Acórdão nº 4458/19.6T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelRAQUEL BATISTA TAVARES
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório R. M., residente em Guimarães, veio propor providência cautelar comum contra o CONDOMÍNIO DO PRÉDIO Sito na Rua ..., n.º ..., representada pela administradora, ... CONDOMÍNIO, LDA, e os condóminos, M. N., J. R., R. C., J. M., L. P., M. F., L. N. e M. V. (que votaram a favor da deliberação), pedindo, a final, que se condene os Requeridos a entregar uma chave do cadeado do portão do logradouro do prédio sito na Rua ..., n.º …, à Requerente, sendo dessa forma assegurada a passagem e acesso de veículos à fração; subsidiariamente, sejam os Requeridos condenados a retirar o cadeado do portão do logradouro, sendo dessa forma assegurada a passagem e acesso de veículos à fração “C”; cumulativamente, deverão os Requeridos obstarem à prática de qualquer ato que impeça a utilização do logradouro para cargas e descargas pela Requerente e ser deferida a inversão do contencioso; serem os Requeridos condenados em sanção pecuniária compulsória nunca inferior a €250,00 por cada dia de incumprimento da providência cautelar a decretar.

Para tanto e em síntese alegou que é arrendatária das frações “B” e “C” do referido prédio, ambas destinadas ao comércio, unidas sob a designação de “Loja …”, e que desde o início do contrato, em abril de 2018, se socorria da viela passeio de logradouro existente do lado poente do prédio, que é parte comum e que constitui acesso à referida fração, para proceder às cargas/descargas do estabelecimento, através da fração, sendo que tal operação facilitava as cargas e descargas, através da fração “C”, ao invés da entrada principal da loja, tal como já acontecia com os anteriores arrendatários desta fração, não sendo proibida – ao contrário do estacionamento no espaço – por nenhum dos instrumentos de regulamentação do condomínio.

Que no dia 09/07/2019, a Administração procedeu ao escoramento da folha maior do portão de acesso ao logradouro, apondo, na aludida escora, um cadeado de forma a impedir a respetiva remoção e a abertura da folha, não entregando à requerente a chave do cadeado.

Mais alega que a Requerente ficou impedida de realizar as operações de carga e descarga no logradouro e de aceder com mercadorias diretamente pela fração “C” como fazia, tendo de agora de realizar, atendendo ao volume dos veículos e exiguidade dos espaços de estacionamento na rua, em cima do passeio e pela entrada do público, dificultando as operações e não obtendo a utilização esperada do espaço.

Foi admitida a providência e citados os requeridos.

O requerido CONDOMÍNIO, e os condóminos M. N., J. R., R. C., L. P. e M. F. deduziram oposição, alegando, antes de mais, em síntese, que se verifica a ilegitimidade dos requeridos condóminos, sendo que o Requerido J. M. (5.º) faleceu em -/10/2016, o Requerido L. N. (7º) não é proprietário, mas sim uma sociedade e o Requerido M. F. deixou de ser proprietário, em virtude de doação efetuada a 01/08/2019.

Alegam ainda que a Requerente não poderia intentar a providência de impugnação das deliberações, sem acompanhamento do proprietário, verificando-se a ilegitimidade ativa da Requerente.

Relativamente ao mérito, concluem pela improcedência, alegando, em síntese, que as cargas e descargas já eram efetuadas pela porta principal, mesmo utilizando indevidamente o logradouro para estacionar o veículo, deixando-o ficar indevidamente estacionado, o que é proibido pelo regulamento do condomínio, sendo aquele sítio apenas para acesso pedonal à fração.

O logradouro era utilizado pelo antigo inquilino para colocar plantas e para uma pontual carga e descarga, nunca tendo sido permitida esta utilização, não havendo qualquer prejuízo, uma vez que existem lugares de estacionamento e para cargas e descargas na rua.

Atendendo à necessidade de mais custos com a habilitação de herdeiros e intervenção de terceiros com a doação alegada, foi determinada a notificação a Requerente para se pronunciar, querendo, sobre a alegada ilegitimidade passiva ou requerer o que tiver por conveniente sobre a (des)necessidade de intentar a providência contra os condóminos.

Foi proferido despacho no sentido de que se se configurar a ação como mera restituição de posse, poderia ser intentada a providência apenas contra o condomínio ou contra os condóminos que votaram a favor, representados pela administração, que já deduziu oposição, pelo que se designou tentativa de conciliação com a Requerente e a Requerida administração.

Frustrada a conciliação, foi acordado que a providência ia apenas prosseguir com uma decisão provisória relativa à utilização do logradouro contra o Requerido “Condomínio”, representado pela administração, deixando os restantes Requeridos de ter intervenção.

Foi proferido despacho determinando a prossecução da instância apenas contra o Requerido Condomínio, absolvendo da instância os restantes Requeridos.

Realizada a audiência foi proferida decisão que julgou procedente o procedimento cautelar: “Pelo exposto, julgo o presente procedimento cautelar procedente e, em consequência, determino que o Requerido permita a utilização do logradouro para cargas e descargas e que, no prazo de dois dias a contar da notificação, entregue uma cópia da chave do cadeado do portão do logradouro do prédio sito na Rua ..., n.º …, à Requerente, sob pena de condenação em sanção pecuniária, no montante diário de incumprimento de € 50,00 (cinquenta euros).

Custas pelas partes, atendendo ao já decidido relativamente às partes e inversão de contencioso, sem prejuízo do disposto no artigo 453º, nº1, do Código de Processo Civil.

Notifique”.

Da sentença recorreu o CONDOMÍNIO do Prédio sito na Rua ..., n.º ..., concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1ª-) A sentença recorrida viola de forma a Lei, o título constitutivo da propriedade horizontal, o regulamento do condomínio devidamente aprovada e as deliberações validamente tomadas pelo condomínio na assembleia geral de 18 de Junho de 2019; 2ª-) A sentença proferida legitima ou ratifica um comportamento da Requerente manifestamente abusivo e violador da Lei, da propriedade horizontal, do regulamento do condómino e das deliberações da assembleia geral de 18.06.2019; 3ª-) A escassa factualidade apurada e dada como provada não pode de todo fundamentar o decretamento desta providência cautelar, requalificada pela sentença recorrida como sendo de restituição provisória de posse; 4ª-) A Requerente socorre-se da presente providência para de forma camuflada impugnar as deliberações dos condóminos validamente tomadas na AG de 18.06.2019; 5ª-) As deliberações consignadas em acta, impõem-se aos condóminos e a terceiros titulares de direitos relativos às fracções, quer as mesmas tenham sido por aqueles aprovadas ou não; 6ª-) A Requerente não poderia vir a Juízo desacompanhada dos proprietários das fracções “B” e “C” de que a mesma é arrendatária; 7ª-) O A. F., proprietário das fracções em causa, devidamente convocado para a assembleia extraordinária de 18.06.2019, não compareceu, nem se fez representar, nem depois, notificado das deliberações, usou alguma das faculdades que o artigo 1433.º do Código Civil lhe dava para, caso discordasse, reagir às deliberações validamente tomadas naquela AG de 18.06.2019; 8ª-) A legitimidade activa ou passiva para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos radica-se nos próprios condóminos, sendo os demandados representados pelo administrador do condomínio ou por pessoa que a assembleia designar para esse efeito; 9ª-) A Requerente não tinha legitimidade para impugnar as deliberações das assembleias de Condóminos, por ser simplesmente a locatária das fracções “B” e “C” e não a sua proprietária; 10ª-) A Requerente não era a titular da relação controvertida, sendo assim de considerar parte ilegítima na presente providência cautelar; 11ª-) Não se mostram verificados nos autos os pressupostos do artigo 377º do CPC; 12ª-) A escassa matéria de facto indiciariamente dada como provada não permite inferir que houve um esbulho violento; 13ª-) Estava vedado ao Tribunal “a quo” convolar a providência cautelar comum requerida pela Autora em providência cautelar de restituição provisória de posse; 14ª-) Se estivéssemos in casu perante uma providência cautelar de restituição provisória de posse, como a sentença acabou por entender, a mesma não deixaria de ter sido desde logo decretada, produzida a prova da Requerente, mas sem a citação e audiência do Requerido, o que não se verificou; 15ª-) O artigo 378º do CPC impõe que se o Juiz, pelo exame das provas, reconhecer que o requerente tinha posse e foi esbulhado dela violentamente, ordene a restituição, mas sem citação nem audiência do esbulhador; 16ª-) Há procedimentos cautelares nominados (como é o caso da restituição provisória de posse) que, pela sua natureza, devem (imposição legal) ser sempre decretados sem audiência do requerido.; 17ª-) Se efectivamente se tratasse de uma providência cautelar de restituição provisória de posse, o Juiz, em vez de mandar citar os Requeridos, como fez através do seu despacho de 05.08.2019, teria ordenado a imediata produção da prova indicada pela Requerente e, em face dela, teria decretado a providência, mas sem a citação nem audiência dos Requeridos; 18ª-) Não o tendo feito, torna-se evidente que não se está perante um procedimento cautelar de restituição provisória de posse, que tem regras próprias e até mais restritivas (como é o caso da dispensa de citação e audiência prévia do requerido) mas antes de um procedimento cautelar comum, tal como de resto a Requerente o configurou em toda a sua linha; 19ª-) A decisão do juiz de ouvir ou não o requerido não é proferida no uso de um poder discricionário; 20ª-) Tendo a Requerente fundado a presente providência cautelar no artigo 362º do CPC (cfr. artigos 77º e sgs da petição) e configurado a mesma como um procedimento cautelar comum, e em que nem tão pouco requereu a dispensa de audiência prévia do requerido, vedado estava ao Tribunal “a quo”...

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