Acórdão nº 7004/19.8T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Setembro de 2021
Magistrado Responsável | ANTÓNIO BARROCA PENHA |
Data da Resolução | 23 de Setembro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO J. F. e esposa O. S. intentaram, em 19.11.2019, ação de despejo contra M. P. Indústria de Carnes, Lda.; P. C.; e P. R., peticionando que: A) Seja declarada a resolução imediata do contrato de arrendamento identificado nos artigos 1º a 11º da petição inicial, objeto dos presentes autos, por falta de pagamento das rendas vencidas e vincendas supra referidas nos artigos 12º a 21º da petição inicial, e consequentemente; B) Sejam os 1º, 2º e 3º réus solidariamente condenados ao despejo imediato e à entrega imediata aos autores do local arrendado, deixando-o livre e devoluto de pessoas e bens e na configuração e estado original do locado, no prazo máximo de oito dias contados desde o transito em julgado da sentença; C) Sejam os 1º, 2º e 3º Réus solidariamente condenados, no pagamento aos autores, das seguintes quantias: a) das rendas vencidas e não pagas até ao momento no montante total de 16.800,00€ (Dezasseis Mil e Oitocentos Euros) correspondente à soma das rendas já vencidas e não integralmente pagas, identificadas nesta petição inicial (Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro, Novembro e Dezembro de 2019 = 12 rendas x 1.400,00€= 16.800,00€); b) bem como a quantia que se vier a apurar a título de todas rendas que se vierem a vencer na pendência desta ação e até efetiva entrega do imóvel/locado livre e devoluto de pessoas e bens; c) bem como ainda dos juros moratórios vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor e contados desde o dia da constituição em mora sobre cada uma das rendas vencidas e não pagas e até efetivo e integral pagamento; D) Sejam os 1º, 2º e 3º réus solidariamente condenados, no pagamento aos autores de 50% sobre o valor da última renda, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe vierem a ser impostas pela sentença que vier a ser proferida e a partir do 8º dia contado desde o trânsito em julgado da sentença.
Regularmente citados os réus em 21.11.2019, somente o réu P. R. contestou, impugnando a factualidade alegada pelos autores, tendo concluído pela improcedência da ação e pela condenação dos autores como litigantes de má fé.
Os autores responderam, designadamente invocando a extemporaneidade da contestação apresentada, concluindo como na petição inicial.
Por despacho proferido a 30.12.2019, no processo n.º 7903/19.7T8VNF, que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 3, foi admitido o processo judicial de revitalização da sociedade ré M. P., Lda. (cfr. fls. 140).
Por sua vez, por sentença proferida a 01.09.2020, no mesmo processo judicial, transitada em julgado em 22.09.2020, foi homologado o plano de revitalização da sociedade ré M. P., Lda.
(cfr. fls. 156 verso a 204 verso).
Os autores reclamaram os seus créditos a título de rendas vencidas e não pagas pela sociedade ré, no montante global de € 18.200,00, tendo tais créditos ficado a constar da lista provisória de créditos e sido admitidos parcialmente pela devedora (cfr. fls. 96 a 134).
Por requerimento de 19.10.2020, os autores, invocando que os réus não apresentaram prova de que efetuaram o depósito liberatório ou consignaram em depósito as somas devidas e relativas às rendas em atraso desde Janeiro de 2020 a Outubro de 2020 (10 meses de rendas vencidas e não pagas) e a respetiva indemnização, vieram requerer o despejo imediato (cfr. fls. 138 e 139).
Idêntico requerimento, foi efetuado pelos autores, em 05.04.2021, agora com fundamento de que os réus não apresentaram prova de que efetuaram o depósito liberatório ou consignaram em depósito as somas devidas e relativas às rendas em atraso, desde Dezembro de 2018 a Dezembro de 2019 (13 meses de rendas vencidas e não pagas) e desde Janeiro de 2020 a Abril de 2021 (16 meses de rendas vencidas e não pagas) e a respetiva indemnização, não obstante citados para os termos da presente ação em 21.11.2019 e notificados através das notificações judiciais avulsas de 14.10.2029 (junta com a petição inicial) e novas notificações judiciais avulsas de 05.12.2020, 05.12.2020 e 02.12.2020 (cfr. fls. 180 a 204).
Em sede de audiência prévia, realizada a 07.04.2021, foi proferido despacho, de acordo com o qual o tribunal a quo, após analisar diversa jurisprudência relevante para o caso, concluiu que o processo de revitalização conduz à suspensão, não só das ações executivas, mas igualmente das ações declarativas de cobrança de dívidas contra a sociedade devedora e, como tal, declarou a suspensão do prazo para os réus contestarem a presente ação, desde 30.12.2019, assim julgando improcedente a alegada intempestividade da apresentação da contestação do réu P. R..
Na sequência, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho: “Dos efeitos, na presente acção, da homologação do plano -----Nos termos e com os fundamentos expostos no despacho precedente, que por economia de meios aqui se dão por integralmente reproduzidos, a que acresce a circunstância de ter transitado em julgado a sentença proferida a 20.08.2020 que homologou o plano de revitalização da Ré “M. P.” (cfr. certidão junta as autos) no qual se não mostra salvaguardada a continuação a presente acção, o disposto nos artigos 17.º-E, n.º 1 e 222.º-E, n.º 1 do CIRE e a jurisprudência fixada pelo Acórdão n.º 1/2014 do Plenário das Secções Cível e Social do Supremo Tribunal de Justiça (in DR, I Série, n.º 39, 25.02.2014), julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cfr. art.º 277º, al.ª e) do CPC).- -----Custas em partes iguais, por Autores e Réus (cfr. artigo 536º, nºs. 1 e 2 al.ª e), ambos do CPC).- -----Registe e notifique.
” Inconformados com o assim decidido, vieram os autores interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES 1) Nos termos do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, a …decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
2) A norma em apreço deve ser interpretada no sentido de abranger apenas as ações executivas, ficando excluídas as ações declarativas.
3) Em termos técnico-jurídicos, o ato cobrança de dívida pressupõe a certeza, liquidez e a exigibilidade do crédito a satisfazer, delimitando-o da titularidade de um direito controvertido, a reclamar ponderada e definitiva dilucidação, o que só pode realizar-se em momento logicamente prévio ao da respetiva efetivação coerciva; 4) Não se alcança nem se compreende a motivação subjacente ou o objetivo primordial que teriam levado o legislador, no âmbito do processo especial de revitalização, a impor automaticamente o efeito extintivo da instância relativamente a ações judiciais destinadas unicamente à definição e afirmação dos direitos/deveres das partes, e que não se encontram diretamente vocacionadas para a afetação/oneração do património do revitalizado; 5) Não se descortina de que modo a pendência de uma acção declarativa poderá contender com as negociações entabuladas entre o candidato a revitalizado e os seus credores participantes nesse processo; 6) Neste sentido e contexto, não se poderão olvidar as consequências profundamente penosas para os titulares de créditos litigiosos que tenham sido, por hipótese, impugnados no âmbito do processo especial de revitalização e excluídos da lista definitiva apresentada pelo administrador provisório, os quais – por via do defendido efeito de extinção da respetiva instância declarativa – se veem remetidos para um exaustivo processo de repetição de esforços com vista ao reconhecimento do seu crédito, gerador de multiplicação de gastos, uma espécie de via sacra desesperante e totalmente incompreensível para o comum destinatário do sistema de justiça; 7) Só muito excecionalmente, nas situações tipicamente enunciadas na lei, e fora de qualquer dúvida, poderá o Tribunal deixar conhecer do fundo da causa, optando por uma solução tabelar, cominatória ou estritamente formalista (sempre penalizadora, impenetrável, opaca).
8) O Plano de revitalização junto ao processo especial de revitalização que com o processo n.º 7903/19.7T8VNF correu termos pelo Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – J3 - Tribunal Judicial da Comarca de Braga, prevê apenas e tão só pagamento dos créditos reconhecidos, incluindo os não reclamados mas relevados na contabilidade da Sociedade ou conhecidos de outra forma, vencidos até: a) 30/12/2019 (data da prolação do despacho de admissão do processo especial de revitalização que com o processo n.º 7903/19.7T8VNF correu termos pelo Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – J3 - Tribunal Judicial da Comarca de Braga), ou na melhor das hipóteses até, b) 02/09/2020 (data da prolação da douta sentença homologatória o plano de revitalização da Ré M. P., Lda.).
9) O mesmo plano de revitalização não se faz qualquer referência nem abarca, sob pena de cair no absurdo, os futuros créditos de fornecedores e outros credores que se venham a vencer após essas datas, e que sejam a partir dessas mesmas datas certos, líquidos e exigíveis.
10) Nessa hipótese, ainda que absurda, à devedora M. P., Lda, seria passada “carta branca” para pura e simplesmente não pagar o que já deve (contemplado no plano de revitalização) e ainda o que venha a dever no futuro a quaisquer fornecedores (ex. trabalhadores, energia elétrica, telecomunicações, consumíveis, rendas, fornecedores de carne, produtos alimentares e bebidas, nomeadamente, carne e produtos a base de carne, produtos hortícolas, frutícolas, peixe, crustáceos e moluscos, etc…).
11) Ou seja, a devedora, com a sua atitude de não querer pagar o que já deve (contemplado no plano de revitalização), bem como ainda de não querer pagar o que vier a dever a...
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