Acórdão nº 8972/06.5TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Outubro de 2011
Magistrado Responsável | HELENA MELO |
Data da Resolução | 20 de Outubro de 2011 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório C., viúva, reformada, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o Dr. P., casado, advogado, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de euros 406.899,91, acrescida de juros contados desde a citação.
Alega, em síntese, que no ano de 2000, contactou o réu para que a representasse numa acção que pretendia propor contra a “M., Lda.”, por danos causados por esta à exploração do “Club… ”, propriedade da “F., Lda.”, sociedade que desde o falecimento do marido, ocorrido a 23.3.1995, passou a gerir.
O réu, além de só ter proposto a acção a 11.1.2002 (acção 40/02), fê-lo em nome da ora autora, ao invés de o fazer em nome da “F., Lda.”, o que fez com que a ré arguisse a sua falta de personalidade e capacidade jurídica e judiciárias. O Tribunal proferiu despacho a convidar ao esclarecimento da situação, repetidamente, mas o réu nada fez, e ainda faltou à audiência preliminar agendada, o que determinou que, a 6.1.2003, fosse proferida decisão a absolver a “M.” da instância. O réu interpôs recurso da decisão, o qual admitido a 24.1.2003, ficou deserto por falta de alegações, do que só teve conhecimento um ano depois.
Igualmente o réu não deduziu atempadamente oposição à injunção contra si instaurada pela “O.SA”, que correu termos com o n.º 166342003 na Secretaria Geral de Injunções do Porto, onde, na execução que se lhe seguiu, vieram a ser penhorados os únicos bens móveis que lhe restavam.
Em consequência do descrito, sofreu danos não patrimoniais por se sentir enganada durante anos, dado que confiava no trabalho e na palavra do réu.
Além destes, sofreu ainda elevados prejuízos materiais, já que na qualidade de sócia-gerente da “F., Lda” foi lesada no montante do pedido formulado naquela acção, além de ter acabado por perder todos os seus bens, inclusive a sua casa de habitação, o que lhe causou um prejuízo de euros 60.000,00.
Devidamente citado, o réu apresentou contestação de fls. 67 a 78, defendendo-se por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou que a autora é parte ilegítima já que foi declarada falida no processo n.º 845/2002, do 3.º juízo cível de Braga, pelo que quem devia estar em juízo era o respectivo liquidatário e ainda porque quem sofreu os alegados prejuízos, relativamente à acção 40/02 foi a F., Lda. Igualmente invocou ser parte ilegítima, porquanto a autora não lhe outorgou qualquer procuração com poderes de representação, tendo sido nomeado seu patrono.
Mais alegou: . Inexiste culpa já que as opções que tomou sempre foram as que julgou processualmente adequadas, sendo que faltou à audiência preliminar por estar impedido noutra diligência judicial, o que comunicou ao Tribunal; . Relativamente ao recurso que desertou, não alegou depois de analisar a questão e ter entendido que nada serviria avançar por a autora não ter negado ter deixado de liquidar as rendas e a energia eléctrica devidas à aludida “M., Lda”; . A autora não invocou quaisquer prejuízos ressarcíveis, já que a proceder a acção contra a “M., Lda” o montante fixado seria pago à sociedade; . Quanto aos danos decorrentes da falência da “F., Lda.”, esta deveu-se à falta de pagamento de rendas do imóvel onde o estabelecimento estava instalado, bem como à circunstância da autora não ter pago as custas da acção n.º 74/1998, do 1.º juízo do Tribunal de Círculo de Braga, na qual foi decretado o despejo, onde decaiu, o que determinou a propositura de uma execução contra a aludida sociedade; . Quanto à injunção, a dedução de oposição nada adiantaria já que a aqui autora nunca negou o débito à “O., SA”, negando-se a fazer qualquer acordo por não ter dinheiro; . A perda da casa e de outros bens são imputáveis à própria autora, que não soube gerir a sociedade e a sua própria vida pessoal; . Inexiste qualquer nexo de causalidade entre a perda da acção 40/2002 ou o prosseguimento da injunção e os alegados prejuízos, já que não foi imputada ao réu qualquer erro ou falha enquanto advogado no âmbito desses processos que os determinasse; . Finalmente, a perda da casa e os prejuízos decorrentes da falência não podem ser imputados ao réu já que não foi a actividade deste enquanto seu Advogado que os determinou.
Conclui pela improcedência da acção e peticionou a condenação da advogada da autora e desta como litigantes de má-fé.
Deduziu incidente de intervenção acessória provocada da I - Companhia de Seguros, S.A, invocando ter transferido para esta o risco eventualmente decorrente das responsabilidades que lhe possam ser imputadas no exercício da sua profissão, através das apólices n.º 54946654 e RC22361966.
A A. replicou, mantendo o alegado e esclarecendo que foi o réu, enquanto advogado, que minutou a petição da acção n.º 40/2002, sendo certo que não discutiu com ele quem ali devia figurar ou não como autor, até porque não tem conhecimentos jurídicos para tal; quanto à falta de pagamento de rendas, embora seja verdade que houve atrasos as mesmas foram pagas, além do mais foi o próprio réu quem participou criminalmente contra a “M., Lda” por existirem sucessivos cortes de energia eléctrica, nomeadamente quando existiam festas, bem como a cobrança de electricidade a preços acima do tabelado; por fim, quanto à injunção, alega que não se entende a afirmação de que a oposição não surtiria efeito se foi ele que a deduziu, sempre afirmando à autora que estava tudo resolvido.
A fls. 145 foi proferido despacho a admitir a intervenção da chamada, ordenando-se a sua citação.
A I. - Companhia de Seguros, SA. contestou a fls. 157 e 158, alegando, em síntese, que o contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado e titulado pela apólice RC54946654 foi anulado em 10.2.2004, por falta de pagamento do prémio, pelo que a responsabilidade do réu só esteve para si transferida entre 10.10.1996 a 10.2.2004. Já o contrato titulado pela apólice RC22361966 foi celebrado com efeitos a partir de 22.6.2005, pelo que não estava em vigor à data dos factos descritos nos autos.
A A. replicou a fls. 178 e 179, impugnando a matéria relativa à anulação e vigências dos contratos de seguro referidos pela chamada.
Por despacho de foi o R. absolvido da instância por se ter entendido que a A. carecia de capacidade judiciária para estar por si só em juízo. A A. interpôs recurso deste despacho que foi revogado por acórdão do Tribunal desta Relação de 4.12.2008.
Foi proferido despacho-saneador, onde se conheceu da excepção de legitimidade da autora e do réu, julgando-se ambos partes legítimas, e procedeu-se à fixação da matéria assente e à elaboração da base instrutória (fls. 306 a 315).
O R. veio a fls 317 e ss requerer que o Tribunal se pronunciasse sobre a legitimidade da autora, declarada falida a 30.9.2002, para propor a presente acção tendo em vista o exercício de direitos conexos com a acção n.º 40/2002 e reclamar por omissão da selecção de factos assentes e da base instrutória.
Por despacho a 6.7.2009,l a fls 455 e 456, foi indeferida a reclamação.
O réu requereu a fls 459 a rectificação do que denominou um “lapso manifesto” do despacho saneador, reiterando o pedido de apreciação da legitimidade da autora.
O Tribunal decidiu, a fls. 471 a 473, aditar à matéria assente a alínea N), relativa à declaração de falência da A. e indeferiu o demais requerido.
Desse despacho o R. interpôs recurso de agravo, a fls 475, o qual foi admitido por despacho de 23.11.2009, a fls 492 e com alegações juntas de fls. 506 a 512, tendo formulado as seguintes conclusões: (…) 1º O R. levantou nos artºs 2º e 3º da contestação a questão da ilegitimidade da A. decorrente de peticionar alegados direitos que já existiriam aquando da sua declaração de falência, ou seja, os mesmos integrariam a respectiva massa falida e apenas ao respectivo administrador caberia invocar os mesmos, como estipulado no artº 147º do CPEREF.
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Ao elaborar o saneador o Tribunal não refere a falência da A. e mesmo após reclamação desta omissão insistiu na sua não inclusão.
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Apenas com o pedido de correcção de lapso com indicação da localização exacta das duas certidões alegadamente “omissas” nos autos é que a declaração de falência da A. foi incluída.
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Não foi apreciada a questão da repercussão da falência da A. na sua legitimidade face ao artº 147º do CPEREF, com a invocação de que tal questão já teria sido decidida e assim se mostrar esgotado o poder jurisdicional.
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Uma questão só pode dizer apreciada se foi concretamente analisada, sendo absolutamente inequívoco que nunca ninguém proferiu qualquer decisão em que tivesse sequer referido o artº 147º do CPEREF.
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O Tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões colocadas.
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A questão da ilegitimidade da A. constitui excepção dilatória conforme regulado na alínea e) do artº 494º do CPC.
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O Tribunal ao não ter apreciado a questão suscitada, violou o estabelecido no nº 1 da alínea a) do artº 510º do CPC.
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Mostra-se violado o estabelecido no artº 8º do CC.
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Foi ainda desrespeitado o artº 147º do CPEREF, na medida em que nem sequer foi abordada a questão da verificação ou não da hipótese legal, com total ignorância do respectivo conteúdo, com influência determinante na decisão deste pleito, pois todos os actos/omissões imputados ao R. são anteriores à declaração de falência.
Requerendo que, caso não seja reparado o agravo, deve este ser julgado procedente sendo: .a) declarada a ilegitimidade da A. para reclamar direitos que a existirem, se verificavam já aquando da sua declaração de falência e como tal deviam integrar a sua massa falida e foram retirados à sua disponibilidade; .b) caso não se entenda poder ser proferida decisão apreciando a questão colocada, deve ser ordenada a baixa do processo para a mesma questão ser apreciada na primeira instância, por nunca ter sido objecto de análise e decisão.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (fls. 608 a 612 e 641) e por despacho de fls 642 a 645...
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