Acórdão nº 902/18.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução23 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. F. M.

, residente na Rua …, na Maia, e J. M.

, residente na Rua …, em Guimarães (aqui Recorrentes), propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra L. P.

, residente na Rua …, em Guimarães (aqui Recorrida), pedindo que · (a título principal) fosse declarada a nulidade ou anulada a declaração de quitação (de efectivo pagamento de tornas), inserta em escritura pública de partilha hereditária (que melhor identificaram), condenando-se a Ré a pagar-lhes a quantia de € 55.900,00 (a título de tornas devidas), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados até integral pagamento; · (a título subsidiário) fosse anulado todo o negócio jurídico de partilha hereditária celebrado entre eles próprios e a Ré, ficando sem efeito a respectiva declaração confessória de quitação e a adjudicação àquela de um prédio urbano (que melhor identificaram); · (cumulativamente com o anterior) fosse declarada a nulidade ou anulado o registo de propriedade da Ré sobre o dito imóvel.

Alegaram para o efeito, em síntese, que, sendo irmãos germanos da Ré, acordaram com ela - e com quatro demais - a partilha da herança da respectiva mãe, o que fizeram por escritura pública de 18 de Fevereiro de 2008, nela se adjudicando à Ré um prédio urbano, e ficando a mesma devedora de tornas, no valor de € 27.950,00 a cada um deles.

Mais alegaram que, confiando na Ré, declararam ambos na dita escritura pública de partilha hereditária terem já recebido as ditas tornas, o que porém não correspondia à verdade; e não ter desde então ocorrido o pagamento em falta, que só reclamaram judicialmente após a morte do respectivo pai, ocorrida em 12 de Outubro de 2017.

Os co-Autores defenderam que: a força probatória plena da escritura pública de partilha hereditária não abrangeria a realidade do por eles declarado como quitação de tornas; a mesma seria nula, enquanto declaração não séria, ou anulável, enquanto viciada por erro sobre os motivos (como anulável seria a dita adjudicação à Ré do prédio urbano referido).

1.1.2.

Regularmente citada, a Ré (L. P.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ela própria absolvida do pedido; e que os co-Autores fossem condenados como litigantes de má-fé, em quantia não inferior a € 4.000,00.

Alegou para o efeito, em síntese, ter sido em 2003 informalmente acordada entre todos os irmãos a partilha da herança da mãe comum; e ter sido ainda acordado, nomeadamente em 2008, que o pagamento das tornas devidas seria efectuado através do pai comum, o que ela própria fez, entregando-lhe para o efeito o respectivo valor.

Mais alegou terem os co-Autores alterado a verdade de factos que bem conheciam, omitido factos relevantes para a boa decisão da causa, e feito do processo um uso manifestamente reprovável, o que justificaria a sua condenação como litigantes de má fé.

1.1.3.

Foi proferido despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); identificando o objecto do litígio («determinar se a R. incumpriu a sua obrigação de pagamento de tornas no âmbito da partilha da herança aberta por óbito de M. L. e, em consequência, se a declaração confessória contida na escritura pública de “doação de meação e do quinhão hereditário, constituição de propriedade horizontal e partilha” enferma de alguma invalidade ou se o próprio negócio celebrado entre AA. e R. enferma de alguma invalidade») e enunciando os temas da prova («1. Não pagamento do montante de tornas devido pela R. aos AA. no âmbito da partilha da herança aberta por óbito de M. L.», «2. Intenção e vontade dos AA. ao efectuarem a declaração de quitação da dívida de tornas da R. contida na escritura pública de 18.02.2008», «3. Existência e termos do acordo de partilha celebrado aos 05.05.2003 entre G. L. e todos os seus filhos», «4. Pagamento das tornas devidas no âmbito do acordo de 05.05.2003 por parte da R. a G. L.», «5. Acerto de contas entre G. L. e os AA.» e «6. Má fé com que os AA. possam estar a litigar»); apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para realização da audiência final.

1.1.4.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Em face do exposto, o Tribunal: a) julga a ação não provada e improcedente, absolvendo a Ré L. P.

dos pedidos formulados pelos Autores F. M.

e J. M.

; b) julga o incidente de litigância de má fé suscitado pela Ré não provado e improcedente.

Custas a cargo dos Autores, não tributando o incidente de litigância de má fé, atenta a simplicidade da sua decisão.

Registe e notifique.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformados com esta decisão, os co-Autores (F. M. e J. M.) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado procedente e se revogasse a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por decisão julgando a acção totalmente procedente.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): I.

As presentes alegações de recurso têm por objecto a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou “a ação não provada e improcedente, absolvendo a Ré L. P. dos pedidos formulados pelos Autores F. M. e J. M.”.

II.

Os Recorrentes impugnam parte da matéria de facto assente na decisão proferida, bem como não se conformam com a decisão de direito entendendo, nessa medida, que a decisão de mérito deverá ser alterada.

III.

No que diz respeito à matéria de facto os Recorrentes consideram que os factos 13º, 15º a 17º, 22º, 44º, 45º, 53º a 55º, 58º, 59º da petição inicial que foram dados como não provados deverão integrar a matéria de facto provada.

IV.

Sem prejuízo dos aspectos jurídicos ligados à prova produzida pelos Recorrentes, do ponto de vista da sua apreciação e valoração diga-se que a mesma é indubitavelmente credível e fidedigna, visto que não apresenta quaisquer incongruências ou contradições e assenta num discurso fluído, seguro e assertivo, aspectos que contribuem para a formação de uma sólida convicção segundo as regras da experiência comum e os juízos de razoabilidade.

V.

As declarações de parte dos Recorrentes e os depoimentos das Testemunhas comprovam que a Recorrida não efectuou o pagamento das tornas. Todos os relatos apresentam a mesma versão, constata-se um conhecimento directo e pormenorizado do modo de pagamento das tornas devidas por cada um dos irmãos e as abordagens à Recorrida acerca do facto de não pagar também foram descritas (cfr. minutos 06:39 a 06:55, 07:09 a 07:18, 08:16 a 08:54, 05:55 a 06:10 e 0:30 a 1:03 (após suspensão da audiência) do depoimento e declarações de parte do Autor F. M.; minutos 09:59 a 10:35 do depoimento e declarações de parte do Autor J. M.; minutos 08:26 a 08:50, 25:56 a 26:16 e 8:59 a 9:33 do depoimento da Testemunha J. E.).

VI.

Ademais, a prova feita pela Recorrida não foi capaz de beliscar a credibilidade dos factos narrados, pelo contrário, demonstrou a fragilidade e descrédito da versão por si apresentada (cfr. minutos 04:21 a 04:44 do depoimento da Testemunha M. C.; minutos 03:20 a 03:27 e 14:01 a 14:31 do depoimento da Testemunha N. P.).

Desse modo, os factos 13º, 15º, 16º, na parte em que se refere a nunca terem recebido, e 53º a 55º da petição inicial mostram-se provados.

VII.

Por outro lado, a recorrida não faz qualquer prova de que houvesse pago as tornas devidas aos recorrentes, escudando-se em depoimentos indirectos altamente inverosímeis e de extrema fragilidade.

VIII.

Por outro lado, a prova produzida também evidencia que todo o processo de partilha desenrolou-se num clima de extrema confiança entre os envolvidos, o que se ficou a dever à figura central desempenhada pelo progenitor que era respeitado por todos os filhos, geria todos os aspectos relacionados com a partilha e assegurava o cumprimento do pagamento das tornas (cfr. Minutos 01:17 a 01:26 (após suspensão da audiência), 03:34 a 03:50 (após suspensão da audiência) e 04:28 a 05:34 (após suspensão da audiência), 31:59 a 32:26, 32:40 a 32:50 do depoimento e declarações de parte do Autor F. M.; minutos 36:00 a 36:38 do depoimento e declarações de parte do Autor J. M.; minutos 09:43 a 10:07 do depoimento da Testemunha J. E.; minutos 04:18 a 04:47, 01:48 a 02:33 e 13:55 a 15:18 do depoimento da Testemunha M. E.).

IX.

Desta forma, torna-se bastante perceptível as condições e todo o contexto em que a declaração de quitação foi proferida e atestam-se os factos dos artigos 17º e 45º da petição inicial.

X.

Naturalmente que existindo laços familiares e uma figura que era o elo de ligação entre todos os envolvidos no que toca à partilha, os Recorrentes criaram uma legítima e fundada crença no pagamento das tornas (cfr. minutos 37:42 a 38:17, 32:55 a 33:10, 49:12 a 49:30 e 50:05 a 50:32 do depoimento e declarações de parte do Autor J. M.; minutos 37:41 a 38:12, 1:02:40 a 1:03:27, 46:22 a 46:27 e 1:02:27 a 1:02:37 do depoimento e declarações de parte do Autor F. M.; minutos 03:10 a 03:36 e 12:20 a 12:41 do depoimento da Testemunha M. E.; minutos 03:41 a 03:54 e 05:35 a 06:04 do depoimento da Testemunha J. E.; minutos 09:23 a 09:33 do depoimento da Testemunha J. C.).

XI.

Desta feita, os Recorrentes confiaram que os pagamentos seriam realizados após a escritura não havendo motivos para conjecturar um eventual incumprimento ou qualquer outro tipo de incidente no que toca às tornas, aspectos que implicam dar como assentes os factos vertidos nos artigos 22º e 44º da petição inicial.

XII.

Quanto aos artigos 58º e 59º da petição inicial, também não restam dúvidas que ficaram...

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