Acórdão nº 52/19.0JAVRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelFÁTIMA FURTADO
Data da Resolução23 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.

(Secção penal) I. RELATÓRIO No processo comum coletivo n.º 52/19.0JAVRL, do Juízo Central Criminal de Vila Real, Juiz 3, da comarca de Vila Real, foi submetido a julgamento o arguido J. M., com os demais sinais dos autos.

O acórdão, proferido a 18 de novembro de 2019 e depositado no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «I. Condenar o arguido J. M. pela prática, em autoria material, de um crime de um crime de abuso sexual de criança agravado (p. e p. pelo artigo 171º, 1 e 177º, 1 a) do Código Penal, na pena de um ano e oito meses de prisão; II. Condenar o arguido J. M. pela prática de 224 (duzentos e vinte e quatro) crimes de abuso sexual de menor dependente (nº. 1 do artigo 171º do Código Penal e artigo 177º, n.º 1, als. a) e b) do Código Penal), por cada um dos crimes cometidos entre os 14 e os 15 anos de idade de T. M. na pena de dois anos de prisão e entre os 15 anos e os 18 anos, na pena de três anos e seis meses, por cada um dos crimes, absolvendo do demais; III. Condenar o arguido J. M. pela prática de 119 (cento e dezanove) crimes de violação (nº. 2, al. a) do artigo 164º e artigo 177º, n.º 1, al.s a) e b) do Código Penal), na pena de três anos de prisão, por cada um dos crimes, absolvendo do demais; IV. Condenar o arguido J. M. pela prática de um crime de violação (nº. 2, al. a) do artigo 164º e artigo 177º, n.º 1, al.s a) e b) e n.º 5 do Código Penal), na pena de quatro anos e seis meses; V. Operando o cúmulo jurídico (artigo 77º do Código Penal) condenar o arguido J. M. na pena única de doze anos de prisão.

VI. Mais condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s (artigos 513º, nºs. 1 e 2, 514º, nº. 1, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8º, nºs. 4 e 5 e Tabela III do R.C.P.); VII. Mais se condena o arguido J. M., ao abrigo do disposto no artigo 82.ºA do Código de Processo Penal conjugado com o artigo 16º da Lei 130/2015, de 4 de Setembro a pagar a sua filha T. M., a quantia de 25 000€ (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal contados desde o dia de hoje.

**- Fls, 373: pague-se em conformidade, a adiantar pelos Cofres, entrando em regra de custas.

- Comunique o presente acórdão ao Tribunal de Família e Menores, por forma a ser avaliada a situação do menor J. F..

Após trânsito em julgado do presente acórdão: - Remetam-se boletins à DSIC; - Comunique-se ao TEP e ao EP onde o arguido se encontra preso, para os competentes efeitos.

- Caso se mantenha a aplicação ao arguido de prisão igual ou superior a 3 anos, deverá proceder-se à recolha de ADN, caso anteriormente não tenha sido efectuada, nos termos do disposto na Lei nº. 5/2008, de 12 de Fevereiro (diploma que aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal).

*Por entendermos que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação ao arguido da medida coactiva de prisão preventiva, agora reforçados ante a decisão condenatória ora proferida, decide-se que o mesmo continue aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a tal medida de coacção.

*O arguido regressa, pois, ao Estabelecimento Prisional, na situação em que se encontra, sendo o tempo de detenção e prisão preventiva, que sofreu, à ordem dos presentes autos, descontado na pena em que vai condenado.

*Cumpra-se o disposto no artigo 372º, nº 5, do Código de Processo Penal.»*Inconformados, interpuseram recursos o arguido e o Ministério Público, apresentando cada um a competente motivação, que rematam com as seguintes conclusões: A.

Conclusões do recurso do arguido J. M..

1 - No que tange aos pontos de facto elencados sob os números 4 a 23, 26 a 28 e 31 a 36 dos factos provados, a douta sentença recorrida viola do disposto no artigo 374º, nº 2 do C.P.P., o que a torna nula, de acordo com o disposto no art.º 379º n.º 1 al. a).

2 – Na verdade, no que tange aos pontos de facto elencados sob os números 4 a 23, 26 a 28 e 31 a 36 da matéria de facto dada como provada, não se procedeu à indicação concreta, por referência a cada um dos pontos de facto em questão, das provas determinantes de molde à reconstituição do raciocínio adoptado pelo Tribunal.

3 - Salvo o devido respeito, a motivação do Tribunal a quo, como resulta aliás da sua simples leitura, é meramente expositiva, limitando-se a anunciar e a elencar meios de prova, não aprofundando minimamente as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca de cada um dos pontos que compõem o acervo fáctico acima identificado, o qual deu como assente, sendo até absolutamente inexistente quanto a alguns dos pontos em questão.

4 - A condenação do arguido nos crimes identificados no Acórdão recorrido não está, pois, adequadamente fundamentada, porquanto a respectiva motivação não confronta as diversas provas, nem esclarece suficientemente porque decidiu de uma maneira e não de outra, não logra com a parca explicação que fornece elucidar o seu leitor, logo não desencadeia a adesão lógica de quem a lê.

5 - Bastou-se, no essencial, com a simples enumeração dos meios de prova, não discutiu criticamente nem explicitou o processo de formação da sua convicção, não demonstrando porque razão chegou a determinado resultado: o de considerar provados aqueles pontos de facto 4 a 23, 26 a 28 e 31 a 36 dos factos provados.

6 - Dos pontos 4 a 23, 26 a 28 e 31 a 36 dos factos provados resulta desde logo de forma manifesta e inequívoca que a descrição de acontecimentos que neles é feita, dada a indefinição temporal que encerra, não permite o contraditório, impossibilitando qualquer defesa.

7 - Com efeito, em tais pontos de facto a acusação pública limita-se acusar o arguido da prática de toda uma série de actos, mas não se sabe concretamente quando tal aconteceu (nem o dia, nem a hora, nem o mês, nem o ano, nem quantas vezes e nem sequer, as concretas circunstâncias em que tais actos alegadamente aconteceram.

8 - Só refere que terão ocorrido numa altura em que a ofendida teria 13 anos e, posteriormente, a partir de um dia em que esta teria 15 anos.

Ora, 9 - Refere o artigo 283º, nº 3 do C.P.P., a acusação, sob pena de nulidade: (…) “b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; 10 - Pelo que, tratando-se de factos alegadamente praticados na pessoa da ofendida, a concretização temporal deve ser possível, sob pena de se levar à acusação, como efectivamente se levou no caso dos autos, matéria relativamente à qual inexistem quaisquer indícios, sendo mais provável a absolvição, pelo que se impunha, desde logo, o arquivamento desse factos, nos termos do artigo 277º, nº 1 e 2 do C.P.P..

11 - Tal não sucedeu, contudo, no caso dos autos, tendo sido deduzida a acusação pública, no âmbito da qual, o Ministério Público imputou factos e imputações genéricas.

12 - Com efeito, tal como tem sido entendimento unânime, quer na doutrina, quer na jurisprudência, as imputações genéricas, sem uma precisa especificação das condutas e do tempo e lugar em que ocorreram, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado no art.32.º, n.º1, da CRP, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.

13 - Concretamente no que tange aos ilícitos penais em questão nos presentes autos, não cumpre, nem satisfaz as garantias de defesa do arguido referir-se somente os tipos de crime praticados e o número dos mesmos, posto que torna-se ainda necessário que o mesmo tenha efectivo conhecimento do concreto local onde os mesmos foram cometidos, quando foram os mesmos praticados e como foram cometidos.

14 - Como tal, na comunicação dos factos delitivos imputados ao arguido, não se pode partir da presunção da culpabilidade do arguido, mas antes da presunção da sua inocência (artigo 32.º, n.º 2, da CRP).

15 - Nessa senda, o critério orientador nesta matéria deve ser o seguinte: a comunicação dos factos imputados ao arguido deve ser feita com a concretização necessária a que um inocente possa ficar ciente dos comportamentos materiais que lhe são imputados e da sua relevância jurídico\criminal, por forma a que lhe seja dada 'oportunidade de defesa' (artigo 28.º, n.º 1, da CRP).

16 - Muito mais numa situação como a presente, que supostamente se prolongou ao longo de vários anos, com prática reiterada de actos de índole sexual, é indispensável que ao arguido fosse dado conhecimento de todas as circunstâncias essenciais à sua defesa, com indicação precisa das datas de cada um desses actos, do conteúdo concreto de cada um deles ou da respectiva duração, só assim se respeitando o princípio da igualdade de armas entre a acusação e defesa, e sob pena de, o processo penal não ser verdadeiramente contraditório, assim se violando o artigo 5.º, n.º 4, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

17 - E não se diga que é aceitável e legalmente admissível a omissão daqueles pormenores por estarem em causa direitos das crianças, devendo para isso haver compreensão.

18 - Claro que deve haver compreensão! Só que tal compreensão não pode ser cega a ponto de se permitir uma universalizada generalização que perverte os princípios penais e processuais penais.

19 - Em face do exposto, os factos constantes dos pontos 4 a 23, 26 a 28 e 31 a 36 dos factos provados devem ter-se por não escritos, por violação irreparável do contraditório e das garantias de defesa em processo penal – artigo 32º do Constituição da República Portuguesa.

20 - Consequentemente, como não escritos se devem também considerar os factos que deles dependem e constantes dos pontos 38 a 41 dos...

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