Acórdão nº 6067/09.9TBBRG-G.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução27 de Janeiro de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Processo 6067/09.TBBRG-G Tribunal de origem: Tribunal Judicial de Braga Relatora: Helena Gomes de Melo 1º Adjunto: Juiz Desembargador Amílcar Andrade 2º Adjunto: Juiz Desembargador António Ribeiro Acordam os juízes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação: R. veio requerer a sua apresentação à insolvência, alegando, em síntese, que durante mais de 6 anos exerceu as funções de gerente da sociedade comercial por quotas que girava sob a denominação J., Limitada e era essencialmente com os rendimentos que recebia como sócio e gerente dessa sociedade que fazia face aos encargos da vida familiar.

A J.,Lda. entrou em derrapagem financeira, tendo acabado por se apresentar à insolvência, a qual foi decretada.

No desempenho da referida actividade comercial o requerente e o outro gerente da empresa, José quiseram pagar e cumprir e viram-se obrigados a avalizar letras, contas caucionadas, livranças subscritas e/ou aceites pela sociedade de que ambos eram gerentes, bem como a contrair empréstimos em nome individual, injectando, posteriormente o dinheiro na empresa.

O montante do passivo da sua responsabilidade ultrapassa os 580.000,00. O requerente não dispõe de património nem de rendimentos que possam garantir a satisfação do passivo, pois possui apenas um imóvel que está onerado com uma hipoteca.

Está à procura de trabalho como vendedor.

Requer que seja decretada a sua insolvência e que seja proferido despacho declarando a exoneração do passivo restante do requerente, considerando-se cedido ao fiduciário que venha a ser designado e durante os cinco anos subsequentes ao encerramento deste processo, todo o rendimento disponível que o mesmo venha a auferir, com exclusão de dois terços do salário por ele auferido.

Por sentença de 22 de Setembro de 2009 foi decretada a insolvência do requerente.

Foi proferida decisão, indeferindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.

Dessa decisão o requerente interpôs recurso, tendo por acórdão de 2 de Março de 2010 sido declarada a nulidade da decisão com base no disposto na alínea b) do artº 668º do CPC.

Em 7.09.2010, o Ministério Público promoveu o indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante, invocando que o requerente apenas se apresentou à insolvência em 19 de Setembro de 2009 quando a sua situação de insolvência já se arrastava desde Outubro de 2008, o que causou prejuízo aos autores.

Os credores Barclays Bank, A.Cerâmica, Banco Espírito Santo, Banig Go, Banco Comercial Português, Montepio Geral pronunciaram-se pelo indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante.

Por decisão de 10.09.2010 foi indeferido o pedido formulado pelo requerente.

É deste último despacho que o recorrente interpôs o presente recurso de apelação em separado.

Apresentou as seguintes CONCLUSÕES: A. Fundamentando a figura da Insolvência de Pessoa Singular, consignou o legislador, no preâmbulo do DL 53/2004, de 18/03, que aprovou o CIRE, que este diploma “conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e, assim, lhes permitir a sua reabilitação económica, quando “de boa fé” - como in casu - transpondo, assim, para o nosso ordenamento o instituto do «fresh start» do direito Norte Americano; B. Trata-se, portanto, de um benefício que constitui, para os insolventes, pessoas singulares, uma medida de protecção, que se pode traduzir tanto num perdão de poucas como de elevadas quantias e montantes, exonerando-os dos seus débitos, com a contrapartida, para os credores, da perda correspondente dos seus créditos; C. Para prolação deste despacho é necessário que o devedor preencha determinados requisitos e desde logo que tenha tido um comportamento anterior e actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé, no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de Insolvência, aferindo-se da sua boa conduta, dando-se aqui especial cuidado na apreciação, apertando-a, com ponderação de dados objectivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta.

D. É no momento do despacho inicial que se tem de analisar, através da ponderação de dados objectivos, se a conduta do devedor tem a possibilidade de ser merecedora de uma nova oportunidade, configurando este despacho quando positivo, uma declaração de que a exoneração do passivo restante será concedida, se as demais condições futuras exigidas vierem a ser cumpridas.

E. A verdade é que, o Juiz a quo, de facto, não tinha motivos (nem tem) – ao tempo da assembleia de credores, e, também, agora - para indeferir a exoneração do passivo, pelo que deveria ter-se pronunciado positivamente e em tempo oportuno.

F. Por outro lado, o juiz não lançou mão do prazo (e da faculdade) estabelecido no art. 239.º n. “in fine” para se fazer aproveitar de alguma diligência probatória, a fim de sustentar a sua decisão, pelo que, à luz do novo expediente legal - exoneração do passivo restante — não podia ter decidido como decidiu, indeferindo tal pretensão.

G. O insolvente apresentou-se à insolvência no dia 18/09/2009, sendo que as dívidas foram contraídas pela firma “J.Lda”, figurando o Recorrente apenas como avalista; H. De qualquer modo, mesmo que se entendesse concluir que a situação de insolvência do requerente havia ocorrido, há mais de seis meses, considerando a data da sua apresentação, tal facto não determinaria só por si o Indeferimento liminar do pedido formulado, uma vez que, ainda, se teria que constatar que esse atraso havia prejudicado os interesses dos credores, nomeadamente por ter contribuído para o agravamento da sua situação de insolvência, e que o Insolvente sabia ou não podia ignorar, sem culpa grave, que inexistia qualquer perspectiva de melhoria da sua situação económica, uma vez que o preenchimento destes requisitos como fundamento do indeferimento liminar é cumulativo.

I. Há que esclarecer que pelo facto de as dívidas estarem a ser cobradas judicialmente (à sociedade) não é lícito concluir, sem mais, que o insolvente se encontrava numa situação de insolvência.

J. Sendo avalista, conjuntamente, com o seu ex-sócio José, estaremos perante responsabilidade solidária, pelo que a determinação do montante da responsabilidade final de cada avalista vai depender da “liquidação” final entre eles.

K. A decisão em crise é sustentada, no que diz respeito ao pressuposto do prejuízo para os credores, que os mesmos tiveram com o referido atraso um acréscimo de juros, o que agravava a dívida total, mas, como sabemos, as obrigações pecuniárias não cumpridas vencem juros. É a indemnização pelo incumprimento com culpa, que a lei presume nos contratos — artigos 798.º, 799.º, 1, 804.º, 1, e 806.º, 1, do CC; L. A interpretação feita pelo despacho recorrido é a de que, em consequência da não apresentação tempestiva do pedido de insolvência se agravou a situação pecuniária do insolvente, logo dos credores, tal faz desde logo incorrer na previsão da citada alínea d); M. Pode parecer evidente o prejuízo dessa não apresentação para os credores pelo avolumar do passivo global da insolvente (o que dificulta o pagamento dos créditos), e ainda pelo retardamento da cobrança de seu crédito, que a inércia dos insolventes determinou.

N. O atraso implica, sempre, um avolumar do passivo, a não ser assim, não estaríamos perante uma impossibilidade de cumprir as suas obrigações, mas numa situação de dificuldade, querendo isto dizer que, o Legislador não pode ter querido prever naquela alínea d) como excepção aquilo que é o normal ocorrer; O. Daqui resulta que temos de considerar o “prejuízo” previsto nessa alínea, como algo mais do que o que já resulta da demais previsão desse dispositivo, sendo que, esse prejuízo não pode consistir no aumento da dívida e atraso na cobrança dos créditos por parte dos credores, pois que tal já resultava da demais previsão dessa alínea; P. O artigo 9.º, nº3, do CC determina que: “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”; Q. No despacho em crise, não descortinamos nenhum facto descrito “preto no branco“ ou de qualquer outra prova ou facto, de que a apresentação se configurou como tardia, e que provocou prejuízo aos credores, pelo que o pressuposto do art. 238º, d), do CIRE não se encontra verificado; R. Parece-nos que o despacho assenta em conclusões aferidas pelo Juiz a quo - independentemente da obrigatoriedade de fundamentação necessária no despacho -; S. O art. 18°, n.°3 não pode ser interpretado no sentido de que ocorrendo uma Insolvência de uma sociedade tal implica que os sócios gerentes estejam igualmente insolventes e que tenham de se apresentar à insolvência, nem pode ser interpretado no sentido do conhecimento da insolvência se referir aos sócios pessoalmente.

T. Os pressupostos elencados na lei (que têm de ser verificados cumulativamente) não foram preenchidos nem fundamentados na decisão em crise.

U. Além do mais, convém salientar que a Insolvência do Recorrente foi qualificada como fortuita.

V. E, que o Exmo Senhor Administrador da Insolvência, consignou expressamente no seu relatório quando se pronunciou sobre a exoneração do passivo restante, o seguinte: “Do supra exposto, conclui-se que a situação actual do Insolvente não se funda em culpa pessoal, mas antes nas circunstâncias descritas; A não apresentação à Insolvência em data anterior não teve qualquer incidência na sua situação económica e financeira, pois não implicou nem acréscimo no passivo, nem não pouco inviabilizou...

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