Acórdão nº 179/15.9FAF.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCÂNDIDA MARTINHO
Data da Resolução25 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Desembargadora Relatora: Cândida Martinho Desembargador Adjunto: António Teixeira.

Acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. Relatório 1.

    Nestes autos de processo comum com o nº179/15.7T9FAF , do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães, foi proferida sentença, nos termos da qual foi decidido, para além do mais: - Absolver os arguidos A. R. e S. G. da prática do crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal.

    - Condenar o arguido A. R., pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros).

    - Condenar o arguido A. R., pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nº 1, do Código Penal, na pena de 160 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros).

    - Em cúmulo jurídico das penas referidas em b) e c), condenar o arguido na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros).

    - Condenar a arguida S. G., pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros).

    - Condenar o arguido S. G., pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nº 1, do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros).

    - Em cúmulo jurídico das penas referidas em e) e f), condenar a arguida na pena única de 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros).

    - Condenar os arguidos/demandados A. R. e S. G., solidariamente, no pagamento à demandante T. F. da quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data desta decisão até integral pagamento, absolvendo-os do mais peticionado.

    1. Inconformados com tal decisão vieram cada um dos arguidos A. R. e S. G. recorrer da mesma, formulando, em síntese, as seguintes conclusões (transcrição): Conclusões apresentadas pelo arguido A. R.: «1ª Vem o recurso interposto da sentença condenou o recorrente pela prática de um crime de injúria e um crime de difamação, em cúmulo jurídico, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de 7,00€ e no pedido de indemnização civil no pagamento, solidário, de 2.000€.

      1. A acusação particular acolhida pela decisão instrutória não foi alvo de pronúncia por parte do Ministério Público, não tendo este aquilatado se existiam ou não indícios suficientes da prática de crime e de quem eram os seus agentes, nem acusou pelos mesmos factos ou deixou de acusar – artºs 285º nº2 e 4 do Código de Processo Penal – pura e simplesmente porque entendeu como válida a segunda acusação deduzida.

      2. O disposto no nº4 do artº 285º do Código de Processo Penal não pode ser entendido como uma mera faculdade ao dispor do Ministério Público, uma vez que a interpretação de tal preceito tem que ser buscada nas normas constitucionais (artº 219º nº1 da CRP) e ordinárias (artº 53º nº1 e 2 al. d) do Código de Processo Penal).

      3. De facto, seguindo aqui o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/2/99, publicado in CJ XXIV, tomo I, pag. 154 “(…) há casos em que o Ministério Público tem de aguardar a iniciativa do assistente. Mas, ainda aí ele não pode alhear-se do processo (…)”, isto porque tem que estar presente e sustentar a acusação em julgamento.

      4. A interpretação que se deve extrair daquele nº4 do artº 285º do Código de Processo Penal é a de que “o MP, nestes casos e garantida que está a sua legitimidade, pela acusação particular, “pode” apenas fazer uma de duas coisas – acusar também (com as particularidades e a liberdade de acção que a norma prevê) ou não acusar. O que não “pode” é assumir uma atitude de inércia ou não intervenção.

      5. Assim, existindo omissão de pronúncia do Ministério Público que não acusou pelos factos da acusação particular de fls. 289 e seguintes ou por quaisquer outros, verifica-se a nulidade insanável prevista no artº 119º al. b) do Código de Processo Penal.

      6. A interpretação que se extraia do disposto no artº 285º nº4 do Código de Processo Penal no sentido de que não é obrigatório o despacho aí previsto relativamente a acusação deduzida pelo assistente, é inconstitucional por violação do disposto nos artºs 32º nº1 e 5 e 219º nº1 da Constituição.

      7. Tanto faz que as diferenças entre as duas acusações se centrem “em factos que melhor concretizem o contexto em que ocorre a prática dos crimes imputados aos arguidos” como em factos não instrumentais ou típicos, a menos que pretendamos meter o princípio do contraditório “na gaveta” e fazer de conta que ele não existe.

      8. Mesmo que se entendesse que a nulidade decorrente da falta de despacho do MP nos termos do artº 285º nº4 do Código de Processo Penal era sanável, o recorrente arguiu-a atempadamente.

      9. A nulidade estava arguida cautelarmente – artº 2º a 4º do requerimento de instrução -, independentemente do nomen juris da nulidade – e sendo nulidade sanável nos termos do artº 120º nº2 al. d) do Código de Processo Penal foi atempadamente arguida no requerimento de abertura da instrução, uma vez que poderia ser arguida até ao encerramento do debate instrutório – artº 120º nº3 al. c) do Código de Processo Penal.

      10. Mas, independentemente de a nulidade ser sanável ou não sanável, verdade é que a acusação sufragada pela pronúncia não foi acompanhada pelo Ministério Público e foi substituída pela assistente que, com o acto de apresentação da segunda acusação, desistiu expressamente do julgamento da primeira acusação.

      11. Mesmo que se entenda que a nulidade é sanável, então o recorrente não foi notificado da acusação para requerer a abertura da instrução, nem tinha que o ser, porque a assistente desistiu do conhecimento da primeira acusação, substituindo-a por uma segunda!!! 13ª Mas, se se entender que tinha que o ser, então a falta de notificação da acusação e a impossibilidade de relativamente a esta ser requerida condignamente a abertura da instrução, constitui nulidade insanável prevista no artº 119º al. c) do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/9/06, relatado por Anselmo Lopes, publicado in www.dgsi.pt).

      12. Por outro lado, aplicando-se tout court o princípio da irretractabilidade da acusação ao assistente, a segunda acusação deduzida é inexistente, porque estava precludido o direito de acusar por banda da assistente (neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1573/16.1PIPRT-B.P1, datado de 15-02-2019, relatado por Paulo Costa, disponível em www.dgsi.pt e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 189/07.4JABRG.G1, de 24-04-2017, relatado por Fátima Furtado, disponível em www.dgsi.pt e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães , processo n.º 1958/15.0T9BRG.G1, datado de 22-10-2018, relatado por Clarisse Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt todos supra citados).

      13. A acusação particular coonestada pela pronúncia, como resulta do douto acórdão da Relação da Relação de Guimarães, proferido a 11/09/2018, não se encontra acompanhada pelo Ministério Público.

      14. Considerando que a prática dos factos ocorreu nos dias 24/12/2014 e 27/05/2015, o procedimento criminal prescreveu quanto ao crime de injúria no dia 24/12/2016 e quanto ao crime de difamação no dia 27/05/2017. Isto porque, não se aplicam causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição, uma vez que inexistiu qualquer pretensão do Estado em condenar pela acusação sufragada pela pronúncia (neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 2748/05.4TASNT-3, em que foi Relator Carlos Almeida, de 06/02/2009 e o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 445/2012, publicado no DR, II de 16/11/2012).

      15. Na sentença sob sindicância, apesar de se ter feito uma descrição do depoimento das testemunhas, inexiste qualquer exame crítico da prova, de forma que, através da leitura da sentença não se consegue alcançar qual o raciocínio lógico-dedutivo que o Tribunal empreendeu para atingir a decisão final.

      16. Com efeito, no que toca ao exame crítico da prova o Tribunal ficou-se por curtas expressões, como a de que o depoimento da assistente e das testemunhas M. M. e O. M. foram “sinceros e objectivos”, mas que são manifestamente insuficientes para se concluir qual o raciocínio que se empreendeu para se chegar à decisão final, ou seja, o Tribunal faz uma avaliação da prova produzida apresentando as suas conclusões, mas sem que dê ao seu leitor a conhecer quais os pressupostos de que parte para chegar a tais conclusões.

      17. Relativamente às restantes testemunhas e arguidos nada se diz em termos de exame crítico da prova.

      18. Assim, a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, por não conter o exame crítico da prova tida por relevante para a decisão a proferir, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, conjugado com os arts. 379.º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma, violando os arts. 32.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

      19. O crime de difamação eo crime de injúria estão inseridos no capítulo VI do Código Penal com a epígrafe – Dos crimes contra a honra.

      20. “A honra quer na perspectiva subjectiva ou interior – o juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma – quer na objectiva – o valor dado pelos outros, reflectido na consideração, bom nome, reputação; mas ainda tendo em conta que para a norma a honra é um conceito ideal que, partindo da realidade fáctica subjectiva e objectiva se concebe como um atributo inato, comum a todas as pessoas, sendo que a comunidade onde cada pessoa se insere não constitui a fonte da honra mas apenas o lugar onde ela se revela e actualiza a consideração entende-se da estima que cada um pode ter adquirido no estado ou estatuto que detém.” – cfr. acórdão da Relação de Coimbra...

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