Acórdão nº 169/17.5T8BRG.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelROS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO E. J.

e M. R.

instauraram ação para impugnação da inversão do contencioso contra J. A.

, P. V.

, F. R.

e V. R.

, pedindo que seja admitida a presente impugnação e, em consequência: a) seja declarada a nulidade do “Acordo” como meio próprio válido e eficaz, para a desanexação do prédio rústico do A. marido, descrito na CRP/… sob o n.º …, de uma faixa de terreno com 0,50m de largura desde o portão até à estrada municipal e transmissão da sua propriedade aos Réus; b) na hipótese, que não se aceita, de se entender a validade desse “Acordo” que seja declarada a sua ineficácia obrigacional em relação à Autora Mulher por não ter intervindo nesse documento nem ter prestado o seu consentimento, nem de forma expressa nem de forma tácita.

  1. seja declarado que os AA. não praticaram qualquer ato que tivesse causado justo e fundado receio de lesão grave do direito dos RR, mesmo que tal direito lhes assistisse (e não assiste).

  2. seja declarado não existir o direito de proceder à demarcação dessa faixa por meio de viga com não mais de 0,20 m de largura, a colocar sobre o terreno do A. marido; e) não existindo assim o direito que se pretendeu acautelar; f) declarando-se a caducidade da providência decretada.

    Como fundamento dos seus pedidos, alegaram, em síntese, que os réus intentaram contra os autores uma providência cautelar e requereram a inversão do contencioso, tendo sido proferida decisão que deferiu essa pretensão.

    Porém, os réus nem sequer tinham legitimidade processual para requerer a providência pois, em setembro de 2016, antes da instauração do procedimento cautelar, alienaram o prédio a favor do qual foi acordada a dita desanexação/cedência de terreno razão pela qual não eram titulares do direito invocado na providência.

    Por outro lado, o acordo de cedência da faixa de terreno com 0.50 m de largura só poderia ter sido realizado através de escritura pública ou documento particular autenticado, o que, no caso, não sucedeu e gera a nulidade do negócio por vício de forma.

    Ainda que o aludido negócio fosse válido, o autor nunca o poderia cumprir, porquanto carecia do consentimento da autora, M. R., sua esposa, a qual não deu o seu consentimento para o negócio e sempre se opôs à sua celebração.

    O acordo em causa não tem prazo de cumprimento e não foi efetuada interpelação admonitória, pelo que inexiste mora, não havendo direito a acautelar, não devendo ter sido decretada a providência.

    Não estavam verificados os requisitos para o decretamento da providência cautelar pois não existia justo e fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito dos réus na medida em o autor nunca praticou qualquer ato que pusesse em causa o exercício do direito àquela faixa de terreno.

    A venda do prédio feita pelos réus ao comprador J. S. não previu o quer que fosse relativamente ao acordo de cedência do terreno, sendo certo que o prédio beneficia de acesso largo e fácil e que os contadores de água e luz e a caixa de correio podem ser colocados nos pilares do portão de acesso.

    A caixa de correio e contador de energia que foram retirados pertencem aos autores e o mesmo ocorre com o muro, pelo que tal atuação não constitui violação de qualquer direito dos réus ou do proprietário atual do imóvel.

    A desanexação da parcela de terreno sempre seria nula, nos termos do art. 1379º, do CC, visto se tratar de imóvel de natureza rústica e implicar operação de fracionamento.

    Acresce que o acordo em discussão se tratou de negócio intuitus personae, tendo em atenção a intervenção do Dr. L. R., já que entre este e o autor sempre existiu grande amizade e confiança e só por causa dessa relação o autor aceitou desanexar a dita faixa de terreno que permitiria alargar o acesso ao prédio, visto que o Dr. L. R., juntamente com os filhos, nele pretendiam desenvolver um empreendimento turístico, tendo prometido verbalmente ao autor que, se esse projeto turístico não se concretizasse e os prédios fossem vendido a terceiros, seria dada ao autor preferência na compra.

    O acordo apenas vincularia o autor perante o Dr. L. R., mas já não relativamente a terceiros adquirentes do prédio, os quais não têm sequer interesse em agir.

    Os réus não têm direito de tapagem ou vedação da faixa de terreno, direito que apenas assiste ao seu proprietário/possuidor, qualidade que os réus não possuem.

    Para o caso de se entender que o acordo em discussão configura uma promessa de compra e venda de uma faixa de terreno, a autora M. R. não consente na realização do contrato prometido.

    *Regularmente citados, os réus apresentaram contestação na qual invocaram a caducidade, extemporaneidade, ilegalidade e falta de oportunidade da ação, alegando, em síntese, que a impugnação da inversão do contencioso é adjuvante da impugnação da providência cautelar e tem de ser efetuada em conjunto com esta e jamais isoladamente como sucedeu no caso vertente. No procedimento cautelar onde foi proferida a decisão de inversão do contencioso houve lugar a contraditório, mas os autores não o exerceram, não tendo deduzido oposição, nem recorrido da decisão. Por isso, está precludido, por caducidade, o prazo para propor a ação.

    Por outro lado, tendo sido proferida na providência cautelar decisão transitada em julgado que julgou assentes os factos, formou-se caso julgado material e os factos não podem ser novamente discutidos e objeto de impugnação.

    Não obstante o atrás defendido, impugnam e contradizem a versão dos factos alegada pelos autores.

    No que toca à autora M. R., referem, ainda, que a sua falta de consentimento quanto ao negócio poderia permitir a sua anulabilidade. Porém, este direito tinha que ser exercido no prazo de seis meses após o conhecimento do negócio, prazo esse que já há muito se encontrava ultrapassado quando foi intentada a presente ação.

    Pedem, assim, que a ação seja julgada improcedente.

    *Os réus suscitaram ainda a intervenção principal de J. S.

    e M. R.

    , que são os atuais donos do prédio beneficiado pela cedência da faixa de terreno, por entenderem que a sua intervenção é indispensável para que a lide produza o seu efeito útil normal.

    *Os autores responderam à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência.

    *Foi admitida a intervenção principal de J. S.

    e M. R.

    , tendo os chamados apresentado contestação, aderindo à posição assumida pelos réus, pedindo que se declare ser definitiva a decisão proferida no procedimento cautelar e, consequentemente, se considere extemporânea a presente ação. Sem prescindir, pugnam pela sua improcedência.

    *Em sede de audiência prévia, foi fixado à causa o valor de € 10 000, foi proferido despacho saneador, foi julgada improcedente a exceção de caducidade e extemporaneidade da ação e foi dispensada a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova.

    *Os chamados J. S.

    e M. R.

    vieram apresentar articulado superveniente no qual alegaram que os autores já não são os proprietários do prédio objeto dos autos posto que, em 12.2.2018, o doaram à sua filha E. R., a qual é casada com A. G..

    Consideram, por isso, que os autores não possuem legitimidade para intentar a presente ação.

    Entendem, ainda, que, ao ocultarem a transmissão da propriedade, os autores litigaram de má-fé pelo que peticionam que os mesmos sejam condenados a esse título em multa e indemnização a favor dos réus e chamados.

    *Foi proferido despacho que determinou o aditamento aos temas de prova dos factos invocados no articulado superveniente, apreciou a exceção de ilegitimidade invocada pelos chamados e considerou os autores parte legítima na ação.

    *Os réus e os chamados pediram a intervenção principal provocada de E. R.

    e A. G.

    , em virtude da invocada transmissão da propriedade do imóvel feita pelos autores, tendo tal intervenção sido admitida.

    *Os chamados E. R.

    e A. G.

    apresentaram contestação, aderindo à posição dos autores, salientando, apenas, não ter intervindo no acordo de cedência/desanexação em discussão.

    *Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: “Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente, por não provada, absolvendo-se, em consequência, os réus dos pedidos contra si formulados nos autos.

    Condena-se cada um dos autores, como litigantes de má-fé, a suportar o pagamento de multa que se fixa em 2 UC Custas pelos autores.”*Os autores não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: I- Os Recorrentes consideraram-se notificados da sentença ora recorrida, na pessoa do seu mandatário, no dia 09 de Janeiro de 2020.

    II- Atendendo a que os Recorrentes interpõe recurso de facto e de direito, o prazo é de 40 dias, terminando somente a 18 de Fevereiro, estando assim em tempo o presente recurso.

    III- O Tribunal recorrido decidiu julgar a acção improcedente, por não provada, absolvendo, os réus dos pedidos contra si formulados nos autos.

    IV- Os Recorrentes/Autores interpuseram uma acção contra os Recorridos/Réus onde impugnaram a inversão do contencioso determinada, pedindo consequentemente que fosse declarada a nulidade do acordo para desanexação de uma faixa de terreno do prédio rústico dos Réus, e caso assim não se entendesse, que fosse declarada a sua ineficácia relativamente à Autora, mais se declarando que os Autores não praticaram qualquer acto que tivesse causado justo receio de lesão do direito dos Réus, declarando-se consequentemente não existir o direito de demarcação daquela faixa e a caducidade da providência cautelar.

    V- Os Recorridos/Réus contestaram a acção que lhes foi movida, alegando a excepção de incompetência territorial do Juízo Local Cível de Braga, pedindo a remessa para o Juízo Local de Amares. Para além disso impugnaram a versão dos Autores, contrariando-a, e sustentando que o prazo para a Autora mulher propor acção de anulação já se encontrava ultrapassado, atento ao facto desta ter confessado, por revelia que sabia do...

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