Acórdão nº 315/18.1T8MAC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelRAQUEL BATISTA TAVARES
Data da Resolução17 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório M. C.

, casada, contribuinte fiscal n.º ……, residente na Rua …, intentou, inicialmente, ação especial de interdição, por anomalia psíquica, sendo na presente data aplicável o regime jurídico do maior acompanhado por força do disposto no artigo 26.º, n.º 1 da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, a favor de sua mãe: O. C.

, viúva, natural da freguesia de …, e residente na Avenida ….

Foram cumpridas as formalidades legais atinentes à citação da beneficiária e à publicidade da ação.

Como a beneficiária se mostrasse incapacitada para receber a citação, foi nomeado curador provisório o seu filho J. P.

, tendo este apresentado contestação.

Após, foi citado o Ministério Público como interveniente acessório.

Pela Requerente foi apresentada resposta à contestação.

Foi realizado exame pericial junto do INML e procedeu-se à audição da beneficiária.

Foi admitida produção de prova apenas quanto à matéria, dos articulados, respeitante à nomeação do futuro acompanhante, eventual substituto e residência da beneficiária, tendo sido ouvidos a Requerente, o Curador Provisório e a prova testemunhal arrolada.

Foi realizada uma avaliação complementar ao INML solicitada a elaboração de relatório à Segurança Social.

Os intervenientes, notificados do resultado destas diligências probatórias, apresentaram as suas alegações, tendo a Requerente pugnado pela sua nomeação enquanto acompanhante, mantendo-se a beneficiária a residir consigo, sendo dispensada a constituição de conselho de família e determinando-se a aplicação de medidas de acompanhamento de representação geral e administração total dos bens e tendo o Curador Provisório alegado que deverá ser instituído um regime de acompanhamento em que se permita que a beneficiária passe três meses, alternadamente, com cada filho, sendo o 1.º período após a sentença passado com o Curador Provisório.

O Ministério Público promoveu que fossem decretadas medidas de acompanhamento e que fosse instituído um regime de acompanhamento partilhado entre requerente e curador provisório.

Foi proferida a final a seguinte decisão: “Atento o exposto, decide-se: a) Decretar o acompanhamento de O. C.; b) Determinar, como regimes de acompanhamento, a representação geral e a administração total de bens da beneficiária; c) Nomear como acompanhantes a filha M. C. e o filho J. P., os quais exercerão os poderes inerentes à representação geral e à administração total de bens em anos civis alternados; d) Determinar que, no corrente ano, seja a filha M. C. a exercer aqueles poderes, alternando em 01/01/2021 para o filho J. P. e assim sucessivamente; e) Instituir um regime de residência alternada de três meses em casa de cada filho/acompanhante, que se iniciará 8 dias após trânsito da presente decisão; f) Permitir que o acompanhante que tiver o convívio da beneficiária em cada trimestre possa, em seu nome, realizar os negócios da vida corrente que se justificarem para garantir a aquisição dos bens essenciais à sua higiene, alimentação e saúde, devendo para esse efeito dispor de cartão multibanco ou outro dispositivo de pagamentos adequado, associado à conta bancária à ordem que exista em nome da beneficiária, para a qual, mensalmente, seja transferida a sua pensão de reforma; g) Autorizar, duas vezes por semana, a convivência da beneficiária com os filhos e netos que não estejam a residir consigo em determinado trimestre, sempre que comuniquem essa visita ao acompanhante residente com a antecedência mínima de 24 horas; h) Por forma a garantir-se, entre o mais, a alternatividade do convívio em dias festivos com cada uma das famílias dos acompanhantes, autorizar que, no dia da Mãe e dia de aniversário da beneficiária, dias de aniversário dos filhos, genro/nora e netos, bem como nos dias 24/25 de dezembro, passagem de ano e Páscoa, se realizem convívios alternados e, eventualmente, pernoitas, independentemente do regime de residência alternada, desde que previamente acertados os seus termos entre os acompanhantes com a antecedência mínima de 8 dias; i) Na perspetiva de todos poderem gozar de férias nos meses de Verão, designadamente nos meses de julho, agosto e setembro, autorizar que cada um dos acompanhantes opte por uma quinzena em dois desses meses (num total de duas quinzenas cada um), que assim caberá ao outro e que será compensando nos meses subsequentes àqueles; j) Determinar que a requerente (que tem vindo a cuidar em permanência da beneficiária desde julho/agosto de 2018) poderá preferir na escolha das quinzenas no primeiro ano em que a questão se coloque (eventualmente o presente ano), alternando a preferência na escolha no ano subsequente, e devendo a opção ser comunicada até ao final do mês de abril de cada ano, com exceção do presente, em que deverá ser comunicada com uma antecedência mínima de 15 dias, se for o caso; k) Determinar que caberá ao acompanhante que estiver no exercício dos poderes de representação geral dar autorização a qualquer tratamento médico proposto que careça de consentimento da beneficiária, devendo para o efeito auscultar o outro acompanhante; l) Determinar que a beneficiária não poderá celebrar casamento, perfilhar, adotar, educar filhos e adotados, deslocar-se (desacompanhada) no país ou no estrangeiro, realizar negócios da vida corrente, fixar domicílio/residência e testar, escolher emprego, bem como exercer funções de acompanhante, de membro de conselho de família e de cabeça-de-casal; m) Fixar a data em que as medidas de acompanhamento se tornaram necessárias em 30-04-2013; n) Determinar que a presente decisão deva ser revista de cinco em cinco anos; o) Consignar que à beneficiária não é conhecido qualquer testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.

Não são devidas custas, por isenção do processo.

Registe, notifique, publicite (de imediato, isto é, antes do trânsito), através de afixação de editais neste Juízo e no “citius”.

Após trânsito, comunique-se à Conservatória do Registo Civil”.

Inconformada, apelou a Requerente concluindo as suas alegações da seguinte forma: “CONCLUSÕES 1ª A ratio do artigo 143º, nº 3, do Código Civil, ao permitir a nomeação de vários acompanhantes com diferentes funções, especificando as atribuições de cada um, é permitir que, em determinado período de tempo, necessariamente simultâneo, possam ser nomeados mais do que um acompanhante, cada um deles com determinadas funções/competências/tarefas específicas.

  1. O que o Tribunal decidiu foi, formalmente, nomear dois acompanhantes, em regime rotativo anual, sendo certo que, materialmente, em cada ano, só um deles o será efetivamente, jamais o sendo em simultâneo, ainda que com diferentes funções.

  2. Ao decidir nomear como acompanhantes da beneficiária os seus dois filhos, nos termos em que o fez, concedendo-lhes poderes de representação geral e administração total de bens, em anos civis alternados, o Tribunal a quo aplicou erradamente o instituto do maior acompanhado e violou o disposto no artigo 143º, nº 3, do Código Civil.

  3. O Tribunal a quo quis sobretudo harmonizar e conciliar os interesses entre os irmãos que se encontram de relações cortadas, ao invés de pensar essencialmente no que seria melhor, e mais adequado, à defesa dos interesses da beneficiária, os únicos que verdadeiramente deveriam estar em jogo.

  4. À requerente assiste a faculdade de não aceitar o regime de acompanhamento preconizado pelo Tribunal, que não foi peticionado, uma vez que competia sim ao Tribunal, perante as duas pretensões dos dois irmãos, ambas legítimas, qual seria a que melhor asseguraria os interesses da beneficiária, e assim decidir ou, no limite, nomear os dois em simultâneo, para o mesmo período de tempo, atribuindo tarefas concretas e específicas a cada um deles.

  5. Sabendo-se apenas não haver inconveniente do ponto de vista clínico para a residência alternada da beneficiária e que os dois filhos possuem condições para dar assistência à beneficiária, sem qualquer outro suporte factual ou fundamentação, tal é manifestamente insuficiente para concluir que esse regime é o que se afigura mais adequado, e o que melhor assegura, a defesa dos interesses da beneficiária.

  6. Reconhecendo a sentença existir contenda entre irmãos, considerando a existência de desentendimentos, sabendo que os mesmos se encontram desavindos e que existe, afinal, corte de relações entre ambos, como a sentença reconhece e declara, é perfeitamente antagónico, e contraditório, concluir-se, como se afirma no parágrafo 5 da página 18 da sentença, que se afigura «como desejável estabelecer um regime de acompanhamento repartido».

  7. Inexiste na sentença fundamentação para o estabelecido regime de residência alternada (nem por três meses, nem por qualquer outro período), que nunca existiu em momento anterior, não fazendo sentido estribar-se uma decisão referindo que «se restabeleça o regime de residência alternada que outrora vigorou», pela simples razão de não se poder restabelecer o que antes não existiu.

  8. Não conseguindo a beneficiária estabelecer qualquer tipo de comunicação verbal, não conhecendo os próprios filhos, é ilegítimo concluir que o melhor (para a beneficiária) é residir de três em três meses nas casas deles e, de ano a ano, cada um deles ser o seu acompanhante.

  9. O regime decidido pelo Tribunal é inexequível, por um lado, por impor que a beneficiária passe sempre os mesmos períodos de tempo, durante o ano, e durante todos os anos, com o mesmo filho; por entender que um filho seja nomeado acompanhante durante 12 meses, 6 dos quais a beneficiária estará a residir com o outro filho; por considerar ser possível fixar o regime de visita do filho que não esteja a residir com a beneficiária por imposição unilateral (mera comunicação) ao outro, com a antecedência mínima de 24 horas; por entender que...

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