Acórdão nº 802/17.9T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | ALCIDES RODRIGUES |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I.
Relatório M. V., em representação de sua filha B. N., menor de idade, requereu a fixação de alimentos em benefício desta última, demandando para o efeito A. R. e M. L., avós paternos da menor, alegando, em suma, que o pai desta última faleceu durante o ano de 2011 e que não dispõe de rendimentos suficientes para fazer face ao sustento da filha, ao contrário dos requeridos, que dispõem de um vasto património que lhes permite, por isso, prestar alimentos à neta.
*Realizou-se conferência a que alude o art. 46.º, n.º 1, do RGPTC, durante a qual não foi possível alcançar acordo.
*Notificados os requeridos nos termos e para os fins do disposto no art. 47.º, n.º 1, do RGPTC, estes apresentaram contestação, na qual invocaram a preterição de litisconsórcio passivo necessário, considerando para o efeito que também deveriam ter sido demandados os avós maternos da menor.
Mais alegaram que a A. usufrui de uma situação financeira estável que lhe permite suportar os encargos com a menor, ao contrário do que sucede consigo, uma vez que apenas auferem uma pensão de velhice, sendo certo que apesar de serem proprietários de alguns imóveis estes não geram quaisquer rendimentos.
*Na procedência da excepção de ilegitimidade passiva invocada pelos requeridos, foi ordenada a citação dos avós maternos da menor.
*Os avós maternos da menor apresentaram contestação, na qual alegaram que são pessoas de parcos recursos económicos, mas que apesar disso ajudam a neta na medida daquilo que lhes é possível, designadamente comprando-lhe roupa e bens alimentares.
*Foram elaborados relatórios socio-económicos.
*Entretanto, faleceu o avô materno da menor, pelo que foi determinada a suspensão da instância até à habilitação dos seus sucessores.
*Após a habilitação dos sucessores do avô materno da menor, realizou-se a audiência de julgamento.
*Posteriormente, o Mm. Julgador “a quo” proferiu sentença nos termos da qual decidiu: - Fixar a prestação de alimentos a pagar pelos requeridos A. R. e M. L. à menor B. N. no montante mensal de 250,00 €, quantia esta que será anualmente atualizada, em janeiro, à razão de 10,00 €.
- Absolver a requerida M. I., bem como os sucessores habilitados para prosseguirem a lide em substituição do requerido A. V., do pedido formulado contra os mesmos.
*Inconformada com esta sentença dela interpuseram recurso os requeridos, avós paternos da menor, e, a terminar as respetivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I- O tribunal recorrido não valorou devidamente a prova produzida e não decidiu em conformidade com os factos dados como provados, nomeadamente no que à condição económico-financeira dos Apelantes diz respeito.
II- O tribunal recorrido fez uma avaliação tendenciosa das informações bancárias juntas aos autos, ignorando factos que resultaram provados.
III- A presente ação deu entrada em juízo no ano de 2017.
IV- O Mmo juiz a quo fundamentou a situação económica dos ora Apelantes, nomeadamente no ponto 45 dos factos dados como provados, no facto de durante os anos de 2014, 2015 e 2016, respetivamente, apresentarem os seguintes rendimentos: € 53.355,55 ( sendo 9.551,83 a título de rendimentos de pensões, € 39.133,28 a título de rendimentos de capitais e € 4.800,00 a título de rendimentos prediais….), €42.603,55 ( sendo € 9.551,88 a título de rendimentos de pensões, € 27.267,81 a título de rendimentos de capitais e €1.200,00 a título de rendimentos prediais….), € 21.613,33( sendo € 9.589,97 a título de rendimentos de pensões, €12.023,36 a título de rendimentos de capitais).
V- Relativamente ao ano de 2017, 2018, 2019, 2020 o Digníssimo tribunal recorrido não tem qualquer fundamento ou indicação daquilo que foram os rendimentos dos Apelantes, sendo que a este respeito se dá de barato que mantenham o mesmo rendimento a título de pensão de reforma.
VI- Neste momento, como já em 2017, 2018 e 2019 todo o património imobiliário dos Apelantes era património improdutivo ( ponto 50 e 53 dos factos provados), e consequentemente não gera qualquer receita só gerando despesas.
VII- O único rendimento que os Apelantes dispõem é o proveniente das suas pensões de reforma, sendo que com o mesmo tem de fazer face à sua vivência quotidiana e bem assim suportar todos os encargos inerentes á conservação e manutenção dos imóveis e ainda suportar os encargos fiscais inerentes ao direito de propriedade dos mesmos.
VIII- Os Apelantes não se querem eximir à responsabilidade legal de contribuir com alimentos para a pequena B. N., no entanto o montante arbitrado, em função dos rendimentos auferidos é manifestamente desproporcional e exagerado.
IX- O depósito bancário titulado pelos Apelantes é um valor patrimonial consolidado que corresponde às poupanças de uma vida e é com este valor que os Apelantes terão de fazer face à sua vivência e cuidados que venham a necessitar na sua velhice.
X- Os Apelantes têm, em conjunto, como único rendimento cerca de € 685,00 mensais de pensão de sobrevivência.
XI- Se aos € 685,00, valor disponível para assegurar a vivência e encargos a suportar pelos Apelantes, retirarmos o valor arbitrado para a pensão de alimentos da menor - €250- vemos que ficam com o rendimento disponível para a sobrevivência de ambos e suporte com todos os encargos e despesas com todo o património que detém €435,00 o que corresponde a cada um, em média a € 217,50.
XII- Outra questão que não deixa de chamar à atenção é a quantidade de dívidas e o valor das mesmas que a mãe alegadamente terá pago, tendo em conta que como a mesma declarou num primeiro momento não tinha rendimentos e actualmente trabalha numa imobiliária, auferindo €500,00 mensais, acrescido de comissões.
XIII- Nenhum estabelecimento comercial existe que tenha feito parte da herança do finado pai da menor, pelo que induz em erro que os pagamentos de tais dívidas se destinem a permitir o funcionamento do alegado estabelecimento.
XIV- Decorre do sentido comum que a menor pela sua idade tem direito a um abono social, facto que foi escamoteado pela progenitora e não foi ponderado na decisão recorrida.
XV- A menor faz actividades extracurriculares com isenção de pagamento (ponto 46 dos factos provados, o que leva a concluir que a mesma, até pelos rendimentos do agregado familiar, tem subsistido escolar, escalão “A”.
XVI- Gozando deste tipo de benefício a menor além de manuais escolares gratuitos tem senhas de alimentação gratuitas para a cantina escolar, pelo que a alegada média de €200,00 (duzentos euros) que a mãe suporta em despesas de alimentação são manifestamente exageradas.
XVII- Mesmo segundo o que alegadamente se deu como provado, e que não se aceita, no sustento da menor, a mãe gastará € 200,00 (duzentos euros) em alimentação, € 50 (cinquenta euros) em vestuário e € 50,00 (cinquenta euros) em despesas de saúde, perfazendo uma despesa mensal de €300,00 (trezentos euros).
XVIII- Tendo a mãe um rendimento mensal de €500,00 (quinhentos euros) e comissões e cada um dos avós € 342,50, é manifestamente exagerado e desproporcional que os avós em € 300,00 (trezentos euros) de despesas com a menor viessem a suportar € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) e a mãe apenas € 50,00 (cinquenta euros), quando o rendimento per capita dos avós é manifestamente inferior ao da progenitora, sendo certo que esta ainda recebe o abono da menor.
XIX- A herança aberta por óbito do pai da menor deixou diverso património imobiliário que tem uma expressão pecuniária que se pode considerar relevante.
XX- Se a menor tem património herdado cuja expressão pecuária se pode considerar relevante da rentabilização do mesmo poderá fazer face as suas necessidades, sendo que a própria mãe já obteve autorizações judiciais para proceder à sua alienação.
XXI- A decisão ora em crise compromete as condições básicas de subsistência e vivência dos ora Apelantes e faz impender sobre os mesmos um ónus e um encargo que vai muito além das suas possibilidades e daquilo que é razoável.
XXII- Os pressupostos objectivos, prendem-se com as possibilidades económicas do menor, e com os recursos dos obrigados, neste caso dos avós.
XXIII- O princípio da razoabilidade deverá ser aferido em cada caso, nomeadamente pela ponderação de condições subjectivas pertinentes do menor, e de condições objectivas pertinentes ao mesmo e pertinentes aos seus avós paternos.
XXIV- A sentença recorrida violou o princípio da razoabilidade e proporcionalidade.
Termos em que, na procedência da presente apelação, deve ser revogada a douta sentença a quo, proferindo-se, em sua substituição, douto acórdão, que esteja em conformidade a prova produzida e faça uma correcta ponderação do caso concreto, Assim se fará sã, serena e objectiva JUSTIÇA, COMO OS APELANTES ESPERAM».
*O Ministério Público, a M. V., na qualidade de representante legal de sua filha B. N., e a interveniente principal, M. I., apresentaram, separadamente, contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e improcedência do recurso.
*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*II. Delimitação do objeto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber: 1.ª – Questões prévias: i) Da (in)admissibilidade dos documentos juntos (pela representante legal da menor) com as contra-alegações de recurso; ii) Da pretensa impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
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– Do montante da prestação alimentar devida à menor a cargo dos avós recorrentes.
*III.
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