Acórdão nº 1261/15.6T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelANTÓNIO TEIXEIRA
Data da Resolução09 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I.

RELATÓRIO 1.

No âmbito do Processo Comum Singular nº 1261/15.6T9BRG, do Juízo Local Criminal de Braga, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos: A. P., casado, carpinteiro, filho de … e de …, natural de …, Braga, nascido a …, residente na Rua …, Braga, titular do Cartão de Cidadão nº …; e J. L., casado, empregado comercial, filho de … e de …, natural de …, Braga, nascido a …, residente na Travessa …, Braga, titular do Bilhete de Identidade nº ….

*2.

Em 01/04/2019 foi proferida sentença, depositada no mesmo dia, da qual consta o seguinte dispositivo (transcrição 1): “Pelo exposto, o tribunal decide: Parte Criminal

  1. Condenar o arguido A. P. pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança qualificado p. e p. pelo artº 205º nºs 1 e 4 b) CP, com referência ao artº 202º al. b) do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, condicionando-se tal suspensão ao pagamento à assistente P. C., S.A. da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), pagamento a efectuar no prazo de 2 (dois) anos a contar do trânsito em julgado da presente sentença, disso devendo fazer prova nos autos.

    b) Condenar o arguido J. L. pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança qualificado p. e p. pelo artº 205º nºs 1 e 4 b) CP, com referência ao artº 202º al. b) do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, condicionando-se tal suspensão ao pagamento à assistente P. C., S.A. da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), pagamento a efectuar no prazo de 2 (dois) anos a contar do trânsito em julgado da presente sentença, disso devendo fazer prova nos autos.

    c) Custas pelos arguidos, fixando-se em 4 UCs a taxa de justiça a pagar por cada um deles.

    Parte Cível

  2. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por P. C., S.A. parcialmente procedente e, em consequência, condenar solidariamente os demandados A. P. e J. L. a pagarem à demandante a quantia de € 25 341,10 (vinte e cinco mil, trezentos e quarenta e um euros e dez cêntimos), quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde as datas em que cada uma das quantias parcelares foram apropriadas pelos demandados (correspondentes às datas das vendas das respectivas mercadorias) até efectivo e integral pagamento.

    Custas pela demandante e pelos demandados na proporção do decaimento.

    (…)”.

    *3.

    Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido J. L.

    interpor o presente recurso, constante de fls. 907/930, e de fls. 954/960, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões (2) e petitório (transcrição): “1ª - O Tribunal a quo decidiu condenar o recorrente como co-autor material de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo art. 205º nº1 e nº5 b), 202º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de dois anos, condicionada ao cumprimento de vários deveres, mormente o pagamento da quantia de 10.000,00 euros à assistente.

    2ª – Não pode o Recorrente conformar-se com tal Sentença, pois considera que o Tribunal a quo violou de forma contundente o Princípio do Contraditório, da Igualdade das partes e da possibilidade da defesa do arguido, asseguradas pelo artigo 32º nº1 e nº 5 da constituição da república portuguesa, pelo artigo 61º nº1 alínea a) do CPP e pelo artigo 3º nº 3 do CPC.

    3ª - Com a acusação, o Recorrente constatou que um dos elementos probatórios mais relevantes eram as imagens de videovigilância juntas pela Assistente.

    4ª - Assim, desde o início até á prolação da sentença em 1ª instância, tentou o Recorrente que lhe fossem facultadas todas as imagens, de modo a poder exercer cabalmente o contraditório.

    5ª - O Tribunal a quo nunca permitiu o acesso integral às imagens de videovigilância, não tendo o Recorrente podido exercer a sua defesa.

    6ª - Da análise do processo resulta ainda que as testemunhas C. C. e L. G. tiveram acesso ao visionamento de imagens a que o recorrente nunca acedeu! 7ª – Entendeu o Meritíssimo Julgador a quo permitir na segunda sessão da audiência de julgamento o visionamento de parte das imagens de videovigilância.

    8ª – Sucede que da parte que foi visionada em audiência de julgamento não se conseguiu efectuar: - a identificação dos supostos clientes e demais trabalhadores; - o tipo de mercadorias e quantidades carregadas nos carrinhos e transportadas para as viaturas dos clientes; - a correspondência entre as alegadas mercadorias visíveis e a respectiva facturação posterior (facturas pro formas) destas por parte da Assistente; - se após a saída das mercadorias, as mesmas foram pagas pelos clientes, em momentos posteriores.

    9ª – Do visionamento permitido pelo julgador a quo, não se conseguiram identificar os clientes, o trajecto da entrada, compra e saída de mercadorias, nem verificar quais os supostos “bens levados e não facturadas” pelo aqui Recorrente e não pagas pelos clientes.

    10ª – Se antes da audiência o Meritíssimo Juiz a quo não permitiu o acesso às imagens de videovigilância e se das imagens visionadas em audiência de julgamento não se percebe de forma coerente, continua, e sem a “pseudo interpretação” de um funcionário da Assistente o que se passava, como pode o Recorrente exercer o seu contraditório? 11ª – Como contraditar clientes não identificáveis, passagem de bens que se desconhecem, inexistência de facturas de bens que se desconhecem, recebimento de dinheiro não verificado? 12ª - Na verdade, o modo como foi efectuado o visionamento das imagens de vídeo vigilância impediram in totum qualquer tipo de contraditório por parte dos Arguidos.

    13ª - Ficando o Mmº Juiz a quo “satisfeito” com esse visionamento que restringiu, de forma clara, a defesa dos arguidos e que limitou totalmente questões colocadas pela sua defesa.

    14ª – Na verdade, ainda hoje o Recorrente não entende como pode ser julgado e condenado por algo que nunca viu, nem nunca lhe foi permitido a sua total visualização! 15ª – O não permitir que o Arguido/ Recorrente visionasse todas as imagens que se encontram nos autos e o não fornecer-lhe uma cópia é reduzir a Justiça a um mero formalismo de cumprimento de agenda, constituindo um verdadeiro atropelo a todos os princípios estruturantes do Direito Processual Penal! 16ª - Esta actuação judicial por parte do Tribunal a quo reflecte uma clara omissão das diligências essenciais para a descoberta da verdade material e violação do princípio do contraditório, configurando uma nulidade, cominada pelo artigo 120º nº1 e 2 do CPP, que o aqui Recorrente arguiu perante o Tribunal a quo, e que foi indeferida pelo mesmo! 17ª - Tendo o aqui Recorrente interposto recurso para este Venerando Tribunal de tal indeferimento, mantendo todo o interesse na sua apreciação.

    18ª - O direito ao contraditório é o corolário de todos os direitos de defesa, tendo como conteúdo essencial o de nenhuma prova dever ser aceite na audiência de julgamento sem que previamente tenha sido dada a efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar, de a valorar.

    19ª - Para esse efeito, o Arguido deve estar dotado ao longo de todo o processo, dos instrumentos processuais necessários para contrariar a posição do Ministério Público ou da Assistente.

    20ª - O princípio constitucional da igualdade reconduz-se à proibição do arbítrio, à garantia de acesso aos tribunais e a possibilidade de reacção contra determinados vícios da actuação e decisão judiciais, corolários do Estado de Direito, sendo constitucionalmente consagrada a plenitude de acesso à jurisdição e os princípios de juridicidade e da igualdade.

    21ª - O art. 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa está consagrado o direito a um processo equitativo, isto é, a um processo justo «no qual se incluirá, naturalmente, o direito de cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito, integrando, assim, a "proibição da indefesa" o núcleo essencial do "processo devido em Direito"; constitucionalmente imposto».

    22ª - Será pois primordial e essencial que o Recorrente pudesse efectuar o contraditório da prova (imagens da vídeo vigilância) para justificar a inexistência de crime pelo qual foi acusado e condenado! 23ª – Mais: o Tribunal a quo valorizou os depoimentos de testemunhas que laboram ou exercem funções remuneradas na Assistente e que tiveram acesso ao visionamento integral das imagens de videovigilância: é o caso do seu Director Geral (L. G.), contabilista (M. J.), ROC (A. C.), funcionário (P. A.).

    24ª - Face ao exposto o Recorrente, não se conforma com o modo como os seus direitos constitucionais e processuais foram ultrapassados e violados pelo Tribunal a quo, numa verdadeira razia dos mais elementares princípios que enformam um Estado Social de Direito Democrático.

    25ª – Entende ainda o recorrente que se verificou erro notório na apreciação da prova, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e a violação do princípio do in dubio pro reo.

    26ª - O Tribunal a quo afirma que valorou o depoimento dos senhores peritos da Policia Judiciária (C. F. e F. V.), que confirmaram o relatório pericial às imagens de videovigilância e que referiam que “embora fosse possível alterar a datação, tal não é fácil de fazer e que não detectaram nas imagens de videovigilância quaisquer anomalias ou indícios de manipulação”.

    27ª – Acresce ainda que “nesta parte, o tribunal levou ainda em conta o relatório pericial que se encontra junto aos autos a fls. 652 a 716, devidamente analisado em sede de audiência”.

    28ª – Contudo de acordo com o relatório pericial junto aos autos de fls. 652 a 716 apenas se pode aferir que não é possível concluir se a datação é a original ou não, conforme consta das suas conclusões, nos pontos d) e) e...

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