Acórdão nº 2331/17.1T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelLÍGIA VENADE
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO A. B.

, e M. E.

, residentes na Rua … Vila Real, instauraram ação declarativa sob a forma de processo comum, contra M. G.

, com domicílio na Rua … Vila Real.

Para tanto, alegam, em síntese, que são proprietárias do prédio urbano sito na freguesia e concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº.

...

, por terem adquirido o imóvel à X, S.A., e que em 27/10/1966 M. F. dera de arrendamento a C. G.

(pai da ré), pelo período de um ano, renovável por idênticos períodos, com início em 01/11/1966, para fins habitacionais, o 2.º andar do prédio descrito sob o n.º ...

, mediante a retribuição mensal inicial de seiscentos e cinquenta escudos, tendo a ré sucedido na posição de locatária, na sequência do óbito do pai, ocorrido em 1990.

Alegam também que desde há pelo menos sete anos a ré não habita no locado, por se encontrar a viver noutra habitação com uma irmã, para além de não facultar o acesso ao locado, não obstante os problemas de infiltrações que este apresenta, pelo que pretendem ver cessado o contrato de arrendamento, decretando-se a resolução da relação locatícia.

*Na contestação a ré alegou que continua a residir no locado, apenas se ausentando para fazer algumas refeições na habitação onde vive a irmã, na qual também pernoita por vezes, não ficando mais tempo no locado devido à degradação que este apresenta, não obstante as reclamações que a ré e os seus pais fizeram aos sucessivos senhorios, pelo que, em todo o caso, sustenta ser abusiva a pretensão das autoras.

A ré rejeita também que não tenha permitido o acesso ao locado quanto tal lhe foi solicitado pelas autoras, para além de manifestar que o prazo previsto no artº. 1072º, nº. 1, do Código Civil, não se mostra completado, uma vez que não tinha decorrido mais de um ano quando a ação foi instaurada, por referência à data de aquisição pelas autoras do imóvel.

A ré defende ainda que a conduta das autoras é abusiva na medida em que estas encetaram negociações tendentes à transição para o N.R.A.U., sem prejuízo de se advogar na contestação que o eventual direito à resolução caducou, por renúncia dos anteriores proprietários.

*Na resposta as autoras reafirmaram a posição assumida na petição inicial e impugnaram a defesa por exceção aduzida pela ré, embora tenham reconhecido que em 20/11/2017 lhes foi facultado o acesso ao locado pela ré.

*Foi atribuído à ação o valor de € 1.807,20.

Foi proferido despacho saneador. Determinou-se que o objeto do litígio e fixaram-se os temas de prova.

Foi levada a cabo prova pericial.

Foi realizada a audiência de julgamento.

*Foi proferida sentença que decidiu: a) Declarar a cessação do contrato de arrendamento identificado no facto provado n.º 4; b) Condenar a ré M. G. a despejar o locado e a entregá-lo às autoras A. B. e M. E. livre de pessoas e bens; c) Absolver a ré M. G. do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pelas autoras A. B. e M. E.; d) Condenar a ré M. G. no pagamento das custas processuais, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia; e) Condenar as autoras A. B. e M. E. nas custas do incidente de litigância de má fé que desencadearam, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) U.C..

*Inconformada a R. apresentou recurso tendo terminado as suas alegações com as seguintes -CONCLUSÕES- 1º. Ao não levar em consideração a notoriedade do facto (condições de habitabilidade do locado) a sentença ora recorrida não fez, como devia, uma interpretação e aplicação correctas dos artºs. 412º do C.P.C. e 790º do Código Civil, bem como do artº. 344º nº. 1 do mesmo Código, aplicando erradamente o disposto no artº. 1072º nº. 2 a) do mesmo Código; 2º. Fez ainda a mesma sentença uma errada aplicação desta última disposição legal (artº. 1072º nº. 1 do CC) por não se ter completado um ano desde que as AA adquiriram a propriedade do imóvel locado; e, finalmente, 3º. Violou a decisão o disposto no artº. 334º do Código Civil na medida em que não considerou como ilegítimo o exercício do direito das apeladas depois da troca de missivas com a apelante no tocante à aplicação da nova renda que vigoraria a partir de Janeiro de 2019.

Conclui pela revogação da sentença proferida.

*As A.A. apresentaram contra-alegações, tendo terminado com as seguintes -CONCLUSÕES- 1º O presente recurso carece de total falta de fundamentação legal.

2º A Recorrente cinge a sua apelação às seguintes questões: não uso do locado por motivos de força maior; violação do art.º 1072º N.º 1 do Código Civil e abuso do direito nos termos do art.º 334º do Código Civil.

3º Cumpre no entanto referir que a Recorrente não cumpre com o ónus de alegar e concluir que lhe é imposto nos termos dos arts.º 639º e 640º do CPC, uma vez que, não enumera, muito menos discrimina os pontos sobre os quais incidem a sua apelação, apenas se cingindo de forma superficial ao Relatório Pericial, 4º E também não cumpre a Recorrente com a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa ou a decisão que em seu entender devia ser proferida sobre as questões impugnadas, conforme estipulado no artigo 640º do CPC.

5º Pelo que, deverá o recurso apresentado ser considerado inadmissível por violação dos artigos 639º e 640º do CPC Acresce ainda que, 6º No que concerne ao não uso do locado, tal decorre da factualidade dada como provada, pontos 9,10 e 11, tendo tais factos sido assumidos pela Recorrente, todavia esta agora alega que tal se deve a motivos de força maior, designadamente a falta de condições de habitabilidade, 7º Sucede que, além de a Recorrente não ter feito prova do alegado no que se refere às condições de habitabilidade, decorre do relatório pericial que se de facto o locado não possui nesta data as melhores condições de conforto, não se encontra insuscetível de ser habitado, 8º Não obstante, a Recorrente em sede de Contestação não invocou qualquer motivo de força maior, plasmado no art.º 1072º N.º 2 al a) do Código Civil, encontrando-se apenas agora em sede de recurso, a invocar esta norma, 9º Isto é, olvidando e ignorando toda a sua defesa e mais do que isso as normas legais aplicáveis ao caso em apreço e bem assim a competência do Tribunal da Relação em sede de recurso, apenas e só porque ficou descontente com a sentença proferida em 1.ª Instância, 10º Pretende agora alterar a sua causa de pedir, trazendo factos novos, designadamente a alegação de que se encontra perante um motivo de força maior, violando o art.º 609º do CPC que consagra que a sentença não pode condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do que se pedir, sendo, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea e), do CPC, nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

11º Não podendo por isso tal pretensão ser admitida por total falta de provimento, 12º Além do supra exposto, importa no entanto referir que o caso em apreço, não consubstancia uma situação de força maior - O caso de força maior a que alude o art.1072º nº2 al. a) Código Civil é o evento natural ou de acção humana de outrem que não o arrendatário que, embora pudesse prevenir-se, não podia ser evitada, nem em si, nem nas suas consequências danosas e que torne compreensível, aceitável, perfeitamente explicável que aquele não resida na casa arrendada, não se confundindo com a situação de infiltrações de água (por humidades) do andar superior, que é uma situação anómala, mas, por natureza, reparável em curto espaço de tempo».

Acórdão da Relação do Porto, de 15/9/09, disponível in www.dgsi.pt.

Ainda, 13º No que concerne à alegada violação do art.º 1072º N.º 1 do Código Civil, uma vez mais não assiste razão à Recorrente. No caso em apreço estamos perante factos continuados ou duradouros, cujo prazo de caducidade apenas se completa decorrido um ano da sua cessação, nessa medida, aproveita às Recorridas, como fundamento resolutivo a parte do prazo em que a Recorrente não fez uso do locado antes da transmissão, 14º O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador - art. 1057.º do CC. Se, antes da transmissão, se iniciou a contagem do prazo de um ano para resolução do contrato de arrendamento, o prazo não se interrompe com a substituição do proprietário, a contagem prossegue. O direito à resolução mantém a consistência de que gozava anteriormente.

15º Ora, no caso em apreço estamos a falar de uma obrigação da Arrendatária em relação a um determinado contrato de arrendamento, que não se inicia cada vez que o Senhorio se altera. Ou seja, esta obrigação plasmada legalmente inicia-se com a relação locatícia e não se reinicia sempre que altera o senhorio. Pelo que, também neste ponto não assiste razão à Recorrente.

16º Por último, a presente ação não configura abuso de direito por parte das Recorridas, porquanto a iniciativa das Recorridas de promoverem a transição do contrato de arrendamento para o NRAU teria a virtualidade de permitir que a relação locatícia ficasse sujeita a novas rendas, mas tal pressuposição não veio a ser aceite pela Recorrente após o que se seguiu a aplicação do regime previsto no art.º 35º N.º 5 al. b) da Lei N.º 6/2006 de 27 de Fevereiro.

17º Não se trata pois de um acordo entre as partes, para a prorrogação do contrato, mas a sua conformação a um novo figurino imposto por via legal, perante o impasse gerado pela falta de acordo entre senhorio e inquilino, e nessa conformidade, não se afigura que as Recorridas não possam peticionar a resolução da relação locatícia, não obstante terem promovido a transição do contrato de arrendamento.

18º In casu, a Recorrente não se encontra, como nunca se encontrou convicta de que o direito das Recorridas não seria exercido, além de que as Recorridas não deixaram passar longo tempo sem exercerem o seu direito, muito menos a Recorrente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT