Acórdão nº 701/19.0TB8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. A. F.

e mulher, L. S.

(aqui Recorrente), residentes em Rua …, em Barcelos, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X - Construtores Civis, Limitada (aqui Recorrida), com sede na Rua …, em Barcelos, pedindo que · fosse reconhecido serem eles próprios donos e legítimos possuidores de cinco prédios rústicos (que identificaram, por inscrição matricial, área, confrontações e limites/estremas, estes conforme levantamento topográfico respectivos); · fosse a Ré condenada a concorrer na demarcação dos ditos prédios, nos exactos termos definidos no levantamento topográfico que juntaram, e a reconhecer tais limites.

Alegaram para o efeito, em síntese, serem eles próprios proprietários dos ditos cinco prédios rústicos, por terem adquirido cada um deles por escritura de compra e venda (algumas delas rectificadas posteriormente, por transacção judicial), e bem assim por usucapião.

Mais alegaram que, confinando tais prédios com outros quatro da Ré, não se encontrariam materialmente demarcados entre si, o que teria permitido que aquela desrespeitasse as áreas e os limites dos que lhes pertencem, invadindo-os (quer pisando-os, quer colocando sobre eles tubos de rega), procurando apoderar-se de terreno que ultrapassa as áreas e as extremas dos dela própria.

Por fim, os Autores defenderam terem o direito de ver reconhecido na presente acção o seu direito de propriedade sobre os ditos prédios, nos termos e limites constantes do respectivo título de aquisição e da posse exercida, devendo a Ré ser condenada a concorrer para a demarcação das estremas entres eles e os seus próprios, nos exactos termos da delimitação constante do levantamento topográfico que juntaram 1.1.2.

Regularmente citada, a Ré (X - Construtores Civil, Limitada) contestou, pedindo que se procedesse à demarcação dos prédios dos Autores nos limites ou estremas dos mesmos com os seus próprios, mas segundo os títulos de cada um, isto é, de forma distinta da por aqueles indicada e conforme com a que ela própria apontou.

Alegou para o efeito, em síntese, que sendo efectivamente proprietária dos quatro prédios rústicos que lhe foram imputados pelos Autores, e estes dos cinco prédios rústicos que reclamaram como seus, não teriam estes últimos a configuração constante do levantamento topográfico que juntaram, mas sim uma outa, indicada no levantamento topográfico que ela própria juntou.

Mais alegou serem os Autores quem desrespeitaria as estremas dos seus prédios, tendo inclusivamente já cortado árvores no interior de um deles.

1.1.3.

Foi proferido despacho, anunciando às partes ser possível a verificação nos autos da excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e convidando-as a pronunciarem-se sobre ela, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Analisada a petição inicial, entende-se que a mesma é susceptível de enfermar do vício de ineptidão por cumulação de causas de pedir e pedidos substancialmente incompatíveis, na medida em que se cumula com o pedido próprio da acção real de reconhecimento de propriedade, a qual tem como pressupostos a certeza sobre os limites dos prédios, com o pedido próprio da acção de demarcação, a qual, diversamente, tem como pressupostos a incerteza desses limites.

Assim, notifique-se as partes para se pronunciarem, querendo, sobre tal excepção, ora oficiosamente suscitada, nos termos e para os efeitos do art. 3º/3 do Código de Processo Civil (…)» 1.1.4.

Quer os Autores (A. F. e mulher, L. S.), quer a Ré (X - Construtores Civis, Limitada), vieram fazê-lo, defendendo os primeiros a não verificação da dita excepção e admitindo a segunda a sua possível existência.

1.1.5.

Foi proferido despacho saneador, julgando inepta a petição inicial e absolvendo a Ré da instância, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Ora, prescreve o art. 10º/3 do Código de Processo Civil, relativamente aos fins das acções declarativas, na parte que aqui releva, que as mesmas visam: a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto; b) As de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito.

Assim, na base das acções declarativas de condenação está uma situação de facto que representa para o autor a violação de um seu direito (cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, 1981, pág. 101).

No caso em apreço, é inequívoco ter sido intenção dos autores intentar acção dessa natureza, sendo certo que o declararam expressamente no introito da petição.

Por outro lado, para fundamentar a sua pretensão, os autores alegaram em síntese que: - quer os prédios dos autores, quer os prédios da ré, não têm muros ou estacas, que os demarquem na sua totalidade nos respectivos limites, o que tem levado a actuações abusivas da ré que, tendo adquirido os prédios contíguos aos dos autores, em momento posterior, tem desrespeitado as suas áreas e limites, - aproveitando-se da inexistência de uma demarcação exacta e total para, reiteradamente, invadir os prédios dos autores, quer pisando-os, quer colocando sobre os mesmos tubos de rega, bem sabendo que a sua actuação extravasa o seu direito de propriedade, - a ré vem procurando, através do seu comportamento abusivo e contra a vontade dos autores, pelo simples facto de inexistir uma delimitação física e exacta, apoderar-se de terreno, que ultrapassa a área e estremas dos seus prédios, ocupando e pretendendo fazer seu um espaço/área que bem sabe não lhe pertencer, em ordem a obter uma linha divisória entre os prédios, que não corresponde à divisão real.

Concluem os autores que, face ao exposto, a ré viola reiterada e intencionalmente a extensão do direito de propriedade dos autores, violações que os autores pretendem pôr termo com a demarcação das estremas dos seus prédios das estremas dos prédios confinantes da ré.

Esclarecem os autores no art. 62º da sua petição inicial que pretendem ver reconhecido, o seu direito de propriedade, nos termos e limites constantes do respetivo título de aquisição e posse exercida, devendo a R. ser condenada a concorrer para a demarcação das estremas entre os seus prédios e os prédios dos AA., nos exatos termos da delimitação constante do levantamento topográfico que se junta.

Acresce que os autores invocam a violação do seu direito de propriedade sobre os prédios em causa por parte da ré, porquanto alegam expressamente, além do mais, que a ré pretende apoderar-se de terreno, que ultrapassa a área e estremas dos seus prédios, ocupando e pretendendo fazer seu um espaço/área que bem sabe não lhe pertencer.

De tal alegação se conclui que os autores não têm quaisquer dúvidas sobre quais os concretos limites e configuração dos seus prédios, e invocam de forma clara e inequívoca a violação dolosa desses limites por parte da ré.

Da mesma alegação resulta igualmente que, contrariamente ao defendido pelos autores no requerimento de resposta à excepção, e salvo o devido respeito por diversa opinião, os mesmos não pretenderam deduzir um pedido de reconhecimento do direito de propriedade strictu sensu, mas tão só, (…) de um simples reconhecimento, enquanto condicio sino qua non à ação de demarcação, da legitimidade activa dos AA, porquanto tal pedido de reconhecimento constitui em concreto a consequência da alegada violação do seu direito de propriedade.

No entanto, como resulta do acima exposto, o pedido de demarcação não é compatível com a afirmação da certeza sobre a titularidade de uma faixa de terreno, como fizeram os autores, na medida em que, como se referiu supra, na acção de demarcação nenhuma das partes poderá afirmar que é proprietária do terreno duvidoso, afirmação essa que é compatível, isso sim, com o pedido de reconhecimento do direito de propriedade e com o pedido de condenação da ré a reconhecer as limitações dos prédios nos exactos termos em que se encontram definidos no levantamento topográfico.

Contudo, contraditoriamente, alegam igualmente os autores no art. 62º da petição a inexistência e controvérsia sobre a (localização da) respetiva linha divisória.

Por outro lado, invocam igualmente os autores, designadamente nos art.s 18º e 19º da sua petição, que todos os prédios referidos no seu art. 1º possuem a configuração, a área e confrontações, conforme delimitadas no levantamento topográfico que juntam, delimitação que foi definida atentos os sinais visíveis e aparentes que subsistem no local (concretamente marcos de pedra, muros, árvores, rampas, regos, presa, vedações em rede e taludes, que estão fotografados –fotos 1 a 23 - e assinalados na planta junta).

Alegam ainda os autores que exercem há mais de 10 anos posse sobre os aludidos prédios, nos exactos termos em que se encontram delimitados no levantamento topográfico.

Deste modo, os autores alegam a existência de delimitação dos prédios em causa na confrontação com os prédios da ré, através de marcos de pedra, muros, árvores, rampas, regos, presa, vedações em rede e taludes, e demonstram certeza sobre qual é a linha divisória ente eles, certeza essa que é a única justificação possível para a alegada violação desses limites por parte da demandada, e, em simultâneo, alegam a incerteza sobre a linha divisória entre os mesmos.

Consequentemente, salvo o devido respeito por opinião contrária, as causas de pedir invocadas pelos autores mostram-se substancialmente incompatíveis, o mesmo sucedendo com a cumulação do pedido próprio da defesa do direito de propriedade com o pedido correspondente ao exercício do direito de demarcação, cumulação essa que gera a ineptidão da petição inicial (neste sentido, v. os acórdãos acima citados).

Além...

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