Acórdão nº 309/19.0T8VTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. H. S.

(aqui Recorrida), residente na Calçada …, em Vila Real, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. L.

, residente em Largo do …, em Vila Real, e X - Comércio de Micro Informática, Limitada (aqui Recorrente), com sede na Quinta …, em Vila Real, pedindo que: · fosse reconhecido o direito de haver para si o prédio rústico (que melhor identificou) vendido pela 1.ª Ré (M. L.) à 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), mediante o pagamento do preço declarado na escritura pública de compra e venda; · fosse ordenado o cancelamento do registo da aquisição e inscrição relativa à apresentação 4202 de 11/10/2019, do dito prédio a favor da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada).

Alegou para o efeito, em síntese, ser arrendatária rural do prédio em causa, por contrato particular escrito de 16 de Setembro de 1969, objecto de duas denúncias escritas sucessivas e de uma prorrogação, por acordo das suas partes iniciais; e ter desde sempre explorado o dito imóvel, fazendo-o agora com a ajuda de dois filhos, que com ela vivem.

Mais alegou que, não obstante ter sido notificada pela 1.ª Ré (M. L.) - na qualidade de sua actual senhoria -, por carta de 07 de Dezembro de 2018, para exercer o seu direito legal de preferência na venda do dito prédio rústico à 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), pelo preço de € 82.500,00, viu sucessivamente ignoradas as duas cartas que lhe enviou, informando-a de que pretendia preferir e pedindo informações mais detalhadas sobre o negócio.

Alegou ainda a Autora (H. S.) ter-se o dito negócio realizado, transmitindo a favor da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) a propriedade do prédio rústico de que é arrendatária, assistindo-lhe por isso o direito de preferir na venda havida, cujos contornos concretos nunca lhe chegaram a ser esclarecidos (data e local de realização da escritura de compra e venda, e condições e forma de pagamento do preço), impedindo-a de exercer o direito aqui em causa.

1.1.2.

Regularmente citadas ambas as Rés, apenas a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) veio contestar, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ela própria absolvida da instância; e deduzindo reconvenção, pedindo que: · fosse declarado que o prédio por si adquirido à 1.ª Ré (M. L.), e onde se inclui a área ocupada pela Autora (H. S.) (H. S.), é propriedade sua; · fosse a Autora (H. S.) condenada a restituir-lhe essa área sendo ainda condenada a abster-se da prática de quaisquer actos que impedissem ou diminuíssem a utilização a fazer dela por si própria; · fosse a Autora (H. S.) condenada no pagamento da quantia de € 750,00 por cada mês que ocupasse o terreno, contados da notificação da reconvenção.

Alegou para o efeito, e em síntese, que exigindo a lei a imperativa redução a escrito de qualquer contrato de arrendamento rural, e não o exibindo nos autos a Autora (H. S.), o por ela invocado seria nulo; e, exigindo a mesma lei que seja junto à petição inicial de qualquer acção que pressuponha um contrato de arrendamento rural um exemplar do mesmo, sob pena de extinção da instância, verificar-se-ia nos autos essa excepção dilatória inominada Mais alegou reconhecer a própria Autora (H. S.), na sua petição inicial, ter exercido o seu pretenso direito de preferência depois de decorrido o prazo de oito dias que lhe tinha sido fixado para o efeito, tendo por isso o mesmo caducado.

Ainda em sede de contestação, a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) impugnou os factos alegados pela Autora (H. S.), nomeadamente negando-lhe a qualidade de arrendatária rural do prédio em causa.

Por fim, e já em sede de reconvenção, a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) defendeu ter adquirido validamente o dito prédio rústico, ocupando a Autora (H. S.) parte dele sem qualquer título que a legitimasse para o efeito.

1.1.3.

A Autora (H. S.) replicou, pedindo que, quer as excepções deduzidas, quer o pedido reconvencional formulado, fossem julgados totalmente improcedentes, e reiterando o seu pedido inicial.

Alegou para o efeito, em síntese, ter junto aos autos um contrato de arrendamento rural escrito, bem como a respectiva prorrogação, não assinados por si e pelos seus fiadores por não o saberem fazer; e ter o último acordo (prorrogação de contrato de arrendamento) sido assinado por sua conta a rogo, por testemunhas, desconhecendo todos que teriam que ter confirmado por notário tais assinaturas.

Mais alegou que, terminando num sábado o prazo de oito dias concedido para exercício da sua preferência, poderia exercê-la ainda na segunda-feira seguinte, o que fez, não tendo por isso caducado o seu direito.

Por fim, a Autora (H. S.) reiterou ser efectiva arrendatária do prédio rústico em causa, tornando desse modo infundado o pedido reconvencional.

1.1.4.

Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho: admitindo a reconvenção; fixando o valor da acção em € 82.500,00; saneador (certificando a validade e a regularidade da instância, nomeadamente julgando improcedente a excepção dilatória inominada de falta de contrato escrito de arrendamento rural, bem como a excepção peremptória de caducidade do exercício do direito de preferência em causa); definindo o objecto do litigio («- O direito de a autora exercer a preferência na compra e venda do prédio identificado nos autos») e enunciando os temas da prova («1 - Apurar se a autora é arrendatária do prédio identificado nos autos e que foi objeto de compra e venda entre a primeira e a segunda ré», «2- Apurar se a comunicação feita à autora para exercer o direito de preferência continha ou não todos os elementos essenciais do contrato, com importância decisiva na formação da vontade da autora», «3 - Apurar se o contrato de arrendamento alegado pela autora é válido ou não e está em vigor», e «4 - Apurar se a autora está a ocupar sem qualquer título e sem autorização um trato de terreno de cerca de 7000 metros quarados junto ao limite sul do prédio em causa»); apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para realização da audiência de julgamento.

1.1.5.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) IV- DECISÃO: Por tudo o exposto, 1- Julgo a presente ação procedente, pelo que:

  1. Reconheço à Autora H. S. o direito de haver para si o prédio vendido, melhor identificado no artigo 29º da petição inicial, substituindo-se à 2ª Ré, X – Comércio de Micro informática, Lda., na respetiva titularidade, mediante o pagamento do preço declarado na escritura de compra e venda.

  2. Ordeno o cancelamento do registo da aquisição e inscrição relativa à apresentação 4202 de 11/01/2019 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia de ..., sob o número ……; 2 - Julgo totalmente improcedente a reconvenção, pelo que absolvo a autora reconvinda dos pedidos.

    3 - Custas a cargo da ré contestante, quer da ação quer da reconvenção.

    4 - Registe e notifique.

    (…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado provido, revogando-se a sentença recorrida».

    Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1.ª - A recorrente não se conforma com a decisão proferida, porquanto a mesma fez errada decisão da matéria de facto e menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar.

    1. - No dia nove de Março de dois mil e vinte, no Cartório Notarial ..., sito na Quinta da ..., perante M. C., NIF ………, respetiva Notária, foi realizada escritura pública pela qual distrataram a escritura de Compra e Venda, exarada de folhas vinte e três a folhas vinte e quatro, do Livro de Notas para Escrituras número Trezentos e Três, daquele Cartório Notarial.

    2. - A recorrente procede, nesta altura, à junção do referido documento ao abrigo do disposto no artigo 651º, nº 1 do C.P.C., que remete para o disposto no artigo 425º do C.P.C., uma vez que a junção deste documento não tinha sido possível até este momento, assim como por tal junção se ter revelado necessária em virtude do julgamento proferido em primeira instância.

    3. - Por conseguinte, ocorreu no presente caso uma revogação do contrato por comum acordo, com eficácia retroativa entre as partes, é o chamado contrato extintivo ou abolitivo ou “contrarius consensus” – artigo 406º, nº 1 do C.C..

    4. - Por conseguinte, deixaram de estar reunidos os requisitos para o invocado exercício do direito de preferência por parte da A., estipulado no artigo 31º, nº 2 do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro, com a consequente extinção da instância por inutilidade superveniente da lide - artigo 277º, e) do C.P.C., o que se invoca com as devidas consequências.

      Sem prescindir, caso assim não se entenda: 6.ª - O Tribunal recorrido considerou como provados os factos assentes em 2º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 22º na parte “…de que ela era arrendatária…”, da fundamentação de facto e considerou também como provados os factos assentes em 39º, 40º, 41º a., b., c., d., e., f., g., h., i., j., k., l. da fundamentação de facto.

    5. - Donde decorre a existência de contradição entre a matéria de facto dada como provada, isto porque o Tribunal recorrido, como se viu, deu como provada a existência de dois contratos de arrendamento para o mesmo imóvel, pelo mesmo senhorio, mas para dois arrendatários distintos.

    6. - Ou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT