Acórdão nº 4884/20.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO [1] A autora M. M.

, nascida em ..-05-1952, intentou, em 12-10-2020, no Tribunal de Guimarães, contra as rés Seguradoras “X” e “Y”, acção declarativa, sob forma comum, pedindo a condenação de uma ou de outra (individualmente), ou de ambas (solidariamente)[2], a pagar-lhe indemnização, por danos, no montante liquidado de 66.000€ e no que se vier a liquidar ulteriormente e, ainda, em juros.

Fundamentou-se, em síntese [3], na alegação de que, em 11-11-2017, como peão, foi vítima de um “duplo” atropelamento, com projecção e queda no solo do qual lhe resultaram lesões corporais traumáticas (designadamente fracturas dos ossos do nariz e da clavícula) que implicaram a sua condução ao Hospital, onde lhe foi prestada assistência. Apesar de ter tido alta nesse dia, foi sujeita a variados exames, consultas e tratamentos clínicos que se prolongaram até Dezembro de 2018. Sofreu (e continuará a sofrer) prejuízos de diversa natureza (também ao nível psíquico e exigentes de tratamentos psiquiátricos).[4] Entre outros meios, requereu a produção de prova pericial (ao abrigo dos artºs 467º e sgs, do CPC), mediante arbitramento, através de exame médico-legal na sua pessoa, a realizar pelos serviços do Instituto Nacional de Medicina Legal, indicando como seu objecto [5], resumindo, as questões de facto (artº 475º) conexionadas com a descrição das lesões sofridos em consequência do evento, sequelas (físicas e psíquicas) daí resultantes e respectiva avaliação.

Na audiência prévia, foram pelo tribunal enunciados, como temas de prova, além de outros, os das alíneas b), d), e) e i), relativos ao apuramento das lesões, respectivas sequelas, sua repercussão pessoal e funcional no dia-a-dia, designadamente as “consequências emocionais”.

O tribunal deferiu, então, a perícia requerida e fixou como seu objecto a “avaliação do dano corporal, devendo incluir a resposta aos quesitos enumerados pela autora”.

Realizou-se o exame. Do relatório preliminar respectivo [6], além do mais, consta que, no capítulo de “queixas”, a examinanda referiu, quanto a “cognição e afetividade”, padecer de “síndrome depressivo com diagnóstico há 8 anos com acompanhamento pela médica de família, tendo sido medicada com antidepressivos”, terapêutica que teria “interrompido cerca de 1,5 anos antes do acidente em apreço por sentir «melhoria»” mas terá “retomado …logo após”, por se sentir «muito em baixo, com muita tristeza outra vez porque foram dois acidentes…fiquei muito doente outra vez da cabeça», afirmando sentir mais impacto essencialmente a nível do padrão do sono e «perda de vontade de fazer as coisas»”. Não foram apresentadas conclusões definitivas. Pelo Perito foram, antes, solicitados o processo clínico completo existente na seguradora e a realização de perícia de psiquiatria forense.

Então, a ré “Y” requereu ao tribunal, “ao abrigo do disposto no artº 480º, nº 3, do CPC, se digne autorizar a sua assistência à aludida diligência, devidamente representada por assessor técnico”, indicando para o efeito o nome de uma Médica Psiquiatra.

Notificada a autora “entre mandatários” deste requerimento, não consta que sobre ele se tenha pronunciado.

Seguidamente, com data de 28-09-2021, foi proferida a seguinte decisão: “Quanto à presença de assessor técnico no exame da especialidade de psiquiatria: O facto de a perícia ser médico-legal não afeta a possibilidade de controlo das partes da diligência, nos termos do que resulta no artigo 480º/3, do Código do Processo Civil (CPCiv), pelo menos quando está em causa a avaliação de dano em direito civil.

Com efeito, contrariamente às perícias médico-legais efetuadas em processos de natureza criminal, em que o artigo 3º/1, da Lei n.º 45/2004, de 19.08 [que aprovou o Regime Jurídicos das Perícias Médico-Legais e Forenses], expressamente afasta a faculdade de designação de consultar técnico [quando dispõe que é inaplicável o artigo 155º, do Código do Processo Penal], no caso de processos de natureza cível, não há norma que derrogue a disposição geral prevista no artigo 480º/3, do CPCiv.

Assim, a admissibilidade da assistência de assessor técnico está balizada pelos limites constantes do artigo 480º/3, parte final, do CPCiv (vd. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21.02.2019, proferido no processo n.º 961/18.3T8VFR-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).

Quando está apenas em causa a avaliação do dano corporal, em regra, por referência à citada norma do artigo 480º/3, do CPCiv, tem este Tribunal admitido a intervenção das partes e do respetivo assessor técnico, mas ressalvando-se a parte do exame atinente à perscrutação de repercussões das sequelas a nível sexual, por se entender que essa presença, quanto a esta matéria, seria suscetível de ofender o pudor do examinando.

Do mesmo passo, entende-se que, atento o caráter íntimo subjacente ao exame da especialidade de psiquiatria, está vedada a presença das partes e de assessores técnicos, por serem passíveis de afetar a liberdade do examinando e de pôr em causa o seu pudor.

Nesta medida, indefere-se o requerido sob a REFª: 39609512.

Notifique.” A ré “Y” não se conformou e apelou a que esta Relação revogue tal decisão, tendo assim concluído as suas alegações de recurso: “1. A Apelante requereu ao Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 480.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, que fosse autorizada a sua assistência ao exame da especialidade de psiquiatria, representada por assessor técnico, concretamente a Exma. Senhora. Dra. M. A., médica psiquiatra.

  1. A A. não apresentou qualquer oposição a tal requerimento.

  2. No despacho recorrido foi considerado que “atento o caráter íntimo subjacente ao exame da especialidade de psiquiatria, está vedada a presença das partes e de assessores técnicos, por serem passíveis de afetar a liberdade do examinando e de pôr em causa o seu pudor.”.

  3. Uma médica psiquiatra, na qualidade de assessora técnica, a representar a parte, está adstrita a deveres de respeito, independência, autonomia e sigilo, pelo que a sua presença jamais será susceptível de afetar a liberdade da examinanda, e muito menos de pôr em causa o seu pudor.

  4. Nos presentes autos, o estado psicológico da A. é parte integrante da matéria de facto alegada na petição inicial, é fundamento do pedido apresentado nos autos e está inserido nos temas de prova fixados pelo Tribunal a quo.

  5. A presença de uma médica psiquiátrica num exame da especialidade de psiquiatria, na qualidade assessora técnica, integra o direito de defesa da Apelante, de forma a que a mesma possa tomar a devida posição sobre o relatório pericial que se produzirá, por um lado, e, por outro, para poder avaliar os reflexos de tal perícia médica para com a matéria de facto objecto dos temas de prova.

  6. Destarte, o despacho recorrido, ao indeferir a assessoria técnica requerida, violou o disposto nos artigos 4.º, 50.º e 480.º n.º 3 do Código de Processo Civil, 8. Sendo certo que, através da correta interpretação das supra referidas normas jurídicas, deve o despacho supra identificado ser revogado, e ser deferido o pedido da Apelante de se fazer representar pela Exma. Senhora Dra. M. A., médica psiquiatra, no exame da especialidade de psiquiatria.

    Termos em que, sem prejuízo do sempre douto suprimento que se espera de V. Exas., devem as conclusões de recurso ser julgadas totalmente procedentes, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, com as ulteriores consequências legais, como é de Justiça!” A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido.[7] O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, em separado, com efeito devolutivo.

    Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivos, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

    1. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

      Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

      O ponto de partida do recurso, por princípio, é sempre a própria decisão recorrida.

      Com efeito, no nosso modelo (de reponderação e não de reexame da causa), por meio daquele reapreciam-se...

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