Acórdão nº 535/19.1T8VVD-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelPURIFICAÇÃO CARVALHO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães- I.

RELATÓRIO Pelo Juízo Local Cível de Braga - Juiz 4 correm termos uns autos de Acção de Processo comum com o nº 535/19.1T8VVD, em que é autor: L. F. e réu J. P..

O autor pede a nulidade do testamento de A. F., pai do Autor e Réu, nos termos e para os efeitos do artigo 2199.º, do Código Civil.

A fundamentar este pedido alega o seguinte: 1. Em 15 de Dezembro de 2015, A. G., pai do aqui Autor e também do aqui Réu, fez testamento a favor deste último, 2. No qual lhe legou, por conta da sua quota disponível, os seguintes imóveis:

  1. Pavilhão de cave, rés-do-chão, andar e logradouro, sito no Lugar …, freguesia de …, Comarca de Vila Verde, inscrito na matriz sob o artigo …; b) Prédio de quatro habitações, sito em …, na Alemanha – cfr. Documento n.º1 que ora se junta e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.

    1. O supra mencionado, A. G., faleceu em .. de Setembro de 2018 – cfr. certidão de óbito que ora se junta sob a denominação de Documento n.º2 e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.

    2. Ora, sucede que, na data em que foi lavrado tal testamento, no Cartório Notarial nele referido, o Testador encontrava-se incapacitado de entender o sentido da sua declaração nele constante, tal como não detinha o livre exercício da sua vontade, 5. Sendo, nessa conformidade, tal testamento nulo, nos termos do artigo 2199.º, do Código Civil, 6. O que, por isso, desde já, expressamente se invoca, pois tal preceito legal estabelece que é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória (incapacidade acidental).

    3. Na verdade, à data da feitura do referido testamento, o Testador encontrava-se numa situação de incapacidade natural de entender e querer o sentido da declaração testamentária constante do mesmo.

    4. Portanto, em tal momento, não possuía o Testador capacidade intelectiva e volitiva que lhe permitisse compreender e querer o verdadeiro sentido de tal declaração.

    5. E diz-se que este se encontrava, assim, incapacitado, já que, de acordo com o relatório social do Centro Social da Paróquia de ..., datado de 15 de Março de 2016 e subscrito pela Dra. C. R. – que ora se junta sob a denominação de Documento n.º3 e se dá como inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais - 10. Expressamente, consta, além do mais, que: “o estado mental do Sr. A. G. tem vindo a agravar-se, havendo episódios de alteração do seu comportamento, demonstrando agressividade e ataques de fúria, fruto do quadro demencial.” 11. Resultando, também no mesmo sentido, que: “A. G., de 80 anos, apresenta um quadro demencial significativo, com muitos episódios de desorientação temporal e espacial, confusão mental e depressão, tendo havido, até, episódios em que se perdeu.” (sublinhado nosso).

    6. Saliente-se, a este propósito, que esse relatório foi efetuado, precisamente, 3 meses após a data da feitura do testamento em causa, e que no mesmo se faz alusão, e se conclui, que o estado demencial do Testador já existia há muito e, portanto, muito antes da sua realização.

    7. Tudo isto a significar que, à data de tal feitura, o Testador, A. F., já sofria de doença neurovegetativa (demência), em estado já avançado e que se foi agravando, 14. Ou seja, de um estado mental de comprovada degenerescência evolutiva e paulatina das condições de perceção, compreensão, raciocínio e volição, 15. Quadro patológico esse de que o mesmo já era padecente antes da feitura do testamento e que mantinha na data do mesmo, como é facto notório que não carece de alegação ou de prova 16. E que há luz da ciência e da experiência comum, não se compatibiliza com a lucidez ou compreensão e volição (normais) necessárias para uma válida declaração testamentária.

    8. Assim e tomando em consideração, e interpretando, o preceituado no artigo 2199.º, do Código Civil, é notório que a anulabilidade do testamento com fundamento em incapacidade acidental se tem de aferir pela cadência mental-volitiva do testador no próprio ato da sua feitura, incapacidade que, manifestamente, existiu no caso sub judice, 18. Impondo-se, assim, concluir que o Testador, Sr. A. G., não teve a verdadeira consciência de efetuar a declaração negocial e, muito menos, das consequências de fazer um legado a um dos seus dois filhos, por conta da sua quota disponível, com um injustificado tratamento desigual em favor do aqui Réu e em desfavor do aqui Autor, 19. O que tudo fundamenta a causa de pedir e o pedido da presente ação.

    9. Pois, como é bem sabido, a causa de pedir, nas ações de anulação é a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido, 21. Como acentua o Professor Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil: “a causa de pedir nas ações anulatórias é a nulidade específica invocada pelo autor, um vicio aduzido como fundamento da nulidade (incapacidade…)”- cfr. Artigo 581.º, n.º4 do C.P.C.

    10. E tanto é plenamente verdade o que assim supra se alega, em termos factuais e jurídicos.

    11. E mais que prova disso é o facto de, face ao grave estado físico e psíquico do Testador, se tornou mais do que necessária a propositura de uma ação de interdição do mesmo, por parte do também aqui Autor, cuja petição inicial se junta sob a denominação de Documento n.º 4 e se dá como reproduzida para todos os efeitos legais - 24. Instauração essa que teve lugar somente em 16 de Maio de 2017 e isto porque o aqui Autor residia em Aveiro, pelo que não tinha pleno conhecimento da situação demencial do seu pai, A. F., 25. Até porque o seu irmão, aqui Réu, lhe dava notícia que tudo se encontrava dentro da normalidade, o que não correspondia à realidade.

    12. E de tal modo que, nessa ação, o Ministério Público se pronunciou no sentido da nomeação do aqui Autor como Tutor Provisório do Requerido, seu Pai, por este não conseguir gerir a sua pensão de reforma e por ter efetuado negócios que beneficiam, exclusivamente, o filho, J. P., aqui Réu, 27. Tendo sido, por virtude disso, proferida decisão pelo Meritíssimo Juiz deferindo o assim requerido – cfr. Documento n.º5 que ora se junta e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.

    13. Ação de interdição essa que foi correndo os seus termos e no decurso foi ordenada pelo Tribunal a realização do pertinente exame médico ao pai do Autor, na competente especialidade, 29. O qual não chegou a efetivar-se por vicissitudes várias, maxime, pela resistência oferecida pelo aqui Réu e porque, tendo sido, por último, indicada a data de 11 de Setembro de 2018, para a realização do mesmo, 30. O examinando acabou por falecer dois dias depois, ou seja, em 13 de Setembro de 2018.

    14. A este propósito, deve salientar-se, também, que o comportamento do aqui Réu era, a todos os títulos, censurável, revelando o mesmo mau caráter, sendo bem revelador disso o facto de, para além de, aproveitando-se de estar encarregue da gestão do dinheiro e património dos seus pais, 32. Ter transferido avultadas quantias monetárias das contas bancárias do mesmo para a sua, como bem entende e para seu proveito próprio, em detrimento do pagamento das despesas básicas inerentes às necessidades dos seus pais, que possuem rendimentos mais do que suficientes para esse efeito, 33. Configurou como procurador dos mesmos na venda de um prédio em Lisboa, de que os seus pais eram comproprietários com outro familiar, e que lhes rendeu a quantia de €425.000,00 (quatrocentos e vinte cinco mil euros), 34. Tendo, fruto dessa venda, o Sr. J. P. adquirido um pavilhão (como procurador em nome dos seus pais), e sem o seu consentimento, onde, posteriormente, terá instalado a sua oficina de automóveis, utilizando esse local para fins e atividades ilícitas, 35. Atividades ilícitas essas que, por sua vez, se encontram em juízo no âmbito de um processo-crime a correr no Tribunal da Comarca de Lisboa e no âmbito do qual terá sido, até, detido pela polícia 36. E de ter sido apresentado ao Juiz para ser ouvido e para lhe ser imposta a competente medida de coação, de acordo com o constante no mencionado relatório social.

    15. Para além do mais e perante a recusa reiterada e perentória de seu pai se dirigir ao médico, sentiu o aqui Autor a necessidade de dar conhecimento ao Ministério Público de tal situação, dando origem ao Processo n.º 642/16.2T9BRG para que este promovesse o internamento compulsivo desse, 38. Internamento esse motivado pelo facto de ter chegado ao seu conhecimento que o seu pai, para além de nunca mais ter ido às consultas de neurologia após ter sofrido de um AVC no ano de 2014, se encontrar a tomar a medicação que, ao invés, teria sido receitada à sua esposa e mãe do aqui Autor, 39. Tendo, só por grande insistência do Tribunal, o mesmo sido submetido a consulta por um médico da especialidade de Neurologia, em Braga.

    16. Nessa conformidade e uma vez que a ação de interdição se prende com o estado de demência daquele, como Testador, junta-se, aqui e agora, os únicos relatórios médicos que o aqui Autor tem na sua posse – que ora se juntam sob a denominação de Documento n.º 6 e se dá como inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais – 41. Desde já, se requerendo, também, que o Tribunal solicite ao Hospital de Braga e ao Centro de Saúde de ... os registos clínicos respeitantes a tais consultas e o mais pertinente relativo a esse estado de doença do mesmo.

    17. Tudo isto a revelar à saciedade o estado demencial e irreversível do pai do aqui Autor e do aqui Réu e a conduzir à procedência do pedido formulado pelo Autor de anulação do testamento, nos termos do artigo 2199.º, do Código Civil, 43. Sendo de salientar, a este propósito, que, como é bem sabido, o facto de constar de um testamento público em causa, as declarações atribuídas ao Testador, que nele se documentam, 44. Não impede a alegação e a prova, por qualquer interessado, de que ele não teve consciência de fazer declarações negociais, de que agiu em estado...

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