentença de 19 de Novembro de 2020 (já transitada em julgado), sendo fixado na mesma o prazo de trinta dias para reclamação de créditos.

1.1.2.

Reclamados, foi junta pelo Administrador da Insolvência a lista dos créditos reconhecidos, como privilegiados (os créditos de origem laboral, no valor global de € 54.181,00, e parte dos créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga, no valor global de €125.907,09, e pela Fazenda Nacional, no valor global de €108.560,64) e comuns (todos os demais), no valor global de € 539.265,00.

1.1.3.

A lista dos créditos reconhecidos não foi objeto de qualquer impugnação.

1.1.4.

Foram apreendidos nos autos principais, para a massa insolvente, apenas bens móveis (v.g. mobiliário e equipamento de escritório, quota social, e direitos de crédito).

1.1.5.

Foi proferida sentença, de reconhecimento e graduação de créditos, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Vistas as normas legais atrás citadas e o disposto nos art. 510.º, n.º 1, b) do CPC e n.ºs 4 a 6 do art. 136º do CIRE, Porque não houve qualquer impugnação e vistas as normas legais agora transcritas, nos termos do n.º 3 do art.º 130 CIRE, a) - Homologo a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Administrador de insolvência; b) - Graduo os créditos assim reconhecidos para serem pagos pelo produto obtido pela liquidação do activo, pela forma seguinte: - Em primeiro lugar, os créditos laborais; - De seguida, e na parte em que é privilegiado, o crédito reclamado pela Fazenda Nacional.

- Posteriormente, e na parte em que é privilegiado, o crédito reclamado pelo ISS, IP; - Por último, a par e em rateio, os demais créditos, todos comuns.

As custas e despesas de administração saem precípuas – art.ºs 140,3 e nº 1 do art.º 172 CIRE.

Custas pela massa insolvente.

Registe e notifique.

(…)» * 1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o credor Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida, por forma a que se graduassem a par os créditos privilegiados reclamados por si próprio e os créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Nacional.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1 - Nos presentes autos, tal como consta da lista de créditos reconhecidos (art. 129º do CIRE) o ISS/Centro Distrital de Braga reclamou crédito privilegiado no montante de €125.907,09, o mesmo acontecendo com a Fazenda Nacional, tendo reclamado crédito privilegiado no valor de €108.560,64.

2 - Na douta decisão recorrida, reconhece-se corretamente o crédito reclamado pelo ora requerente e respetivos juros.

3 - Assim como se afirma, e bem, que tanto o crédito reclamado pelo Recorrente como o crédito da Fazenda gozam de privilégio mobiliário geral.

4 - De harmonia com o artigo 733.º do Código Civil (CC) “privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros”, podendo os privilégios ser mobiliários ou imobiliários, como se consigna no artigo 735.ºdo CC. A ordem segundo a qual são pagos é a que está estabelecida nos artigos 745.º e ss do Código Civil.

5 - O imposto de IVA goza de privilégio mobiliário geral sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora, ou outro ato equivalente; 6 - Os impostos de IRS e IRC gozam de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora, ou outro ato equivalente; 7 - Os créditos da Segurança Social por contribuições e quotizações gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário; 8 - Os créditos identificados em 1. 2. e 3. têm privilégios idênticos; 9 - Assim e porque nos autos apenas foram apreendidos bens móveis, tais créditos devem ser graduados em paridade nos termos das disposições conjugadas dos arts. 747º, nº 1, al. a), in princípio, do Código Civil, e 204º, nº 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social; 10 - Foram violados os arts. artigo 111.º do CIRS e artigo 116°.º do CIRC, no artigo 204.º do Código Contributivo e no artigo 745.º n.º 2 do CC.

11 - A questão já mereceu apreciação jurisprudência superior em termos que aderimos e que, com a devida vénia, devem ser seguidos de perto, designadamente o plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 535/18.9T8MT-C.P1.

12 - Por isso, os créditos privilegiados do Recorrente devem ser graduados a par dos créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Nacional.

*1.2.2. Contra-alegações Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações nos autos.

*II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

*2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto da sentença de reconhecimento e graduação de créditos, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem: · Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei (nomeadamente, ao graduar o crédito privilegiado reclamado pelo Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga depois do crédito privilegiado reclamado pela Fazenda Nacional), devendo ser alterada a decisão proferida (nomeadamente, graduando-se ambos os créditos referidos a par) ?*III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

* IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1. Reclamação e reconhecimento de créditos 4.1.1. Regime legal (no processo de insolvência) Lê-se no art. 47.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (1), que, declarada «a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio».

Estão aqui em causa dívidas da insolvência (a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência), isto é, «créditos sobre o insolvente que tenham natureza patrimonial sobre o insolvente, ou sejam garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011 - 3.ª Edição, pág. 105) (2).

Mais se lê: no art. 90.º, do CIRE, que os «credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência»; e, no art. 91.º seguinte, que a «declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva».

Compreende-se, por isso, que a sentença que declare a insolvência tenha, obrigatoriamente, que designar «prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos» (art. 36.º, n.º 1, al. f), do CIRE); e, tendo a ulterior verificação de créditos «por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento», nem mesmo «o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva (…) está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento», pelo que terá de o reclamar dentro «do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência», «incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente» (n.ºs 1 e 3, do art. 128.º, do CIRE) (3).

Reafirma-se, deste modo, quer a natureza de «processo de execução universal» do processo de insolvência (isto é, sobre todo o património do devedor), conforme art. 1.º, do CIRE, quer a sua natureza de «processo concursal» (isto é, em que são chamados todos os credores do insolvente, por forma a garantir a igualdade de todos aqueles que se encontrem nas mesmas condições, face às classes de créditos que invoquem), conforme art. 47.º, n.º 4, do mesmo diploma (4).

Lê-se ainda, no art. 129.º, n.º 1, do CIRE, que nos «15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos», podendo nela incluir créditos não reclamados mas «cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por qualquer forma do seu conhecimento».

Compreende-se, por isso, que se afirme que: a «reclamação não é, no entanto, essencial para o reconhecimento do crédito, dado que o administrador da insolvência tem o dever de reconhecer, não apenas os créditos reclamados, mas também os que constem dos...

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