Acórdão nº 117403/19.3YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | ALCIDES RODRIGUES |
Data da Resolução | 17 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório Hospital X EPE apresentou requerimento de injunção contra Seguradoras ..., SA, peticionando o pagamento da quantia de € 6.088,08 a título de capital.
Para tanto alega, em resumo, que é uma instituição hospitalar, integrada no Serviço Nacional de Saúde, tendo como objeto a prestação de assistência hospitalar e cuidados de saúde.
No âmbito da sua atividade, de 22-03-2019 a 09-07-2019, prestou a P. P., em virtude de atropelamento, os cuidados de saúde consubstanciados na fatura n.º 19002964, de 16-07-2019, no valor de 6.088,08 EUR.
A assistência hospitalar, segundo declarações do assistido, resultou de atropelamento, cujos contornos não logrou identificar na totalidade, tendo o atropelamento ocorrido por culpa de terceiro, B. F., condutor de veículo com a matrícula desconhecida, seguro na ora Requerida, em virtude de contrato de seguro celebrado com o proprietário e titulado pela apólice n.º 9001837686.
Havendo, como é o caso, terceiros legal ou contratualmente responsáveis pelos encargos hospitalares serão estes responsabilizados pelos referidos encargos.
Interpelada para pagamento, a Requerida nunca veio liquidar o montante em dívida, nem declinar a responsabilidade.
*A Ré deduziu oposição à injunção, arguindo o erro e inadequação do processo, a existência de causa prejudicial e impugnando os factos, afastando a sua responsabilidade no pagamento.
*Os autos foram distribuídos e concedida a oportunidade às partes para exercerem o contraditório, o que fizeram.
*De seguida, a Mmª juíza “a quo” elaborou decisão, nos termos da qual decidiu julgar verificada a nulidade de todo o processado, por impropriedade do meio utilizado e, por via disso, absolveu a Ré da instância.
*Inconformada com esta decisão, a demandante Hospital X EPE dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O Tribunal a quo, em sede de sentença, veio pugnar pelo entendimento de que o Recorrente só poderia exigir da Recorrida o pagamento dos cuidados de saúde no âmbito da assistência hospitalar prestada ao segurado daquela, desde que essa responsabilidade estivesse apurada à data da apresentação do requerimento injuntivo.
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O Decreto- Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, com a redação atual dada pela Lei n.º 64B/2011, de 30/12, dispositivo legal que rege a cobrança de créditos hospitalares do Serviço Nacional de Saúde, não refere em nenhum dos seus artigos que as Instituições e Serviços Integrados do Serviço Nacional de Saúde só possam recorrer ao procedimento injuntivo para exigir das seguradoras o pagamento dos cuidados de saúde desde que esteja assente a responsabilidade destas à data da apresentação do requerimento de injunção.
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Não pode inferir-se essa conclusão pela revogação do artigo 9.º daquele normativo legal, revogação essa operada pelo artigo 192.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
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Conforme consagra o regime jurídico previsto no dispositivo legal supra referido, não incumbe ao Recorrente provar que a Recorrida é responsável pelo pagamento dos cuidados de saúde prestados ao segurado daquela.
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O reduzido conhecimento sobre os factos que conduzem às assistências prestadas e que impõe uma complexa fase de averiguações prévias à dedução de ações declarativas, aliada a um não menos reduzido prazo para a dedução de ações de cobrança judicial implicam elevados custos e colocam as entidades do Serviço Nacional de Saúde numa posição desequilíbrio perante os seus devedores.
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Desequilíbrio que motivou o legislador a impor às instituições do SNS tão só a prova do facto gerador da responsabilidade pelos encargos, bem como da efetiva prestação de cuidados de saúde.
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À Recorrida sempre incumbiria alegar e provar a inexistência da responsabilidade sustentada 8. Ao Recorrente apenas incumbiria alegar os factos constitutivos do direito sobre os quais tenha conhecimento, estabelecendo um nexo de causalidade entre o direito ao ressarcimento e o dever de pagar.
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A génese do regime jurídico da cobrança de dívidas hospitalares será sempre facultar às Instituições e Serviços Integrados no Serviço Nacional de Saúde o ressarcimento dos seus créditos pela prestação de cuidados de saúde junto das Seguradoras, independentemente de estar fixada a responsabilidade destas à data da apresentação do requerimento injuntivo.
Pelo que, 10. Foi com base nesta ratio que o Recorrente demandou a Recorrida através do procedimento injuntivo.
NESTES TERMOS, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. Só assim se decidindo, será feita a acostumada JUSTIÇA!».
*Contra-alegou a requerida, Seguradoras ..., SA, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.
*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*II. Objecto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se se verifica erro na forma de processo conducente à absolvição da instância.
*III.
Fundamentos IV. Fundamentação de facto.
As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
*V. Fundamentação de direito Do erro na forma do processo escolhido.
A questão a decidir traduz-se em saber se o requerente pode instaurar procedimento injuntivo para obter título executivo com vista à cobrança da quantia de € 6.088,08 relativa a despesas hospitalares realizadas com um sinistrado de acidente de viação.
A ré fundou a invocação do erro/inadequação da forma do processo escolhido pelo Autor na circunstância de inexistir contrato, pressuposto de tal forma de processo, bem como por inexistir responsabilidade da Ré definida à data da propositura da ação sobre o facto gerador dos cuidados de saúde.
No entanto, a decisão recorrida, relativamente ao primeiro argumento, atento o disposto no art. 2º do DL 218/99, de 15/06, considerou que «o procedimento de injunção é o meio processual legal e adequado ao impetramento, por parte das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, de despesas havidas por cuidados de saúde por elas prestados, independentemente da causa que originou tais cuidados»; mas, quanto ao segundo argumento, por considerar que «a cobrança de dívidas pelas...
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