Acórdão nº 500/18.6T8MDL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | RAQUEL BATISTA TAVARES |
Data da Resolução | 30 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório F. C.
, residente na Avenida …, Edifício …, n.º …, em Mirandela, veio propor a presente acção de processo comum contra X PLC, Sucursal em Portugal, com sede na Rua …, em Lisboa, pedindo se declare ser o veículo AD culpado do acidente e a condenação da Ré a suportar a integral reparação dos danos sofridos no veículo do autor e no pagamento de indemnização pela privação do uso do veículo, no valor de €15,00, desde a data do acidente até efetiva e integral reparação, que, em 03/10/2018, liquida em €5.490,00.
Para tanto, alegou em síntese que no dia 23 de Setembro de 2017, conduzia o veículo com a matrícula XE, de que é proprietário, na EN 13, na localidade de ...
, ao Km 60,600, quando o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula AD, conduzido por F. M., embateu na traseira do seu veículo, provocando o acidente e projetando-o para fora da via de circulação.
Mais alega que a culpa pelo acidente é de imputar ao condutor do veículo com a matrícula AD segurado pela Ré, por não ter deixado uma distância de segurança que lhe permitisse imobilizar o seu veículo, mas também por circular com velocidade excessiva, sendo a Ré responsável pelos danos que do acidente resultaram para o Autor.
Regularmente citada, a Ré veio contestar aceitando a existência do contrato de seguro, impugnando, contudo, a dinâmica do acidente e os montantes peticionados.
Foi dispensada a audiência prévia, vindo a ser proferidos o despacho saneador e o despacho a fixar o objecto do processo e os temas da prova.
Em 25/01/2019 o Autor veio requerer a retificação do objeto do litígio, o que foi deferido.
Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
-
Condeno a ré X PLC – Sucursal em Portugal, a pagar a ao autor a reparação dos danos que o veículo de matrícula XE sofreu na sequência do sinistro de 23/09/2017, danos esses a liquidar em incidente de liquidação; b)Condeno a ré X PLC – Sucursal em Portugal a pagar ao autor a quantia de € 8,50 por cada dia de privação do uso do XE até efetivo e integral pagamento e que na presente data se liquida no montante global de € 6.162,50 (seis mil, cento e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos); c)Absolvo a ré do demais peticionado pelo autor.
Custas por autor e ré, na proporção do respetivo decaimento.
Registe e notifique”.
Inconformada, apelou a Ré da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma: “A)– Deve dar-se como provado o concreto ponto de facto seguinte: - Na estrada que provém da aldeia de ...
e dá acesso à EN 213 e para quem pretende aceder a esta, existem os sinais de “Cedência de Passagem” e “STOP – Paragem Obrigatória”.
B)- O concreto ponto de facto constante do item 13º da p.i.
/1ª parte e item 4/1ª parte, onde se refere que: - Para aceder à estrada o Autor respeitou a sinalização existente, designadamente fez paragem obrigatória no sinal STOP que ali se encontra, Deve ter-se por NÃO PROVADO.
C)- Também deve ter-se por NÃO PROVADO o concreto ponto de facto constante da 2ª parte do mesmo item 13 da p.i. e 2ª parte do item 4º dos “Factos Provados” da sentença, seja: - e só avançou depois de verificar, no espaço livre e visível que o seu posicionamento lhe permitia, que nenhum outro veículo circulava na faixa de rodagem.
D)- Como ainda se deve haver por NÃO PROVADO, o concreto ponto de facto que o Autor alega no item 14º, 1ª parte, da p.i. e consta do item 4º, última parte dos “Factos Provados” da sentença, seja: - Depois de já se encontrar completamente na estrada nacional, e na sua via de trânsito – isto é no lado direito da faixa de rodagem”.
E)- Em consonância, a factualidade constante do item c) dos “Factos Não Provados” da sentença deverá ser dada como PROVADA, seja: - O Autor não respeitou nem parou no sinal STOP existente no acesso do entroncamento de ...
(Rua ...
) para a EN 213 e não adoptou as demais cautelas inerentes a uma condução segura de quem está obrigado a ceder a passagem aos veículos que circulam na estrada onde vai passar a circular, designadamente não se certificou de que de qualquer dos lados da EN 213 não circulavam veículos a quem a sua entrada poderia perturbar a marcha.
F)- E tudo isto, atento não só os elementos objectivos e estradais constantes dos autos, como os depoimentos das 2 testemunhas presenciais do acidente, constantes do Registos supra transcritos.
G)- Os depoimentos das referidas testemunhas para além de coerentes retratam de forma verosimil a forma e as circunstâncias em que ocorreu o acidente.
H)- Quem, num cruzamento ou entroncamento, pretenda entrar em via prioritária e se lhe depara sinal STOP deve não só parar antes de entrar em tal intersecção, como se lhe impõe o dever suplementar de usar todas as cautelas e cuidados necessários, para concluir a manobra sem interferir com a velocidade e direcção de outro ou outros veículos que circulam pela via prioritária.
I)- Não basta, como o Tribunal deu como Provado que o Autor ao chegar ao referido cruzamento e STOP havia abrandado até quase parado.
J)- No CE e legislação regulamentar não existe qualquer sinal/comando normativo ou regulamentar que prescreve: abrandar até quase parar.
L)- O Autor, se parasse no Sinal STOP, dispunha de uma visibilidade de 77 m.
para se certificar se do seu lado direito surgia ou não algum veículo na via prioritária por onde pretendia circular.
M)- Tanto mais que, sendo meia-noite, as luzes do veículo que circulava pela via prioritária, EN 213, eram perceptíveis a maior distância.
N)- Na decisão da matéria de facto sobre o concreto ponto: paragem obrigatória no sinal STOP o Tribunal não pode permanecer e ou construir um “limbo probatório”, não se sabendo se o Autor parou ou não parou no STOP; se cumpriu ou não os demais deveres suplementares que tal sinal impõe.
O)- A prova produzida nos autos permite concluir-se haver o A. violado o dever de respeitar os sinais e deveres que sobre si impendiam.
P)- E foi tal conduta ilícita do Autor a causa adequada e exclusiva da eclosão do acidente versado nos autos.
Q)- O que, em consequência, leva a que a acção deva ser julgada improcedente por não provada.
R)- O veículo do Autor ficou impossibilitado de circular, tendo o Autor adquirido num outro, em sua substituição em Abril de 2018.
S)- O Autor possui ainda um outro habitualmente conduzido pela esposa e filho.
T)- Em 25/10/2017 a Ré comunicou ao A.
a perda total do veículo, e que o seu valor venal era de 2.700,00 €.
U)- A Ré e a seguradora do Autor entenderam que a responsabilidade do acidente era de atribuir à conduta do Autor.
V)- O lesado, pela privação do uso do veículo sinistrado tem direito a ser indemnizado por tal privação enquanto este é reparado ou até adquirir uma nova viatura.
X)- Ao adquirir uma nova viatura que satisfaça as necessidades/uso do sinistrado, deixa de existir a privação do uso e consequente indemnização.
Z)- A entender-se de forma diferente, exercendo tal direito, quando as necessidades de tal uso se encontram satisfeitas, e exigindo um valor diário contínuo de 15,00 €, tal representante manifesto abuso de direito, atento o valor significativamente superior, desproporcional e exorbitante ao dano a tutelar.
AA)- O valor diário a arbitrar nunca poderá ser superior a 5€, atentas as especiais características do veículo e o decidido pela Jurisprudência em casos e veículos congéres.
AB)- A douta sentença, ora posta em crise, ao decidir com o fez, violou e/ou não interpretou e aplicou correctamente, entre outros, os seguintes dispositivos legais: - Código Civil – artigos 342º, nº 1, 483º, 487º, 562º e 566º.
- Código da Estrada: artigos – 13º, 29º, nº 1; e artigo 21º -B2 do Regulamento de Sinalização de Trânsito (Dec. Regulamentar nº 22-A/98, de 1/10).
- Código Processo Civil – 607º, nº 3 e 4”.
Pugna a Ré pela integral procedência do recurso e, em consequência, revogar-se a decisão relativa à matéria de facto, nos concretos pontos de factos supra pela revogação da sentença recorrida absolvendo-se a Ré dos pedidos contra ela formulados.
O Autor veio apresentar contra-alegações pronunciando-se ainda no sentido da extemporaneidade do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes: 1 – Questão prévia: saber se o recurso foi tempestivamente interposto pela Ré.
2 - Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto; 2 – Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
***III. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância: 1) O autor é proprietário do veículo automóvel, marca Peugeot, modelo 206, com a matrícula XE (doravante designado XE). (cfr. documento de fls. 38) 2) No dia 23/09/2017, cerca das 00h30, na EN 213, ao Km 60,600, junto ao Entroncamento de ..., em ..., Mirandela, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, com matrícula AD (doravante designado AD), conduzido por F. M.
, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XE, propriedade do autor e por este conduzido.
(Cfr. Documento de fls. 6-8) 3) Naquela data e lugar, o veículo AD, conduzido por F. M.
, embateu na metade esquerda da traseira do XE, que foi projetado para a direita, vindo a imobilizar-se junto à estrutura de betão de encaminhamento de águas pluviais, que se vê a fls.61.
4) Com efeito, o autor, que provinha da aldeia de ..., pela rua da ...
, necessitando de, pelo menos, abrandar até quase parar, tomou a estrada nacional 213, no sentido Cachão-Mirandela, avançando depois de verificar...
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